terça-feira, 7 de dezembro de 2010

a pedra no caminho

Essas linhas não tratam de poesia. A pedra no caminho não é a do Drummond. A pedra no meio do meu caminho é bem menos romântica ou abstrata. Ela não é nem a "pedra de tropeço" com que Jesus chama Pedro, nem aquela no caminho dos pequeninos - Mateus 16, 18. Muito pior, dispensa metáforas, espécie de servidão e flagelo na Terra, estágio final do processo perene de desumanização e invisibilidade a que os homens estão submetidos em nossa sociedade. Ela é real, cruel, espreita nas ruas e coloca-os sob a terra abaixo do chão. Embora tenha conhecido, inclusive por meio dela - não exclusivamente! - tanto o inferno quanto o submundo, não vivi apenas neles ou em função deles. Embora muitos sejam céticos ou cínicos - ambos acomodados -, preciso dizer que nem todos os usuários de crack são meras criaturas insensíveis e ignorantes – zumbis, nóias, “pedreiros” ou crackudos. Embora tenha consumido milhares de pedras de crack, conheci pessoas, lugares, livros, idéias. Construí coisas, relacionamentos. Desfiz tudo e desfiz-me. Perdi tudo, renunciei a tudo, inclusive a liberdade e a vida. Abri as portas do inferno e entrei. Lutei, perdi e me acomodei. Escapei da morte e do encarceramento por razões que ignoro e me abstenho de especular.
Marcão me ensinou a paciência e a serenidade diante do desespero. Com Shakespeare, Dostoievski e Camus a psicologia humana, os dramas e as tragédias dos homens – sublimes e medíocres. Alexandre me disse na prisão que as aulas o faziam esquecer-se que estava preso.  Tolstói, Hugo e Hesse que a graça, a força, a beleza dos homens reside na simplicidade tanto quanto na natureza. A solidariedade aprendi entre ex-viciados, presos, moradores de rua, abandonados, marginalizados e excluídos morando em uma pensão. E Machado, Lima Barreto, Graciliano, Fitzgerald, Hemingway, Orwell, Gorki, Wilde, Pessoa, Sá Carneiro, Rilke, Paz, Neruda e Rimbaud me ensinaram mais sobre a humanidade, a política e a filosofia do que os seis anos que passei na cátedra. Embora tivesse muitas pedras no caminho, minha vida não foi só quedas e tropeços como preferem enxergar os cínicos e preconceituosos e, talvez por isso tenha sido uma escalada, aquilo poderia ter sido apenas uma trilha.


2 comentários:

  1. Muito bom o Blog, Mario. Parabéns pela coragem e não estamos sozinhos.

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  2. Sem duvidas que não estamos! Obrigado pela atenção e consideração!

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