quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Criaturas da noite


Assim começa a musica Subúrbio Geral da banda punk Cólera. Esse é também o titulo de um disco da banda KISS. A realidade do vicio é repleta delas. Hoje Paulo Vanzolini precisaria de outro cenário para compor a Ronda. Caetano com Sampa também. Até mesmo o grande Chico Buarque não mais pode fazer poesia da realidade suburbana. Hoje cabe, sobretudo, ao peso do RAP a tarefa de contar essa realidade e são poucos ainda os que conseguem faze-la de forma objetiva, coerente e consciente.

Há pouco espaço para a poesia nessa realidade. Embora seja dramática, trágica, também há pouca compaixão, fraternidade e solidariedade. É o efeito colateral do “sistema”, como diz um verso da musica Capitulo IV, Versículo III do grupo de RAP Racionais MC’s. Diria, nessas circunstancias, que poderíamos entender por sistema a lógica da sociedade capitalista neoliberal globalizada – individualismo, consumismo e alienação política exacerbadas.

As duas primeiras são produtos típicos do Capitalismo que no contexto da Globalização e do Neoliberalismo impõe-se em volume e escala sobre a sociedade e os indivíduos. A segunda resulta da crise política advinda com o fim da Guerra Fria e do bloco soviético e a hegemonia do modelo americano.  A democratização brasileira coincide com esse cenário e como todos os países periféricos insere-se a margem desse modelo imposto pelos países desenvolvidos. No bojo desse processo e atendendo as exigências desse novo contexto, a democratização brasileira ao mesmo tempo em que expande os espaços de participação politica apresenta a crise dos interlocutores tradicionais – Estado, partidos, sindicatos, movimentos sociais. Esse vácuo ideológico que se apresenta no cenário político acentua as iniciativas individualistas e apresenta o mercado e o consumo como alternativas a sociedade e o indivíduo – o avesso da cidadania.

Esse é o cenário em que o vício se expande, corroendo um tecido social cujas tramas não são consistentes, na medida em que os fios estão em desarranjo ao mesmo tempo em que o pano é costurado.  Nesse contexto de subordinação do Estado e da sociedade ao capital global, não é possível construir-se relações sociais sólidas e estáveis sujeitas as instabilidades dos mercados. A ausência de respostas às demandas sociais pelas instâncias de representação tradicionais da sociedade, corresponde o individualismo e o consumo de um lado e de outro, a repressão e o assistencialismo paternalista que caracterizam a nossa tradição política.

Os que estão excluídos, alienados, perseguidos ou se opõem a esse estado de coisas não encontram os meios pelos canais de representação para enfrenta-la, apenas sentem o peso da implacável “mão invisível” sobre as suas vidas. A impotência conduz a apatia, a fuga pelo consumo, aumentando o individualismo, frustração e a revolta, que por sua vez, caminha ao lado do crime.

As criaturas da noite são muitas: bêbados, prostitutas, traficantes, ladrões, trabalhadores, biscates, explorados, mendigos, pedintes, doentes, viciados, bestializados; em uma palavra: excluídos. São jovens, homens, mulheres, crianças, idosos. O Alex é uma criatura da noite. Trinta e sete anos, dois filhos, separado e com pais em outro estado, sem família na cidade. Duas passagens pela cadeia – 155 e pensão alimentícia. Desempregado há dois anos, perdeu a família e o lar por isso. Usuário de crack há 10 anos, vive há seis meses na rua e cata latas para comer e sustentar o vício no crack. A Vera é outra, 42 anos, mãe e avó, abandonada pelos filhos e pelo marido após anos de espancamentos, passa as noites pedindo e fazendo programas para sustentar o vicio no crack. Evidente que o vício é uma doença, porem as causas estão longe de serem de natureza patológica. Não vai adiantar tratar apenas os seus efeitos e, até lá, todos tentarão sobreviver cada qual a sua maneira ou se matar, porque não é possível nessas circunstâncias para o indivíduo, completamente abandonado à sorte do “mercado” lutar contra a “mão invisível” que o manipula e a sanha da sociedade, a despeito do Estado e da política. Porque o fim do Estado deve ser a sociedade e não o mercado e as soluções para as demandas sociais devem privilegiar as ações coletivas e não as individuais.

 


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