O ano de 2012 será marcado como o ano
em que os poderes públicos – governo federal, estadual e municipal (SP) -
implantaram e implementaram políticas para o enfrentamento do crack. Um olhar
pouco mais atento nos permite perceber por trás das boas intenções e do
discurso politicamente correto a lógica estatal no que diz respeito às
políticas para o tratamento de drogas. Em todos os “planos”, “projetos”,
“programas” e “propostas” dessas “políticas” é comum encontrarmos as palavras
“enfrentamento” e “combate”, “campanha”, típicas do repertório repressivo/autoritário.
As ações do governo do estado de São
Paulo e da prefeitura no lugar conhecido como Cracolândia caracterizaram-se
pela primazia do aparato policial no “enfrentamento” e “combate” – literalmente
– contra o crack, no caso, os dependentes químicos. Tropa de Choque, cães,
bombas de gás lacrimogênio e efeito moral, balas de borracha, cassetetes,
escudos, spray de pimenta, algemas, socos e pontapés, tudo para “tratar” os
drogadictos!
A ação do governo federal, embora
tenha sido menos polêmica, não foi menos ostensiva. Nesta mesma semana lançou
com forte apelo midiático e marqueteiro a campanha: “Crack é possível vencer!”
Nada faltou no cerimonial – do chefe do executivo a diversos ministros,
passando por autoridades governamentais de todas as esferas e parlamentares,
setores da sociedade civil organizada e especialistas diversos. Com efeito, o
aparato que tal lançamento mobilizou – em termos de recursos humanos e
materiais - demonstra menos a competência e compromisso publico com a questão
do que o interesse eleitoreiro e a sua capacidade de transformar a política em
propaganda e espetáculo! Desde a peça publicitária – “Crack: é possível
vencer!” -, até o cerimonial, aparato midiático e político, passando pelo
volume de recursos denunciam a baixeza e a leviandade com que tal questão é
tratada. Mais uma campanha, mais uma jogada de marketing – tudo se reduz a
propaganda, esvaziando-se o debate político e a conscientização.
De um lado, do ponto de vista
objetivo, percebe-se que se trata apenas disso: propaganda, interesses
eleitorais e mobilização de recursos, muitos recursos públicos! De outro, “mais
do mesmo”, ou seja: mais CAPS-AD, clínicas, leitos, assistência social,
campanhas publicitárias – a linguagem da propaganda, conforme opera na esfera
do subconsciente e inconsciente e, seja da ordem do discurso comercial é
incompatível com a reflexão e a conscientização. A despeito da boa vontade e
intenções de alguns servidores, estagiários e voluntários, CAPS-AD são lugares
em se propõem - via de regra, sem infraestrutura, conhecimento teórico ou empírico
e planejamento - tratar a questão da dependência química. Na mesma proporção em
que sobram voluntarismo e boas intenções carece falta compromisso político, dialogo e empatia, articulação institucional, acompanhamento e infraestrutura. Todavia
nem sempre é assim, algumas vezes ainda prevalecem à má vontade, a falta de
sensibilidade, o preconceito, o autoritarismo e a incompetência de todos os que
se prestam a essa tarefa.
Conheço o crack desde 1996. Conheço
usuários de crack e experimentei-o nessa época. Fiz uso continuo de 2004 até esse ano. Em 2009 e 10 tive a oportunidade de conhecer os CAPS-AD e N.A’s. Os
primeiros, como quase todos os equipamentos públicos, carecem de infraestrutura
mínima e quadros técnicos qualificados e motivados – é notório o numero de
aprendizes e estagiários realizando atendimentos e tarefas que deveriam ser
realizadas por profissionais. Os segundos consistem em locais igualmente sem
infraestrutura e administrado por voluntários, sustentado pelas famílias e/ou
pelos próprios atendidos e donativos. Grosso modo, segue a mesma técnica do
A.A. – terapias de grupo com caráter acentuadamente religioso. Ambos
caracterizam-se por serem espaços de atendimento abertos ao publico. Em geral, o
problema, como na escola publica, por exemplo, esta na saída. Nesses locais dispensa-se
toda a atenção a entrada - acolhimento - do “paciente” omitindo-se com relação à saída. Percebe-se,
grosso modo, que se coloca toda a responsabilidade pelo tratamento no usuário –
ele é que deve procurar o tratamento e, ao final, é ele quem se dá alta. As
portas estão abertas para a entrada tanto quanto para a saída. O controle - registro -
acontece apenas na entrada, não na saída. Isso atende as exigências das estatísticas de "atendimento" - tratamento e outra coisa! Entra quando quer, sai a hora que quiser.
No tratamento, de um modo geral, o
usuário não passa de um paciente mesmo, na medida em que em ambos os casos -
atendimento e tratamento – trata-se de um exercício de paciência, porque a sua
participação no decorrer do processo é restrita e limitada àquilo que esta
determinado pelas instituições - não espaço pra dialogo. Em todos que passei e visitei saí sem nenhum
controle ou acompanhamento, posto que se registre apenas a entrada do usuário. Em
todos eles, tanto o tratamento clinico – medicação – quanto o terapêutico fui
eu mesmo quem me dispensei de ambos, sem qualquer questionamento, avaliação ou
acompanhamento! Conheci-os em São Paulo, Sorocaba e São Vicente. Ou seja, como
é possível avaliar tal tratamento se é o próprio usuário ou paciente que se
dispensa? Embora se multipliquem os atendimentos – o que por sua vez atesta o
avanço avassalador do crack nas cidades brasileiras -, o numero de tratamentos (recuperados) e, assim, a eficácia das técnicas permanecem uma incógnita! Finalizando,
as clinicas que conheci variam conforme o perfil da clientela, oscilando entre
“spas” para as elites/classes médias e “campos de concentração” ou sanatórios –
de caráter religioso ou punitivo – para os pobres. Ao final de quase vinte anos
e a despeito do avanço do crack na sociedade, das tragédias pessoais, dos
custos sociais, da responsabilidade publica e do imenso volume de recursos e
apelo midiático das campanhas publicas, é assim – com “mais do mesmo” - que os
poderes públicos esperam tratar essa questão. A velha formula da internação compulsória - profilaxia social - que vitimava os mendigos, doentes, bestializados e alcoólatras no inicio do século, tirando-os do convívio social dos "bons burgueses" daquela época, conforme relatava Lima Barreto - ele próprio uma vitima. No Brasil demagogia, cinismo e
hipocrisia, além é claro, de “boas intenções” é que pavimentam o caminho do
inferno. De fato, quando as políticas públicas gestadas nos departamentos de marketing - SECOM - não é possível vencer, nem convencer.....
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