sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Movimentos sociais e populares



Os movimentos sociais são uma realidade no Brasil. Há três décadas não eram. A história dos movimentos sociais no país é recente, tanto quanto os estudos a seu respeito. Essa historia recente confunde-se com a democratização. A despeito dos rigores e dos debates acadêmicos, as lutas populares sempre existiram - organizadas ou não - e o século XIX e inicio do XX são repletos delas. A esse respeito basta dizer que se caracterizam na sua maioria por lutas e/ou revoltas pontuais e regionais. Importa precisão à ciência, a vida não. São diversos os motivos para os equívocos entre movimentos sociais e populares – sobretudo a ausência de participação popular na vida publica e política e a de parâmetros legais que regulem relação publico-privado. Os segundos precedem os primeiros e, as suas causas, motivações e representantes nem sempre coincidem, na verdade quase nunca, sendo inclusive contraditórios.

É preciso estabelecer as diferenças e demarcar limites. Nesse sentido, algumas características e contradições ajudam. Os movimentos populares, embora maiores em volume e frequência, ocupam lugar secundário na historia – de acordo com o modelo estabelecido na pirâmide social da ordem senhorial burguesa. Assim, destacam-se, a despeito de critérios objetivos, os movimentos tipicamente burgueses e/ou das classes historicamente ligadas ao poder. Estratégia a um só tempo que assegura a manutenção do poder e a reprodução da ordem estabelecida, bem como a alienação e subordinação das classes desfavorecidas. É preciso clareza: a falsificação da historia constitui estratégia ideológica de manutenção do poder. Estabelece vínculos artificiais, empatia e adesão a valores antagônicos a realidade concreta e/ou interesses de grupos historicamente excluídos e marginalizados na sociedade.

Nenhuma novidade, os paladinos dos atuais movimentos sociais identificam-se com os heróis de outrora – burgueses. Apenas muito recentemente e após pressão popular e a adesão de setores ligados ao poder, bem como por exigências impostas pelo contexto democrático, foram assimilados e/ou reconhecidos, não sem resistência e reservas, pela historiografia institucional figuras provenientes das classes populares – Zumbi, João Cândido, entre outros. Foram os positivistas - burguesia republicana - e militares os patronos da nossa historiografia e que estabeleceram os contornos da organização política e social - Estado e Direito. Defensores da pátria e da ordem, prolíficos produtores dos valores, ideias e memória nacionais, seguem céleres escrevendo e reescrevendo – até mesmo a revelia – a nossa historia. Foi à época da Republica – proclamada e liderada pelos militares em conluio com as elites emergentes e insatisfeitas com a monarquia -, continuando em alguns aspectos, a obra começada por D. Pedro II, lançando as bases sobre as quais assentar-se-iam os ideais de construção da identidade nacional. Assim, conforme se identificassem com ideais patrióticos, nesse processo, resgataram-se e promoveram os até então obscuros inconfidentes a heróis nacionais. No contexto da conspiração mineira, que nada tinha de popular, senão pequeno burguesa - orquestrada por pequenos proprietários de terras, escravos e comerciantes -, sequer cogitavam a abolição da escravidão.   Revela-se até no seu desfecho o traço burguês que caracteriza a nossa tradição,  na medida em que o único punido com a pena capital tenha sido o mais baixo na escala social, o alferes Joaquim José Xavier - Tiradentes. Também é deliberadamente negligenciado que ele não fosse abolicionista – ao contrário, era dono de escravos - assim como outros do movimento que fazia parte, bem como não era o seu líder e nem pertencia à maçonaria como os demais. Para a infelicidade do subalterno militar a corda não “arrebentou” literalmente, embora tenha ficado claro o “lado” que ela “arrebenta” no Brasil.   
É sintomático, deste modo, que tais observações causem estranheza, resistência e até repúdio, posto que o trabalho de doutrinação histórica e o desprezo pela educação complementem-se e sejam articulados e perenes. É relevante ainda que por ignorância ou conveniência muitos se omitam ou estejam coniventes com esse estelionato histórico. De acordo com determinações de mercado, a educação subordinou-se aos seus interesses e necessidades tornando-se meramente instrumental. A indolência intelectual se impõe o relativismo da pós-modernidade, ao deslumbramento tecnológico e as exigências e tendências da Globalização - formação instrumental e de mercado. A expansão de direitos, acesso universal a educação - estritamente quantitativa -, favoreceram a diluição e exigiram o incremento dos movimentos sociais no contexto da democracia nominal de mercado.

A expansão dos movimentos sociais coincide com a maior penetração dos extratos médios na política em decorrência da democracia. A participação política antes reservada as elites, de acordo com os seus interesses, fazia concessões eventualmente aos extratos médios da sociedade. Não sem resistências foram se incorporando e assimilando os valores e praticas das elites do poder, bem como adquirindo gosto pelo mesmo, distanciando-se das classes populares e trabalhadora. Deslumbrada, a classe media é aquela que, conforme Florestan Fernandes e Faoro, de um lado, têm a convicção de que "o poder é a única missão para a qual nasceram" e seja apto a exerce-lo – tal qual uma classe reacionária que se pensa revolucionaria em sua missão civilizadora –, de outro identificando-se com as elites que os cooptaram, solidarizam-se com ela, aspirando serem incorporadas até confundirem-se com ela. A sua pobreza intelectual e moral são a sua riqueza.

Durante a ditadura foram os movimentos sociais – classe media – que se levantaram contra ela – estudantes universitários, profissionais liberais, setores políticos. A classe trabalhadora foi brutalmente sufocada e reprimida - nas cidades e no campo. Paradoxalmente foi a mesma classe media que inicialmente apoiou o golpe. Quando a repressão alcançou-os deixou de ser útil e boa. Enquanto reprimia e exterminava opositores populares nada havia a questionar ou reclamar. Foram alguns desses também que durante o terror repressivo partiram voluntariamente para o exílio – enquanto os trabalhadores e camponeses eram brutalmente torturados, exterminados e desapareciam. Lamarca e Marighela voluntariamente ficaram. Atualmente os movimentos sociais, embora tenham se expandido e consequentemente, ampliado a sua penetração e assim, assimilado extratos populares, continua tanto quanto elitista e burguês – no que diz respeito as suas características históricas e, sobretudo, porque têm acesso direto aos canais de poder intermediando e cambiando a participação popular. Por esse meio conseguem cooptar, seduzir ou angariar simpatia popular as suas causas, que muitas vezes pouco ou nada diz respeito às lutas e a realidade das classes laboriosas. Nenhuma novidade, o movimento social brasileiro ainda é predominantemente burguês, sendo assim, autoritário e avesso à democracia (na melhor das hipóteses tem uma visão peculiar e tosca do que seja isso) – não aceita crítica e tampouco faz autocrítica; consideram-se a vanguarda da política, da moral e da cultura! Essa confusão deliberada, aliada aos sofismas pós-modernos escamotearam a luta de classes. Nenhuma novidade, a pequena burguesia continua a serviço das elites para a manutenção do poder. No Brasil, nunca pretenderam derruba-la e transformar a sociedade rompendo com a ordem vigente e as relações de poder, ao contrário, ambicionava ser como ela, expandi-la e participar do poder. Nem quando destituíram o monarca - ele se foi, mas a corte permaneceu e a Republica nascia pelas mãos de barões, militares, bacharéis e latifundiários. Sem povo, sem nação, sem revolução nem luta, conforme relatam os cronistas da época. Qualquer semelhança com os movimentos sociais atuais não deve ser mera coincidência, nem que a historia repete-se primeiro como tragédia e depois como farsa.

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