Esse é o titulo de uma música do Ira, porem, ela é apenas um gancho para falar sobre a rotina do dependente químico que decide deixar o vicio - decisão envolve reflexão, mais que necessidade. Nada que um ser humano "normal" possa entender, sequer imaginar! Nenhuma grandeza nisso, tampouco, mediocridade. Trata-se de um rotina diária de enfrentamento contra uma força quase sempre incontrolável, invisível, irresistível e perversa que espreita inclusive no sono - inscreve-se no inconsciente - e por isso é inconcebível à média das pessoas. É esse nível de conscientização que falta aos nossos legisladores, pesquisadores, médicos, cientistas, assistentes sociais, sociólogos, psicólogos, educadores, padres, pastores, juristas, advogados, policiais, pais, enfim, todos aqueles que por qualquer motivo e a sua maneira pretendem envolver-se com esse problema. Como se vê, não são poucos os bem intencionados e altruístas, abnegados e corajosos dispostos - por esses motivos e atributos, entre outros, talvez, menos confessáveis, conscientes ou inconscientes - a ajudar os dependentes químicos.
Eu já tive a oportunidade de travar contato com todos eles e asseguro, todos, dos verdadeiramente mais bem intencionados - ingênuos, muitas vezes - aos mais cínicos - quase sempre esclarecidos - estão completamente equivocados e despreparados para enfrentar esse problema. O contato com essas pessoas deu-se por meio do trabalho - Centro de Detenção Provisória - e alguns CAPS-AD, um N.A., Igrejas e Centros Espíritas que frequentei. Enfim, o fato é que o mundo da droga é um mundo completamente diferente, apartado da realidade do homem comum. O que ele tem de mais próximo da realidade é o crime - visto sempre pela mediação da policia, mídia, política. O mundo do vício é um lugar de ilusões, mentiras, miséria, desprezo, egoísmo, tristeza, raiva, humilhações, dor e frustrações. Quem vive nele se esconde do outro - que se opõem a este -, aliena-se de si, tudo e todos. Tudo gira em torno do vício, o tempo todo, 24 horas por dia. Essa é a realidade inconcebível do vício. Hoje, passados mais de seis meses que deixei de usar, todo dia ainda penso nela, uns dias mais, outros menos, ainda sonho com ela - a pedra de crack.
Pego-me pensando nos motivos pelos quais eu poderia usar, como, aonde, quando e sustento para mim mesmo que uma vez só não causaria mal nenhum! Daí desperto desse meu transe momentâneo e tomo consciência da gravidade do problema e de como a dependência é perversa e espreita o tempo todo, se utiliza de todos os meios que lhe são acessíveis - inclusive o inconsciente. Tenho certeza que todo dependente, consciente ou não, esclarecido ou não, experimenta isso e, embora não consiga entender ou explicar - da minha parte só posso dizer que até hoje não encontrei nenhum "especialista" ou "cristão" que compreenda a dimensão disso - ele apenas sobrevive com isso e a culpa quando fracassa, devido a pobreza da sua "força de vontade!" Se não faltam interesse, compaixão, curiosidade, boa vontade ou ainda raiva e desprezo, também sobram desrespeito, incompetência, preconceitos e idiossincrasias! Enquanto não haver essa compreensão sobre a ação do crack - que ele é onipresente! - na vida do dependente, nada ou quase nada mudará. A cobertura do atendimento ao dependente é insuficiente e o tratamento semanal é ridículo, para dizer o mínimo, em termos daquilo que se espera de uma política publica para o enfrentamento de um problema de tamanha urgência e gravidade. Enquanto se passa uma ou duas horas por semana no atendimento ou reunião, o crack te atormenta as outras 166 horas da semana! E na outra semana será a mesma ladainha: assistente social, psicólogo - é bom que se diga, muitas vezes meros estagiários: "Como você está?" "O que você fez durante a semana?" "E a família?" "Você esta tomando os remédios?" "Tem certeza?" Por que será que todo assistente social ou psicólogo quando quer parecer simpático ou solidário sempre fala conosco como se fôssemos crianças ou deficientes mentais? Enfim, muitas vezes dá raiva e mais vontade de usar a droga ao sair de um lugar desses, sobretudo, quando se percebe a má vontade, desprezo, despreparo, compaixão ou a indiferença! Embora "preguem" - escrevo assim porque é a palavra mais adequada - que todo o trabalho nos N.As seja laico, as reuniões mais se parecem com um culto. Orações, contatos físicos forçados, solidariedade dissimulada, regras - tradições -, testemunhos, hierarquia, ladainhas! Quando saia do NA pensava como eles falam e me confortava: "é só por hoje." Graças a Deus!
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