Quando era punk frequentava o Barzil no Largo da Matriz na
Freguesia do Ó. O Barzil era o reduto Punk e Banger da ZN, no inicio dos anos
90. O local era um casarão do inicio do século XX e as bandas se apresentavam
em um porão insalubre. Nessa época a galera era eu, meu irmão, Negão, Alex, Rodrigo,
Pardal, Gringo, Duque, Trator, Buldogue. Havia outros caras que não me lembro,
uns skins e uns punks das antigas. Uma vez estávamos lá e o Buldogue nos chamou
para uma festa em um bar na Praça da Arvore. Fomos. Chegando lá, só carecas na
festa e poucos punks antigos. Eu nunca fui muito de visual escandaloso, o mais
era o Gringo – moicano, roupas militares, coturnos invocados. Na verdade, nessa
época, não era qualquer um que usava um moicano, como hoje usam até pagodeiros
e funkeiros. Para se usar um moicano era preciso ter atitude e historia no
movimento punk, como usar cadarço branco no coturno. Enfim, era um símbolo de
status que dizia muito a seu respeito e era reservado para poucos veteranos e
sobreviventes. Nessa época, até camiseta de banda podia causar problemas – eu mesmo
tomei algumas e rasguei outras.
Logo que chegamos percebemos o clima pesado, tenso, sinistro. O
Jason estava lá. Ele era o mais famoso skinhead da época, um dos mais violentos. O
Buldogue estava em casa, conhecia todo mundo e logo sumiu. O Negão ficou
desbaratinado e entrou na casa. Eu fiquei atento pela porta. Logo começamos a "sacar" a movimentação dos caras. Logo vimos dois caras subindo a rua com o Gringo,
um de cada lado – um deles era um tal de Jão e o outro era o Nazista. Em
minutos eles descem arrastando ele descalço e sem camisa – tomaram-lhe a
camisa e o coturno. Param com ele meio desacordado na frente do Jason. O cara
diz qualquer coisa e desfere um soco no olho dele deixando-o estatelado no asfalto.
Ele cai feito uma porta, alguns metros para trás. O som do soco é seco e o
golpe também. Logo algumas garotas e mais uns caras vão até ele. Eu saio
abrindo caminho para passarem. Levamos ele até o banheiro e lavamos o rosto
dele. Tem um corte profundo no supercílio e muitos hematomas. Não diz coisa com
coisa, oscila, parece semi-consciente. A tensão é tão grande que ficamos
incapazes de olhar a nossa volta ou encarar e questionar as pessoas, apenas
percebemos a movimentação e ouvimos rumores sobre o que aconteceu ou ainda
poderia acontecer. O Buldogue conversa aqui e ali, dá explicações, faz
questionamentos, parece coisa de uma treta antiga do Gringo, consegue um carro
e decide levá-lo ao Hospital na Santa Cruz. No momento de colocá-lo no porta
malas ele diz para nós esperarmos no local que iria levá-lo e voltaria. Antes
mesmo de colocar o Gringo no porta malas o Negão já está lá dentro e, imediatamente
entramos todos também – eu, meu irmão e o Duque. Não seriamos loucos depois do
que vimos de ficarmos lá esperando! Passamos a noite no hospital esperando ele
recuperar-se e sair da observação. Nunca mais voltamos lá. Vi esse Jason depois
em um bar na lapa, no show dos Garotos Podres no extinto Garage e em um bar na Augusta. Desde 94 não vejo o Gringo e isso aconteceu um ano antes.
O punk me levou a questionar a autoridade, o sistema
capitalista, a ordem burguesa. Me levou, sobretudo, pela musica, a pensar e a
me posicionar politicamente. Levou-me a outros movimentos sociais e políticos e
a buscar subsídios históricos e teóricos. O punk me colocou diante da violência
das gangues urbanas. Antes eu já as conhecia por causa do pixo, mas, o punk é
que foi capaz de canalizar e dirigir esse ímpeto juvenil para outras questões sociais
e políticas que exigiam a capacidade de se revoltar e resistir. Porque a revolta é imprescindível para a
juventude e a transformação tanto da
sociedade quanto do individuo. E no capitalismo rebelar-se é justo e resistir necessário.
a revolta é a única essência construtiva do homem. ela tem movimento, é a verve da ação.
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