quinta-feira, 28 de abril de 2011

"Mansão das Drogas"

Esse foi o nome da reportagem do extinto programa de televisão de meados dos anos 90 - Na Rota do Crime. A “mansão das drogas” era apenas a casa dos meus colegas de infância, que eu e outros conhecidos frequentávamos quase que diariamente. Estava muito longe de ser uma “mansão” - senão para as exigências do espetáculo vulgar e a sanha da mídia sensacionalista. Era uma casa baixa de dois dormitórios e um quintalzinho na frente. Os caras faziam o trafico lá e, como eram todos usuários de alguma droga e alguns dos fregueses fossem amigos de longa data – como no meu caso -, eles permitiam que também se usasse a droga lá. A casa era até confortável, mobiliada e sempre tinha alguma comida, bebida e musica. Então quem era da casa ficava numa boa, fumava, cheirava, conversava, ouvia um som, tomava umas e se divertia. Às vezes, eu chegava lá só pra comprar um baseadinho e, conversa vai, conversa vem, alguém apresentava outro. Depois chegava mais um e oferecia uma carreira, aí continuava conversando e assim passava o dia todo sem sair de lá e até sem gastar nada. Era tanta gente que passava por lá, tanta droga, tantos assuntos e, por incrível que pareça para as pessoas comuns era um lugar divertido - nunca presenciei uma discussão, uma briga ou agressão, quanto mais armas, tiros ou mortes. Não havia hostilidades ou tristeza no ambiente, embora não fosse saudável. Ouvia-se, via de regra, muita besteira, papo furado e brincadeiras de rapazes em busca de diversão e auto-afirmação.

Jogávamos sempre dominó ou palitinho e, quem ganhava fazia o baseado ou esticava as carreiras. Quem perdia, se estivéssemos usando cocaína tinha que comer uma bolacha água e sal a seco como castigo e, se estivéssemos fumando tomar um copo de pinga. Quem já usou drogas sabe o que significam esses prêmios e castigos. Como eu ganhava muito, em ambos os jogos, me divertia vendo os outros se engasgando comendo um pacote todo de água e sal - a seco! - ou caindo de tanto tomar pinga. Como eu também tinha crédito, muitas vezes pendurava, rachava com o traficante que era também meu amigo e assim nunca faltava droga para ninguém.  Gente especialista e/ou comum não consegue entender isso, escapa a moral e as teorias. Não me importo. O mundo, as pessoas e a realidade são mesmo inconcebíveis, ininteligíveis, complexas demais para convenções e padrões.


Viviam nessa casa ao todo só três pessoas, porem, sempre tinha no mínimo outras três diariamente em função dos negócios. Como o movimento era grande, às vezes chegava a ter quase vinte pessoas de uma única vez! Eu cheguei a passar algumas madrugadas lá. Nessa época apenas cheirava e fumava maconha. Há época só dois dos caras que traficavam eram maiores de idade – eu era, mas não traficava. No dia em que a polícia invadiu a casa com a reportagem eu não estava lá. Encontraram cocaína, maconha e crack. Dois foram mandados para a FEBEM. Vi o programa na televisão em casa, ao lado dos meus pais e eles jamais desconfiaram que eu frequentasse aquele lugar. Isso tudo aconteceu há uns 14 anos (1997), mais ou menos. Desses caras um está bem, trabalhando e nunca mais se envolveu com o crime. Um morreu, outros dois estão presos e outros dois passaram uns bons anos presos e hoje estão soltos. Não sei que vida levam e não tenho mais contato. Torço apenas para que estejam bem, afinal, são jovens ainda, tem filhos pequenos e basta de sofrimentos para uma vida. Se morrerem, no entanto, morrerão como sempre viveram; ignorados pela sociedade e o Estado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário