domingo, 8 de maio de 2011

O jardim


Pensar em nada
é ter a alma própria e inteira.
Pensar em nada
É viver intimamente
O fluxo e o refluxo da vida. (Ricardo Reis)


Eu ainda vou cuidar de um jardim. Um pequeno jardim, bem modesto, com alguma variedade de plantas, sobretudo flores. Um jardim do éden em escala infinitamente menor, porem ainda um paraíso. Nele espero receber beija-flores, bem-te-vis, pardais, borboletas, entre outras criaturas. Cuidar é algo que nunca me ocorreu. Na verdade, sempre fui servido, porem muito mal cuidado. Compreendo melhor essa diferença hoje. Isso, talvez, explique minha negligencia anterior, sobretudo, comigo mesmo no que diz respeito a cuidados. 

O jardim é a vida em estado bruto. Vida frágil, simples, pura. Ainda assim é infinitamente superior, perfeita. A vida que brota do jardim transborda, de tão perfeita extrapola. Ela contamina, expande-se, latente. Dispensa maiores cuidados, se auto-governa. Coisa superior, um tipo de ordem que dispensa autoridade. Inconcebível para a vã racionalidade humana. O jardim é o paraíso da vida. Ele sustenta a vida. 

A natureza se oferece de modo sutil. Não que ela seja indiferente por se oferecer ao mundo, apenas os mais atentos podem contemplá-la, embora esteja exposta. A natureza é discreta. Exige paciência, delicadeza, sensibilidade, argúcia. A vaidade é a irmã siamesa da razão. Dizem que a vaidade é cega. A razão é a cegueira da alma. A vaidade é a cegueira do mundo. Elas se complementam coroando a escuridão. 

Neruda preferia o mar, Pessoa as rosas. Prefiro o jardim. Voltaire sonhava com um. Ele confia sua mensagem silenciosa ao vento, ele viaja com o ar e os pássaros que beijam as suas flores. Ele acaricia as musas com a brisa e penetra as almas pelos olhos que encanta. É como o coração puro, sem medo ou maldade, tudo dá porque tudo tem e nada lhe falta, transborda. Apenas segue a ordem natural e é perfeito, puro, imprescindível, indispensável. E assim é livre porque como a liberdade também não se justifica, dispensa razões para existir. Porque o vejo não penso, dispenso. Pensar em viver é não viver. “Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos...” (Fernando Pessoa)

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