sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Movimentos Urbanos


Quando era punk frequentava o Barzil no Largo da Matriz na Freguesia do Ó. O Barzil era o reduto Punk e Banger da ZN, no inicio dos anos 90. O local era um casarão do inicio do século XX e as bandas se apresentavam em um porão insalubre. Nessa época a galera era eu, meu irmão, Negão, Alex, Rodrigo, Pardal, Gringo, Duque, Trator, Buldogue. Havia outros caras que não me lembro, uns skins e uns punks das antigas. Uma vez estávamos lá e o Buldogue nos chamou para uma festa em um bar na Praça da Arvore. Fomos. Chegando lá, só carecas na festa e poucos punks antigos. Eu nunca fui muito de visual escandaloso, o mais era o Gringo – moicano, roupas militares, coturnos invocados. Na verdade, nessa época, não era qualquer um que usava um moicano, como hoje usam até pagodeiros e funkeiros. Para se usar um moicano era preciso ter atitude e historia no movimento punk, como usar cadarço branco no coturno. Enfim, era um símbolo de status que dizia muito a seu respeito e era reservado para poucos veteranos e sobreviventes. Nessa época, até camiseta de banda podia causar problemas – eu mesmo tomei algumas e rasguei outras.

Logo que chegamos percebemos o clima pesado, tenso, sinistro. O Jason estava lá. Ele era o mais famoso skinhead da época, um dos mais violentos. O Buldogue estava em casa, conhecia todo mundo e logo sumiu. O Negão ficou desbaratinado e entrou na casa. Eu fiquei atento pela porta. Logo começamos a "sacar" a movimentação dos caras. Logo vimos dois caras subindo a rua com o Gringo, um de cada lado – um deles era um tal de Jão e o outro era o Nazista. Em minutos eles descem arrastando ele descalço e sem camisa – tomaram-lhe a camisa e o coturno. Param com ele meio desacordado na frente do Jason. O cara diz qualquer coisa e desfere um soco no olho dele deixando-o estatelado no asfalto. Ele cai feito uma porta, alguns metros para trás. O som do soco é seco e o golpe também. Logo algumas garotas e mais uns caras vão até ele. Eu saio abrindo caminho para passarem. Levamos ele até o banheiro e lavamos o rosto dele. Tem um corte profundo no supercílio e muitos hematomas. Não diz coisa com coisa, oscila, parece semi-consciente. A tensão é tão grande que ficamos incapazes de olhar a nossa volta ou encarar e questionar as pessoas, apenas percebemos a movimentação e ouvimos rumores sobre o que aconteceu ou ainda poderia acontecer. O Buldogue conversa aqui e ali, dá explicações, faz questionamentos, parece coisa de uma treta antiga do Gringo, consegue um carro e decide levá-lo ao Hospital na Santa Cruz. No momento de colocá-lo no porta malas ele diz para nós esperarmos no local que iria levá-lo e voltaria. Antes mesmo de colocar o Gringo no porta malas o Negão já está lá dentro e, imediatamente entramos todos também – eu, meu irmão e o Duque. Não seriamos loucos depois do que vimos de ficarmos lá esperando! Passamos a noite no hospital esperando ele recuperar-se e sair da observação. Nunca mais voltamos lá. Vi esse Jason depois em um bar na lapa, no show dos Garotos Podres no extinto Garage e em um bar na Augusta. Desde 94 não vejo o Gringo e isso aconteceu um ano antes. 
O punk me levou a questionar a autoridade, o sistema capitalista, a ordem burguesa. Me levou, sobretudo, pela musica, a pensar e a me posicionar politicamente. Levou-me a outros movimentos sociais e políticos e a buscar subsídios históricos e teóricos. O punk me colocou diante da violência das gangues urbanas. Antes eu já as conhecia por causa do pixo, mas, o punk é que foi capaz de canalizar e dirigir esse ímpeto juvenil para outras questões sociais e políticas que exigiam a capacidade de se revoltar e resistir. Porque a revolta é imprescindível para a juventude e a transformação tanto da sociedade quanto do individuo. E no capitalismo rebelar-se é justo e resistir necessário. 

Um comentário:

  1. a revolta é a única essência construtiva do homem. ela tem movimento, é a verve da ação.

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