Gonzaguinha, Pq. Bitaru, México 70, Japuí, Prainha, Zé Menino, São Bento, Monte Serrat, CDHU – Aparecida, Centro, Grotão, Água Fria, Cota 200. Esses são os nomes de bairros nas cidades de São Vicente, Santos e Cubatão em que conheci o tráfico. Quando vivia em São Paulo estava restrito ao Piquerí e muito bem servido em matéria de drogas. Eventualmente saía dali e pegava alguma coisa em outro local – em ocasiões específicas, caso de alguma festa ou balada. Estive apenas uma vez na cracolândia e gastei 20 reais – muito lixo, muita gente, muita movimentação. Por mais incrível que possa parecer, droga para mim sempre esteve associada a sossego. Sempre foi mais uma coisa minha comigo mesmo, uma relação mais intimista. Assim, sempre usava em casa – de preferencia sozinho – ou então em algum lugar bem isolado, afastado de pessoas e agitação. No Piquerí era sempre no alto da pedra, no muro ou na ferrovia.
Quando fui pra baixada santista demorei a conhecer
o tráfico, afinal, não tinha sequer amigos por lá
– após seis anos ainda hoje não tenho. No entanto
quando me dispus a conhecê-lo foi muito rápido. Cada
região tem as suas peculiaridades e a baixada é,
digamos assim, o paraíso do inferno. A primeira “biqueira”
que conheci foi a do morro do Zé Menino. Alias, conheço
três naquele morro, mas devem existir mais. Costumava
frequentar a da escadaria ao lado da linha férrea, quase na
divisa com São Vicente. A primeira vez que fui lá
estava acompanhado por um cara que conheci na praia. A segunda
vez fui de dia, sozinho e cheguei no moleque parado na escada e
perguntei “quem estava na função.” Ele me perguntou
o que eu queria e eu disse. Ele foi até uma moita e veio com
elas. Paguei e avisei-o sobre uns nóias atravessando na
ferrovia e perguntei até que horas funcionava o movimento. Ele
agradeceu o aviso e disse que era 24 horas. Nunca mais precisei de
companhia pra pegar droga lá. Com o tempo conheci a biqueira
do “miolo” – do outro lado do morro -, a da laje e a da bica.
Diferentemente do Piquerí, o trafico no morro envolve muitas
pessoas e é mais equipado – o movimento também é
muitas vezes maior. É fácil identificar as funções
de cada um – olheiro, vapor, contenção e gerente.
Nessas minhas subidas e descidas já vi FAL, AK, G3, 12, 38 e
pistolas de vários calibres. Ainda assim ninguém nunca
me enquadrou ou deixou de me servir. É bom que se diga,
polícia vi apenas uma vez.
Se existe um paraíso no inferno – que é
o mundo do vício - a praia do Gonzaguinha em São
Vicente é ele. Em uma faixa de 500 m., aproximadamente, deve
haver umas sete ou oito biqueiras, dependendo do dia da semana e do
horário. Tem na praia e em quase todos os quiosques até
a Biquinha. Alias, é mais fácil contar os quiosques que
não tem tráfico – um ou dois talvez. Tem de tudo,
crack e maconha de cinco e pó de dez. É tanta droga que
uma vez caminhando pelo deck beirando a areia encontrei 4 pedras de
uma só vez. Os caras escondem tanta droga debaixo desse deck e
o movimento é tão grande que basta uma caminhada mais
atenta por ali para encontrar alguma droga. É tão
escandaloso que é impossível acreditar que a polícia, comerciantes e a comunidade não sejam coniventes com ele. Quando pegava ali
ou no Japuí e, logo que me mudei pra lá, costumava ir
usar nas ruínas do “Porto das Naus.” Dizem que nesse local é
que os portugueses aportaram para começar a colonização
e lá iniciaram a obra de fundação da vila de São
Vicente em 1532. Hoje é um local abandonado pelos poderes
públicos, embora seja um sitio arqueológico de imenso
valor histórico, cultural, natural e grande potencial
turístico. Não passa de uma faixa de areia e pedras de
50 m., tomada por lixo, infestada de ratos e frequentada por
moradores de rua, alguns usuários de drogas e pescadores. O
acesso é escondido, mas, é fácil. Assim, quando
ia lá ficava usando pelo tempo que fosse, sossegado, curtindo
a paisagem e a brisa do mar, pensando que não deve ser por
acaso que no Brasil o berço do descobrimento tornou-se um
lugar abandonado e decadente. De um lado estava de frente pro mar e
de outro de costas pra essas ruínas e a pista que leva a cidade de
Praia Grande. Agora enquanto escrevo sinto uma nostalgia estranha,
penso no tempo que perdi lá e nas pessoas que enganei para
estar ali. Penso em tudo que perdi – vergonha, auto-estima, tempo,
razão, dinheiro, saúde, etc – e sinto muita raiva. A
nostalgia talvez seja apenas em relação à brisa
do mar e a paisagem, contudo, sei que mais cedo ou mais tarde a
vontade de usar vai voltar, sobretudo, porque nosso cérebro
passa a associar certos locais e pessoas à droga. Portanto,
quem não quer encontrar com o demônio deve evitar os
seus caminhos.
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