terça-feira, 6 de setembro de 2011

Desencanto


 Dizem que a cocaína é uma droga egoísta. O crack é mais, muito mais. São raras as minhas experiências egoístas com o pó. No caso do pó, o egoísmo consistia em “engordar” um pouco mais a própria carreira que a do parceiro ou dar uma “bicada” no papelote do outro. Cheirando só me lembro apenas de duas ocasiões. O crack já te alucina de tal maneira que você se aliena do mundo e torna-se incapaz de compartilhar as ideias, as palavras. Sempre cheirava acompanhado, fumar mesclado eu só fumava sozinho. Cheirando eu ouvia um som, bebia, fumava, conversava e ria. Impossível isso com o crack.  

Em1996, final de ano, meu irmão trabalhava em um shopping em Sampa. Precisavam instalar a decoração de Natal nos pisos. Meu irmão se dispôs a fazer isso e disse que arranjava uns caras pra ajudar mediante uma quantia que eu não me lembro. Enfim, fui eu, ele e mais dois camaradas do bairro. Todos doidos e amigos de infância. Conforme as lojas estivessem fechadas das 22 às 10H, tínhamos até as 06H para instalar os enfeites nos pisos. No dia combinado, resolvemos levar um aditivo para estimular o trabalho, porque nem só de cafeína vive o peão! Assim, passamos na casa de um traficante famoso do bairro do qual já éramos fregueses. Por esse motivo chegamos sem avisar e, por esse mesmo motivo, conforme estivesse ainda para preparar os papelotes, resolveu nos servir da pedra bruta. Moral da historia: levamos umas 7 gramas por 50 reais. Muito pó! Um pó do bom, amarelo – igual esse só vi no RJ.

Chegamos, compramos lanches, bolachas – um pacote de água e sal -, latas de cerveja e refrigerantes. Subimos para a copa e fizemos um café. Não encontramos nem um prato de vidro naquela copa. O fogão tinha um tampo de vidro. Abaixamos ele e acendemos uma boca. Esquentamos aquele pedaço do tampo de vidro, tiramos uma lasca da rocha e jogamos em cima. Amassamos com uma colher e raspamos com um cartão telefônico. Impressionante o quanto conseguimos multiplicar aquele pó. Deu pra fazer uma carreira enorme pra cada um. Um dos caras que estava conosco estava meio mal, então ele amassava mais a dele, cheirava a metade e a outra ainda dava pra tirar mais uma carreira pra cada. Combinamos que de hora em hora subiríamos para fazer isso. O procedimento era esse: descer, instalar e ao final de uma hora subir pra cheirar. Após a primeira carreira, tiramos uma partida de palitinho pra decidir quem iria trabalhar a próxima e estabelecemos essa regra até o final. Quem perdia tinha que comer uma bolacha água e sal pura e a seco! 

Conforme fosse bom no jogo, quase sempre era eu quem trabalhava e, lógico, caprichava mais na minha carreira para indignação dos demais – regra é regra! Um dos nossos camaradas comeu quase o pacote todo sozinho – quem já usou cocaína sabe o quão difícil é comer sob efeito. Hoje percebo que foi aí que tomei gosto por trabalhar o pó, coisa que exige certa técnica, capricho e disposição. Coisa que eu transformava quase em um ritual. Amassava, raspava, batia, esticava, cheirava.


Quem nunca usou drogas assim impressiona-se, mas, o que mais eu me recordo era do clima de amizade que imperava entre nós. Da camaradagem, tanto na hora de usar a droga quanto no esforço do trabalho. Dos risos e das piadas na hora de compartilhar a droga e as situações de trabalho. Da gozação em cima de quem ganhava ou perdia, de quem viajava num som ou em nada. De quem cansava primeiro ou quem subia mais rápido nos andaimes. Das besteiras que falávamos uns para os outros. Ao final terminamos o trabalho e ainda sobrou pó para todo mundo levar pra casa. Eu fiquei contrariado porque queria cheirar tudo lá, embora estivesse amanhecendo e começasse a ficar perigoso – estava sem noção e precisei tomar uma dura. Não percebia que estava perdendo o controle. Pouco tempo depois, por outros motivos, perdi-o de uma vez.  Dos caras todos pararam de usar - inclusive eu. Um deles encontrei ano passado – 2010 - e estava saindo do fundo do poço - igual eu. Estava recuperando a vida e a família, freqüentando o N.A. O outro casou, separou, reatou o casamento, tem 4 filhos e trabalhava com transporte da ultima vez que o vi - 2010. Vive na “função”, fumando seu baseado, não cheira mais e nem se envolve com nada. Eu perdi tudo, fiz mil coisas – certas e erradas, boas e ruins -, estou vivo e isso basta pra recomeçar. Meu irmão vacilou um pouco no pó, mas, nada que comprometesse trabalho e família - continua maconheiro tanto quanto antes. Aprendi muito, por isso não julgo e nem subestimo ninguém. Só sei que como tudo na vida no fim acaba o encanto.      

2 comentários:

  1. Um cara engajado em políticas públicas como você, me espanta em declarar em um blog de forma bem simplória essa trajetória com o pó. Meu irmão faleceu usando cocaína. Seu relato me parece vaidoso quando diz que sobreviveu a tudo isso. Um intelectual junkie, se me permite, vangloriando-se de atitudes nada sociais. Pelo relato de textos anteriores, você tem uma filha e ela lerá isso um dia. Isso é legal? Qual inteligência é essa meu caro que você defende? Darcy era bem diferente e muito melhor do que essa amostra grátis de "porra, como eu sobrevivi" relatada aqui.

    ResponderExcluir
  2. Vou sair em sua defesa sem nem te conhecer pessoalmente??? Caramba...e quem é que sai em defesa de adicto???? A proposito, voce quer ser defendido? Com licença, mesmo assim vou defender. Primeiro nao acho que seu texto tenha sido sobre sua trajetoria com o pó e sim sobre um episodio prazeroso de uso e sua percepçao sobre SEUS comportamentos quando em uso de pó( ilustrado por esse episodio) comparativamente ao SEUS comportamentos quando em uso do crack. Segundo, nao achei nenhuma referencia nesse texto de que voce se ache o maximo por ter sobrevivido, embora ache que voce deva sim se orgulhar muito de ter saído vivo dessa. Terceiro, o que sao atitudes anti sociais? O que é um sujeito mau carater? O que é um homem de bem? Que tipo de ideia os filhos devem ter a respeito de seus pais? Particularmente...nao quero que meus filhos achem que nao sou feita de carne e osso, que nao tenho desejos, que nao sinto odio,que nao fracasso, que nao sinto medo, que nao sei o que é prazeroso e que pensem que por isso talvez seja muito facil pra mim optar por nao usar drogas. Isso me afastaria muito de meus filhos, me tornaria menos humana do que eles o que fatalmente impossibilitaria o dialogo tao necessario para que se evite que os filhos se tornem dependentes de drogas. Continue dizendo a verdade para seu publico e para sua filha. A verdade transforma.

    ResponderExcluir