terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Crack: é possível vencer?


O ano de 2012 será marcado como o ano em que os poderes públicos – governo federal, estadual e municipal (SP) - implantaram e implementaram políticas para o enfrentamento do crack. Um olhar pouco mais atento nos permite perceber por trás das boas intenções e do discurso politicamente correto a lógica estatal no que diz respeito às políticas para o tratamento de drogas. Em todos os “planos”, “projetos”, “programas” e “propostas” dessas “políticas” é comum encontrarmos as palavras “enfrentamento” e “combate”, “campanha”, típicas do repertório repressivo/autoritário.

As ações do governo do estado de São Paulo e da prefeitura no lugar conhecido como Cracolândia caracterizaram-se pela primazia do aparato policial no “enfrentamento” e “combate” – literalmente – contra o crack, no caso, os dependentes químicos. Tropa de Choque, cães, bombas de gás lacrimogênio e efeito moral, balas de borracha, cassetetes, escudos, spray de pimenta, algemas, socos e pontapés, tudo para “tratar” os drogadictos!

A ação do governo federal, embora tenha sido menos polêmica, não foi menos ostensiva. Nesta mesma semana lançou com forte apelo midiático e marqueteiro a campanha: “Crack é possível vencer!” Nada faltou no cerimonial – do chefe do executivo a diversos ministros, passando por autoridades governamentais de todas as esferas e parlamentares, setores da sociedade civil organizada e especialistas diversos. Com efeito, o aparato que tal lançamento mobilizou – em termos de recursos humanos e materiais - demonstra menos a competência e compromisso publico com a questão do que o interesse eleitoreiro e a sua capacidade de transformar a política em propaganda e espetáculo! Desde a peça publicitária – “Crack: é possível vencer!” -, até o cerimonial, aparato midiático e político, passando pelo volume de recursos denunciam a baixeza e a leviandade com que tal questão é tratada. Mais uma campanha, mais uma jogada de marketing – tudo se reduz a propaganda, esvaziando-se o debate político e a conscientização.

De um lado, do ponto de vista objetivo, percebe-se que se trata apenas disso: propaganda, interesses eleitorais e mobilização de recursos, muitos recursos públicos! De outro, “mais do mesmo”, ou seja: mais CAPS-AD, clínicas, leitos, assistência social, campanhas publicitárias – a linguagem da propaganda, conforme opera na esfera do subconsciente e inconsciente e, seja da ordem do discurso comercial é incompatível com a reflexão e a conscientização. A despeito da boa vontade e intenções de alguns servidores, estagiários e voluntários, CAPS-AD são lugares em se propõem - via de regra, sem infraestrutura, conhecimento teórico ou empírico e planejamento - tratar a questão da dependência química. Na mesma proporção em que sobram voluntarismo e boas intenções carece falta compromisso político, dialogo e empatia, articulação institucional, acompanhamento e infraestrutura. Todavia nem sempre é assim, algumas vezes ainda prevalecem à má vontade, a falta de sensibilidade, o preconceito, o autoritarismo e a incompetência de todos os que se prestam a essa tarefa.

Conheço o crack desde 1996. Conheço usuários de crack e experimentei-o nessa época. Fiz uso continuo de 2004 até esse ano. Em 2009 e 10 tive a oportunidade de conhecer os CAPS-AD e N.A’s. Os primeiros, como quase todos os equipamentos públicos, carecem de infraestrutura mínima e quadros técnicos qualificados e motivados – é notório o numero de aprendizes e estagiários realizando atendimentos e tarefas que deveriam ser realizadas por profissionais. Os segundos consistem em locais igualmente sem infraestrutura e administrado por voluntários, sustentado pelas famílias e/ou pelos próprios atendidos e donativos. Grosso modo, segue a mesma técnica do A.A. – terapias de grupo com caráter acentuadamente religioso. Ambos caracterizam-se por serem espaços de atendimento abertos ao publico. Em geral, o problema, como na escola publica, por exemplo, esta na saída. Nesses locais dispensa-se toda a atenção a entrada - acolhimento - do “paciente” omitindo-se com relação à saída. Percebe-se, grosso modo, que se coloca toda a responsabilidade pelo tratamento no usuário – ele é que deve procurar o tratamento e, ao final, é ele quem se dá alta. As portas estão abertas para a entrada tanto quanto para a saída. O controle - registro - acontece apenas na entrada, não na saída. Isso atende as exigências das estatísticas de "atendimento" - tratamento e outra coisa! Entra quando quer, sai a hora que quiser.

No tratamento, de um modo geral, o usuário não passa de um paciente mesmo, na medida em que em ambos os casos - atendimento e tratamento – trata-se de um exercício de paciência, porque a sua participação no decorrer do processo é restrita e limitada àquilo que esta determinado pelas instituições - não espaço pra dialogo. Em todos que passei e visitei saí sem nenhum controle ou acompanhamento, posto que se registre apenas a entrada do usuário. Em todos eles, tanto o tratamento clinico – medicação – quanto o terapêutico fui eu mesmo quem me dispensei de ambos, sem qualquer questionamento, avaliação ou acompanhamento! Conheci-os em São Paulo, Sorocaba e São Vicente. Ou seja, como é possível avaliar tal tratamento se é o próprio usuário ou paciente que se dispensa? Embora se multipliquem os atendimentos – o que por sua vez atesta o avanço avassalador do crack nas cidades brasileiras -, o numero de tratamentos (recuperados) e, assim, a eficácia das técnicas permanecem uma incógnita! Finalizando, as clinicas que conheci variam conforme o perfil da clientela, oscilando entre “spas” para as elites/classes médias e “campos de concentração” ou sanatórios – de caráter religioso ou punitivo – para os pobres. Ao final de quase vinte anos e a despeito do avanço do crack na sociedade, das tragédias pessoais, dos custos sociais, da responsabilidade publica e do imenso volume de recursos e apelo midiático das campanhas publicas, é assim – com “mais do mesmo” - que os poderes públicos esperam tratar essa questão. A velha formula da internação compulsória - profilaxia social - que vitimava os mendigos, doentes, bestializados e alcoólatras no inicio do século, tirando-os do convívio social dos "bons burgueses" daquela época, conforme relatava Lima Barreto - ele próprio uma vitima. No Brasil demagogia, cinismo e hipocrisia, além é claro, de “boas intenções” é que pavimentam o caminho do inferno. De fato, quando as políticas públicas gestadas nos departamentos de marketing - SECOM - não é possível vencer, nem convencer.....




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