quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Impressões


Aquele ano foi emblemático. Particularmente foi importante porque era aquele em que o homem começa a envelhecer. Lembrava-se da advertência de Camus na “A Peste.” Foi em um dia de março que ele a encontrou. O calor, demasiado era o calor. Insuportável. Ele pensava em como é possível pensar, respirar, viver naquela espécie de fornalha? Tanto era o calor que só restava o silêncio e a lassidão. Aí ela apareceu.
Os homens receiam a mudança, mas não escapam a tragédia. Celebram a não-mudança e quase sempre orgulham-se do próprio medo e da ignorância. Da sua parte era natural ignorar tudo - naquele momento menos o calor. Por que tanto calor? Por que tanto medo? Por que tanta indiferença? Por que tanta ignorância? Perguntas tolas e indolentes para espíritos inquietos; acentuadas pelo desconforto ocasionado pelo calor.
Quando ele a viu, no entanto, abriu as portas e as janelas e a luz entrou e o ofuscou. Mas não é possível escapar a tragédia, ainda que se aceite de bom grado a mudança, venha como vier e de onde vier. O calor, a luz, o torpor. Ele podia ver, ouvir, sentir, mas estava fustigado. Renomada tolice tergiversar sobre os significados e os sentidos, enxergar ou escutar. Que diferença faz quando se tem consciência das misérias, tragédias e da finitude? Frivolidades para presunçosos.
O sol queimava e sufocava. Ela brilhava e pairava sobre as misérias e o flagelo. Um sopro de vida, alívio, uma brisa para os olhos. Aquela era uma ocasião solene. Nem tanto para ele. Estivera envolvido em tantas outras antes. Não que fosse importante, não é e nem pretende ser. Deus sabe o quanto ignora isso e se esforço para tanto! De fato, naquele momento apenas inquietava-se por saber como se pode viver dentro de um caldeirão fervendo! Interessava-se mais pelos decotes, pelas roupas curtas e coladas, pelo suor, pela tatuagem e o anel no dedo do pé da moça, pelos cabelos tingidos, pelos piercings diversos e os olhares curiosos e maliciosos.
Ela se vestia com charme e discrição. Todas pareciam vulgares perto dela. Nunca pode ficar mais do que dois minutos diante de um espelho, por nada nem ninguém, por isso não consegue entender esse excesso de zelo. Apesar do calor, fumava, tossia e tentava se concentrar na fumaça do cigarro que o distraía. O suor escorria pela cabeça e irritava. Via e pensava nos insetos e nas crianças seminuas. Nas moças e mulheres seminuas.
Os olhares se cruzaram e o calor ficou mais ameno. Tudo a sua volta resplandeceu. Como podia ser um homem tão abençoado e idiota?! Todos os homens devem ser abençoados e idiotas cada qual a sua maneira e medida. Apenas um arrebatamento. Nada mais que um momento para perceber e se ausentar. Desapareceu, silenciou. O mundo estava todo à sua volta e não o percebes?!
Os pássaros, os insetos, as vozes e todos os sons, as sensações, quanta coisa pode ser o mundo em tão pouco espaço e tempo! Todos celebravam os seus sonhos, esperanças e ilusões. Ele também os tem, embora desde que compreende um pouco de si, do mundo e dos homens os tem cada vez menos.
Lá estava ele por causa de política. Aquilo que transforma-nos e a sociedade. O Leviatã agindo sobre a sociedade e o individuo. A Esfinge indecifrável que nos devora. Tudo que é do homem é politica, porem, ele é mais – o homem é o animal político! A sua fala foi direta como deve ser. Foi saudado por isso. É um homem publico - sem vínculos partidários e interesses eleitoreiros – antes, porem, sabe-se apenas homem. Por isso fala apenas assim. Entende-os todos e, assim, sabe aquilo que é, pode e deve ser cada um deles – o homem publico e o homem de partido. Não omite os limites e as diferenças, ao contrario, acentua-os.  Sabe que maior de todos e o mais complexo é apenas o homem. Por isso admira-o e o respeita acima de todos.
Ela estava lá, o viu e ouviu-o. Ela não o questionou com palavras. Ela enxergou além do homem publico e da política. Porem, ninguém é capaz de ver tudo... . Há tempos ele já não tinha tanta clareza sobre tudo, nem ilusões, mais ainda naquele dia. Suas esperanças se reservavam as pessoas, apenas aos homens simples com os seus sonhos e desejos, muito maiores e mais complexos que os interesses, exigências e veleidades do poder.   
O calor consumia-os e com eles aquilo que foram. Tudo o que existia neles. Os sonhos e as sensações, os sentidos e tudo mais se desvaneciam e esvaíam com ele.  Apenas podiam ser criaturas viventes que habitavam debaixo do céu. Indiferentes para ele como somos uns aos outros. Tudo isso se passou em pouco mais de duas horas. E o tempo e tudo que experimentamos nele são falsos, superiores aos nossos juízos, sentidos e certezas. E o homem deve ser o caos cujo impulso é uma compulsão pela ordem.  O fato é que o calor e ela o entorpeceram e ele pode apenas experimentar aqueles momentos e, talvez, por isso, tenha vivido mais e apreendido sobre tudo o que pensava saber e conhecer antes. E o dia se foi junto com tudo o que ficara para trás e ele sempre ressurge após o crepúsculo

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