domingo, 18 de novembro de 2012

O homem condicionado


O homem condicionado parecia severo, grave, sóbrio, sério. Correto, disciplinado, impoluto, zeloso. No trabalho um funcionário exemplar. Pontual, assíduo, disposto, sistemático. Aquele funcionário que todo patrão adora e os companheiros detestam, desprezam, temem e toleram.
Conforme as suas qualidades fossem servis - submissão, resignação, subserviência - era uma criatura insegura, pedante, inescrupulosa e medíocre. Intelectualmente limitado, culturalmente estúpido, moralmente débil e ambicioso, ignorava a ética, a crítica e a dúvida. Era um dogmático, jamais tinha dúvidas, apenas certezas - o senhor da verdade. Intransigente, intolerante, autoritário e reacionário.  Essas características reunidas transcendem os aspectos subjetivos e revestem o exterior do sujeito, expressando-se na sua face, gestos e atitudes. Assim, o tornavam um sujeito típico: temido, desprezado, ridicularizado, miserável. Não se sabe o que era. Apenas o que se esforçava em demonstrar. Procurava mostrar-se espartano sem ao menos compreender o que era isso, portanto, as suas atitudes e discursos eram rigorosamente contraditórios. A baixeza moral combinada com a pobreza intelectual exigiam que as compensasse por meio da aparência impecável e representação grosseira. A forma à ausência de conteúdo. Superficial, preconceituoso, hipócrita, cínico.
Percebia que em matéria de teorias e conceitos das Ciências Humanas no campo da educação - pedagogia/andragogia/educação social, história, filosofia e política - aliadas as minhas experiências - escola publica, educação social, presídios, trabalho comunitário, etc -, estava impossibilitado de debater devido as suas limitações. Assim, evitava-me e se sentia indisfarçavelmente pouco a vontade na minha presença - mesmo quando me portava de modo lacônico. Desse modo, oscilava entre o histriônico e o tragicômico.  Ridículo, farsante, oportunista e ambicioso. Quando tentava parecer simpático, era sofrível a ponto de causar piedade ou constrangimentos!
Vinte e poucos anos na mesma empresa. Dedicou metade da vida a instituição. Foi aluno, formou-se e completou os estudos no exército - engenharia. Retornou como professor e vinte anos depois: vitorioso - há quatro anos como coordenador pedagógico! São Paulo é grande, o Brasil é enorme, o mundo é imenso, mas, pessoas pequenas como o homem condicionado tem um horizonte limitado e a visão estreita. Suponho que alguns anos de Senai - como aluno -, outros tantos nas Forças Armadas, em um sujeito com baixa auto-estima, limitado intelectualmente e sem muitas perspectivas em uma cidade do interior tenham sido suficientes para institucionaliza-lo tornando-o um subserviente cumpridor de ordens! Conforme fosse um indigente intelectual e moral, assimilou e reproduzia todos os dogmas, valores e práticas das referidas instituições. Era um bitolado, o homem Senai. Pensava, respirava e vivia Senai! Que importa o mundo quando não se pode enxergar alem do alcance dos olhos? Que importa a duvida quando há a certeza? Que importa o novo quando se tem o velho - Senai? Encontrou a sua verdade e a sua razão de existir. Como no exército não precisa pensar, basta obedecer, não precisa conduzir, basta ser conduzido, não precisa produzir, basta reproduzir, não precisa ser, basta parecer. O Mundo Perfeito! O Paraíso dos Medíocres! Como no exército, veste a farda - uniforme - com orgulho e zelo. Todos uniformizados, pasteurizados, padronizados, massificados, robotizados.
Sujeito absolutamente medíocre, chamava a atenção pelo seu discurso superficial, monolítico e rasteiro - muitas vezes apelava para a grosseria e a vulgaridade, sobretudo com mulheres, quando queria desestabiliza-las emocionalmente. Afirmava sem constrangimentos que para ele, a escola ideal era um reformatório - insinuando que na sua concepção todos os alunos fossem marginais. Sua concepção de cidadania era Civismo e Deveres - para ele o brasileiro tinha muitos Direitos e essa era a causa dos problemas sociais e politicos. Um visionário! No seu plano de ensino, constava apenas duas vezes a palavra Cidadania e em uma delas dizia que os seus valores eram exaltados através da valorização e hasteamento do panteão pátrio - adoração da bandeira - e dos seus símbolos - quase um fascista-nacionalista, na medida em que sacraliza os emblemas e símbolos a despeito da cultura, da sociedade e da política. Em materia de Historia, conhecia as origens do Senai e ignorava a do surgimento dos movimentos sociais brasileiros e a sua importancia para as conquistas da classe trabalhadora. Ignorava a relação entre trabalho e política, compatível com a sua indiferença e alienação politica. Na sua concepção miserável, um bom trabalhador deveria ser como um bom soldado - disposto, disponível, obediente, subserviente. Desconhecia Thoreau e ignorava Marx. Embora atuasse em educação e tivesse contato com as obras de Paulo Freire, John Dewey, Celestin Freinet, entre outros, tinha pouco apreço - na verdade algum desprezo - pelas suas concepções e o Construtivismo.
Roberto Mange fundou o Senai, como parte das políticas trabalhistas de Vargas. Conhecido como o "pai dos pobres" - criação do DIP -, Vargas foi o protagonista da Revolução de 30, que a reboque do movimento Tenentista iniciado em 22 derrubou a República Velha. Grosso modo, o Senai inseria-se na estratégia de Vargas para a cooptação, desmobilização e manipulação da classe trabalhadora. De um modo geral, as suas ações caracterizavam-se de um lado pela cooptação e manipulação e de outro pela repressão e desmobilização. Vargas incrementou a indústria com o apoio do capital estrangeiro e das elites desenvolvimentistas, assim, era imprescíndivel formar uma mão-de-obra qualificada - adestrada -, institucionalizar as relações de trabalho, cooptar e controlar os sindicatos, subordinando o trabalho ao capital e alienando o primeiro da política. Eis a herança Vargas, defendida hoje por aqueles que se dizem representantes da classe trabalhadora. O homem condicionado é o ideal dessa empreitada.
Por fim, como todo brasileiro médio, era também "cordial" - naquele sentido elaborado pelo Sergio Buarque de Holanda.Desconhecia a ética, a impessoalidade, o mérito e a imparcialidade que devem prevalecer na burocracia e no atendimento ao publico. Tinha os seus preferidos - professores, funcionários e alunos - e esse era o seu critério - se é que se pode chamar preferencia pessoal por interesses particulares disso. Valia-se do seu cargo para favorecer uns e prejudicar outros. Conspirava, sabotava, boicotava, intimidava e ameaçava. Inescrupuloso, pensava que era sutil quando negligenciava ou se omitia para prejudicar alguém. Tentou de tudo comigo. Intimidação, ameaça, omissão, boicote. Vim de grandes cidades e escolas, tenho outra formação intelectual e de vida, não estive nas forças armadas, não sirvo pra servir a uma abstração. Não sirvo pra uniformes - de nenhuma espécie. Não sirvo pra usar cabresto e nem coleira. Não sirvo pra ser conduzido e nem pra obedecer de forma cega e intransigente. Não sirvo pra reproduzir regras estupidas e desnecessária, ordens ou o que quer que seja que exija que se abra mão do raciocínio e do bem senso. Tenho outra concepção de educação que não é lavagem cerebral e clareza quanto ao papel dela, da escola e do educador. Regozijava-se por ter servido o exercito e usado armas, de fato, nunca puxei o gatilho, mas, diferentemente dele já estive na linha de fogo, tive armas apontadas para mim e vi muitos cadáveres, coisa que o pedante só deve ter visto em filmes e que no mundo real são bem diferentes, das situações preconcebidas e previstas no ambiente fechado e controlado de um quartel. Ilusão para meninos frustrados, mimados, tolos, inseguros e estúpidos! Eis o tipo de gente que pretende ensinar. De fato, a altura do que o capital espera para a exploração. 



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