quarta-feira, 15 de junho de 2011

Segmentos Sociais I - Educação


Faz doze anos que comecei a atuar naquilo que se conhece como segmento social – terceiro setor, políticas e projetos sociais. Nessa área atuei em projetos e políticas em educação – jovens, adultos e presos, formação de educadores e ensino -, desenvolvimento local – intermediação de mão de obra e negócios, alternativas de geração de trabalho e renda - segurança publica – pesquisas e levantamento de dados – e organização comunitária – conselhos gestores e de segurança. Todas essas experiências aconteceram nas maiores cidades dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro – capital, região metropolitana, interior e litoral. Todas as experiências de governo foram em administrações municipais petistas – pelo Estado apenas em São Paulo no governo tucano.

Comecei como docente de escola publica pelo Estado no ensino médio – professor eventual. Do ponto de vista objetivo nada mudou – o governo desde 95 continua tucano. Mudaram os governadores, secretários de educação, professores e os estudantes. Nas escolas, do ponto de vista qualitativo, se algo mudou foi para pior, sem duvidas! Os exames de avaliação que servem para medir a qualidade do ensino desqualificam esse sistema educacional. Os exames são métodos que estabelecem variáveis para aferir informações qualitativas sobre esse modelo. Eles, portanto, são arbitrários e parciais, no entanto, isso não diminui a responsabilidade estatal com relação à questão educacional e menos ainda reduz o problema, pelo contrário! Penso que se ampliássemos a analise, vislumbraríamos o quanto estamos longe do ideal há décadas estabelecido. A quem interessa ampliar a analise? A ninguém. No embate entre o sindicato dos professores e Estado a sociedade é deixada de lado - alijada e excluída deliberadamente do debate - e a "sociedade civil organizada" - Terceiro Setor "parceiro" do Estado - é parte interessada/financiada. Aliás, é bom que se diga: os “professores” não são todos os que entram em sala de aula. Existe um imbróglio funcional que serve há uma minoria e ao Estado. A margem dessa minoria existe uma variedade de profissionais da educação excluídos do sistema. Estão na base da pirâmide publica do modelo educacional vigente há duas décadas. Conforme estejam à margem do sistema, todos são alheios as suas demandas e direitos. No âmbito do Estado – Secretaria, Diretorias, Sindicato, Escolas – são denominados por OFA e/ou Eventuais. Do ponto de vista objetivo, embora atuem em sala de aula, situam-se no limbo jurídico institucional, alguma coisa oscilando entre o útil e o estorvo, de acordo com as conveniências deste ou daquele grupo. Tolerado dentro da escola - por todos aqueles que compõem o universo do ambiente escolar -, jamais incorporado, não pode ser colocado no mesmo nível que os “professores.”

Relevante como em todas as instituições, a despeito das regras formais, predominam as informais e/ou veladas que ditam as práticas cotidianas e estabelecem hierarquias, privilégios e status no interior dos espaços de convivência, sejam quais forem. Fui professor – OFA e Eventual - no ensino médio publico em São Paulo nos anos de 1999, 2002 e 2003. Acrescento que aquela época a situação já era das piores. Historicamente a educação nunca foi prioridade no Brasil – Estado, política e sociedade. Embora tenham poucos efeitos práticos, os resultados do ensino médio público brasileiro nos exames de avaliação em comparação com diversos outros países – exame de Pisa 2009 - dizem muito sobre o valor que o Estado e a sociedade dispensam a ela – no item leitura, por exemplo, os nossos estudantes terminaram na 53º entre 65 países! É sintomático que em quase todos os quesitos ocupamos as ultimas posições no ranking dos piores em educação. Fazemos parte ainda do seleto grupo de países com mais de DEZ MILHÕES (14,6 Censo 2010) de analfabetos – ao lado de Etiópia, Nigéria, Índia, China. Estatísticas, indicadores, estudos, políticas e milhões em investimentos a parte, eis os argumentos comum entre todos os envolvidos: “A universalização da escola publica é uma realidade e o numero de analfabetos diminuiu significativamente nas ultimas décadas.” “Nas avaliações internacionais a qualidade do ensino no Brasil vem melhorando gradativamente e espera-se que em 2020 estejamos na media dos países desenvolvidos.” Que se pode inferir desses argumentos, a despeito de tantos planos, políticas, programas, projetos, instituições, especialistas, editais e investimentos? Antes de tudo, a Constituição Cidadã de 1988, que é a lei máxima do país, não estabelece o direito fundamental a educação e as atribuições, competências e responsabilidades sobre ela? A qualidade de um serviço essencial como a educação não é obrigação estabelecida pela mesma Constituição e dever do Estado?

O fato é que as metas mais significativas estabelecidas pelo PNE – 2001/2010 – ficaram escandalosamente longe do seu cumprimento – "quadruplicar a oferta de educação entre jovens e adultos, diminuir a evasão escolar, ERRADICAR O ANALFABETISMO e elevar para 7% do PIB os investimentos em educação." Se ampliarmos, entretanto, as variáveis da analise, como por exemplo, considerando entre os dados qualitativos um recorte racial ou ainda por regiões, sem duvidas que a situação seria considerada hedionda! Melhor não! Aliás, simples, basta que mudem-se os prazos dos mirabolantes "planos nacionais" – 2020, 2030, 2150! Alguém se dispõe a protestar? Para piorar e a despeito do ECA, LDB e PCNs as questões relacionadas a Cidadania e Direitos Humanos são secundárias ou simplesmente ignoradas, na medida em que se diminuem ou excluem as disciplinas da área sócio-histórica. Uma inestimável contribuição do Estado no contexto da democracia, para a combalida educação nacional, digna de todos aqueles que lutaram pela causa da Educação, Direitos Humanos e da Cidadania no Brasil – Bomfim, Anysio, Freire, Graciliano, Florestan, Darcy!

Para finalizar penso pontuar algumas questões pouco abordadas. Nos três anos em que atuei no ensino publico médio – Estado – passei por quatro escolas – todas em SP. Nas três em que fui Eventual conheci o desprezo e a indiferença cotidiana reservadas a esse profissional. Ocorre uma espécie de “bullying” dos professores e funcionários das escolas para com os docentes Eventuais. Essa hostilidade interfere no desempenho do docente Eventual, limitando as suas condições de trabalho e o acesso a atividades, espaços e recursos. Com efeito, atrapalha a sua relação com os alunos, posto que reproduzem esse comportamento verificado no interior do corpo docente, direção, coordenação e demais funcionários – aliás, como criar vínculos com os alunos quando se é eventual? Esse é o cotidiano das escolas publicas no Estado de São Paulo, ignorado pela intelligentsia da educação e os seus mirabolantes e infalíveis planos, métodos, teorias e estratégias. Os OFAs ou Temporários também são pouco prestigiados pelos “professores” e “funcionários” e nem dispõe das mesmas prerrogativas, benefícios, incentivos, direitos, privilégios, afinal, não passa de um agregado - mais ou menos útil ou inconveniente na casa alheia.

Nenhuma estratégia interfere nessa dinâmica cotidiana, por isso, todas estão condenadas inexoravelmente ao fracasso, são incapazes de intervirem para além da superfície dessa estrutura da realidade do ambiente escolar. O problema do fracasso escolar tem muitas facetas. Na verdade, diria que o problema do fracasso da escola no país resulta da má vontade política com a educação. Ela pode ser apreendida pelo baixo nível generalizado – tanto nas discussões para formulação de políticas e diretrizes para educação no âmbito da política e sociedade, quanto nos sistemas de formação do ensino superior publico e privado. Essa constatação pode ser verificada in loco nas escolas e pelos seus resultados pouco ortodoxos nas diversas avaliações, pesquisas e estudos. Grosso modo, de um lado, as discussões no âmbito da política são conduzidas por quem nunca esteve em uma sala de aulas na rede publica ou ela não faz e nunca fez parte da sua rotina – sejam políticos ou “especialistas.” Assim, acaba-se optando por estratégias que antes atendem a exigências institucionais ou formais - objetivos do milênio, por exemplo - e/ou soluções mágicas prontas e mirabolantes, pirotecnias e/ou perfumaria que excluem a sociedade e os envolvidos na questão - professores, funcionários, alunos. Nada mais do que a histórica espetacularização da política - propaganda. De outro, o problema está no encontro que acontece na saída do curso de formação e ingresso no mundo da escola – o primeiro demasiadamente distante da realidade escolar e o outro procedimento meramente burocrático para ingresso de candidatos. Essas constatações aliadas ao histórico desprezo pela educação na nossa sociedade bastam para entendermos esse estado de coisas. Tradicionalmente sociedade e Estado, de braços dados negligenciam a educação fechando o circulo em que reafirmam o seu desapreço ou indiferença por ela. Começando pela legislação precária, ineficaz, insustentável e distante da realidade escolar e da capacidade publica, passando para a formação e seleção ao ingresso no ensino, ela se manifesta de várias maneiras. Pode-se constatá-la tanto pela ausência e insuficiente fiscalização dos cursos de formação, quanto pela sua omissão ou negligencia deliberadas. Alias, quando negligenciam-se os critérios para o ingresso às funções publicas mais primordiais para o funcionamento da sociedade e do Estado, como esperar algum rigor quando se trata de outras e/ou ofícios menos prestigiados, embora não menos importantes? Nessa década de atuação na educação publica, privada e no terceiro setor, apenas em um processo seletivo tive que, além de comprovar meus conhecimentos teóricos por meio de documentos e testes, demonstrá-los através de aulas práticas. Do ponto de vista formal, estabelece-se que a analise de documentos ou atestados por si só comprovam conhecimentos, capacidades ou as competências necessárias para o exercício docente. Nesse procedimento excluem-se compulsoriamente todos os “bacharéis.” Na pratica estabelece-se arbitrariamente, conforme os papéis atestem, que efetivamente uns possuem conhecimentos e outros não e, que aqueles que os possuem também são capazes de coloca-los em prática, dispensando-se convenientemente à sua verificação. Percebe-se que tal procedimento se justifica pela incapacidade de fazê-la aliado a indiferença. Embora não explique ou justifique por si só a falência da educação brasileira na atualidade, diz muito sobre a baixa qualidade dos docentes que ingressam ou se acomodaram ao sistema de ensino, sobretudo na rede pública precária, sucateada, negligente e omissa por vocação e empenho estatal.
Nessa década de atuação, conheci diversos educadores sociais de várias formações, sobretudo, pedagogos, assistentes sociais, psicólogos, no terceiro setor e iniciativa privada, que pouco ou nada sabiam sobre história brasileira e menos ainda sobre conceitos ou teorias relacionadas a política. Nesse nível de humanidades e humanismo, como é possível falar sobre formação para a democracia, cidadania, direitos, sustentabilidade, sociedade ou até o mercado de trabalho, a despeito do que estabelecem os PCNs? Emblemático foi o caso dos “educadores sociais” - pedagogos licenciados – de uma ONG que trabalhei que não sabiam do que se tratava o “feriado” de Nove de Julho. As psicólogas e assistentes sociais do presídio que trabalhei também não, embora conduzissem “oficinas de cidadania” para os reeducandos entre uma “dinâmica” e outra em que imitavam provas do “Big Brother” – as psicólogas também ignoravam Reich e Fromm. Conheci pedagogos que desconheciam Emília Ferreiro, Sniders, Dewey e Freinet. Uma estudante de letras que nunca havia ouvido falar em Borges e jamais lido Lima Barreto. No SESI havia um historiador que pensava que Prestes “o velho” e o Prestes político tradicional e aristocrata paulistano fossem a mesma pessoa. Em apenas uma das escolas publicas que atuei tinha biblioteca e bibliotecário - eu atuei em 4. Em outra havia uma sala trancada com livros, como a sala de informática – nada mais que depósitos de livros e computadores. Ambas as chaves ficavam no molho da “carcereira”, digo, inspetora de alunos. Conforme não tivesse bibliotecário e nem instrutor de informática o acesso a elas era deliberadamente negado – essa era a justificativa da “proprietária”, digo, diretora. Havia uma espécie de prazer mal disfarçado nessa negação – tipo de sadismo recalcado. Entre os funcionários subalternos da escola, proibir ou controlar o acesso a determinados lugares era uma forma de expressar algum poder, assim a quantidade de chaves no molho simbolizava o tamanho do poder, talvez uma especie de autoafirmação diante da sua manifesta insignificância naquele ambiente de apatia generalizada. Havia os que controlavam o acesso a determinadas salas, os que controlavam os registros, os que controlavam os materiais do almoxarifado – giz, apagadores, canetas, etc -, estafetas de todo tipo e esboços de burocratas medíocres indiferentes e alheios a educação por ignorância e/ou comodismo. Resignados, seguem dispostos a impedir, constranger, limitar, abortar, procrastinar e sabotar. Embora a educação seja regida pela Constituição Federal, pela LDB e pelo ECA, apenas conhecem e fazem conhecer o artigo 331º do Código Penal. Essa é a realidade cotidiana que os “especialistas” e políticos ignoram que não se encaixa nas teorias e/ou projetos, tampouco podem ser resolvidos por meios legais e autoritários. Nada além de papel e, conforme Faoro já dizia há pouco mais de 50 anos, no Brasil elas fazem “o caminho inverso”, “do papel para a realidade”, até hoje.

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