domingo, 20 de novembro de 2011

Teoria e prática

Ele tinha grandes ideias, boas intenções, muitos conhecimentos. Frequentava ambientes e tinha aceso a pessoas importantes. Muitas teorias, muitos debates, muitas pesquisas, muitos projetos. Aplausos. Embora fosse jovem, falava e era reconhecido nos círculos intelectuais e políticos. Percebia-se a sua juventude fora desses círculos. Reproduzia os mesmos gostos e hábitos dos demais jovens - moda, luxo, luxuria, vícios, tecnologia, baladas. Arrogante, podia ser visto nas casas noturnas da moda. Cobria-se de etiquetas e exibia equipamentos de ponta - do carro ao celular, do notebook ao relógio. Fútil, como todo jovem alienado e frívolo. Recebia o traficante em casa, raramente ia a alguma boca. Comprava no atacado. Maconha era a cota do mês. Cocaína sempre de 5 g pra cima. Crack de 20 pedras por vez. Consumia álcool em excesso, em casa e em barzinhos da moda sempre acompanhado dos amigos. No fundo não passava de um extravagante, presunçoso e deslumbrado - com o poder, com o prestigio, com o dinheiro, com o saber. Um tolo útil que foi mais longe do que havia sonhado. Como todo deslumbrado e presunçoso, ignorava os inconvenientes da realidade e vivia o mais possível distante dela. Trabalhava para o governo e omitia-se por conveniência em relação as questões eticas e ideológicas. Na administração direta ou indiretamente por meio do terceiro setor. Fazia do cinismo o seu pragmatismo. Isso tudo o colocava acima de qualquer suspeita, tornava-o imune ou blindado as criticas. Discursa nas "redes sociais" contra o sistema mas reproduz a logica liberal capitalista, o estilo de vida burgues/individualista, porem, tudo revestido pelo discurso politicamente correto. As universidades, os gabinetes, os movimentos sociais na sua imensa maioria resumem-se a isso. Quando fazem alguma coisa honesta, produtiva ou verdadeira ainda exigem reconhecimento! As "redes sociais" são meios virtuais privados para autopromoção ou divulgação de ideias em espaços limitados e restritos. A realidade da favela do Piqueri, da Brasilândia (SP), do Morro da Providencia (RJ), da baixada fluminense (RJ), do Morro do José Menino, São Bento, Centro (Santos), do Nova Esperança (Sorocaba), do Gonzaguinha, México 70,  Sambaiatuba, Jockey, Rio Branco (São Vicente), Cota 200, Vila dos Pescadores (Cubatão), Samambaia e Melvi (Praia Grande) está muito distante do blá, blá, blá e da demagogia politicamente correta dessas redes e ambientes. É a realidade de milhares de jovens e crianças que vendem e usam drogas. É a realidade das ruas, muito diferente das confortáveis, arrogantes, mirabolantes e, claro, bem intencionadas redes. A realidade do vicio, da violência  do trafico, do abandono e da omissão é permeada de jovens e crianças - sem futuro, sem esperanças, sem perspectivas - que ignoram todos esses espaços, debates, projetos e pessoas bem intencionadas, mas, que por eles são solenemente ignorados.  O crack, a violência, a miséria, a corrupção, a falência da educação, a desigualdade social são pessoas, não são objetos de estudo, números, pesquisas, abstrações. É inerente ao Capitalismo produzir desigualdades, o mais é demagogia, retorica ou cinismo.

Um comentário:

  1. A Função do Escritor

    O escritor escolheu a revelação do mundo e especialmente a revelação do homem aos outros homens para que estes adquiram, em face do objecto assim desnudado, toda a sua responsabilidade. Ninguém pode fingir ignorar a lei, porque há um código, e porque a lei é coisa escrita: depois disto, pode infringi-la, mas sabe os riscos que corre. Do mesmo modo, a função do escritor é fazer com que ninguém possa ignorar o mundo e que ninguém se possa dizer inocente.

    Jean-Paul Sartre, in 'Situações II'

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