A paixão é quase sempre uma coisa boa. Tudo o que se faz apaixonadamente se faz melhor. A paixão é um estado de espírito que nos leva a buscar o melhor de nós mesmos. Independentemente do objeto para o qual ela se dirige. Enquanto não se sente rejeitado ou fracassado, o apaixonado, embora não tenha realizado a sua paixão, permanece nesse estado.
Do ponto de vista biológico, no entanto, a paixão nada mais é do que uma reação química. Antes mesmo da biologia Platão já descrevia as reações físicas ocasionadas pela paixão – Fedro. A paixão opera substancias em nosso organismo provocando reações químicas capazes de alterar nosso estado físico e emocional. Essas reações alteram nossos órgãos internos e nossa consciência, são capazes de mobilizar nosso inconsciente. O apaixonado sente os efeitos da paixão no estômago, coração, no diafragma, na pele, sistema nervoso e circulatório – pressão arterial, humor, sono, autoestima, etc.
Na antiguidade era considerada um vício, uma fraqueza. Os antigos estão certos. Por isso tudo o apaixonado é um sujeito descontrolado, um escravo, conforme pensavam os estoicos. Ele não tem controle sobre as reações químicas que ocorrem no seu organismo, por mais consciente que esteja delas. É por isso que sob efeito da paixão, pessoas consideradas razoáveis, afetuosas, bondosas e de boa índole e conduta cometem loucuras ou até atrocidades. Isso, porem, não diminui a ofensa ou o crime do ponto de vista legal e/ou moral. Entretanto, a nossa sociedade é a da época da razão, da ciência, do Positivismo, portanto, tende a julgar tudo do ponto de vista dela. Por mais que se tenha conhecimento dessas determinações, a sociedade sempre julga na perspectiva da racionalidade e da moral. Porque todo crime é, sobretudo, um atentado à sociedade.
Essa interrelação entre moral e ciência causa equívocos, desconfortos e oportunismos que ocasionam preconceitos e injustiças. Opõe-se deliberadamente a justiça à medicina, a sociedade ao indivíduo, tendo o Estado por árbitro e executor. Nessas situações esclarece-se pouco e confunde-se muito. O medico parece advogado, o advogado ou promotor médico e a sociedade o juiz. No final, todos quase sempre acabam sentindo-se injustiçados, impotentes, confusos, frustrados. O ser humano é demasiado complexo para se enquadrar nesta ou naquela determinação ou padrão. Os esquemas científicos e jurídicos tendem a estabilidade, a moral também, enquanto que o homem é sempre único em suas condições e circunstâncias.
Quando não se enquadra em nenhum ou quase nenhum é uma aberração, só pode ser excluído ou exterminado! A dependência química é como a paixão, provoca reações no organismo do indivíduo capazes de alterar o estado físico e emocional do sujeito. Desestabiliza o equilíbrio químico natural do organismo, aumentando a produção de determinadas substâncias enquanto consomem outras. Sob efeito de determinadas substâncias capazes de alterar o físico, emocional e a consciência, o sujeito usuário de drogas químicas provoca transformações no seu organismo que escapam do seu controle. Ele deixa de controlar tudo aquilo que antes, conscientemente ou instintivamente a sua natureza se encarregava de manter estável e sob controle. É isso o que os que pretendem lidar com a questão da dependência não entendem ou ignoram, todos eles. Esse talvez seja um dos motivos do fracasso das políticas de enfrentamento e tratamento dessa questão. Por outro lado, é importante considerar que a sociedade é o controle de determinados comportamentos públicos e, na medida em que se omite, negligencia ou tolera certas condutas, deve assumir a responsabilidade e as consequências. Em outras palavras, a questão das drogas é um problema social e não exclusivamente caso de polícia, espiritualidade, medicina ou assistência social.
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