sábado, 15 de dezembro de 2012

Poesia, Critica e Capitalismo


Rilke foi o poeta da solidão, da angustia e melancolia. Pessoa o da existência e da frugalidade. Rimbaud, Wilde, Dickens, Verne, Baudelaire, Goethe, Hugo, Zola, Balzac, Whitman, Dostoievski, Twain, Tolstói – entre outros - foram os interlocutores do século XX. Sobretudo, Marx, Darwin, Nietzsche e Freud.  Ao fim do Romantismo, a miséria da filosofia, a genealogia da moral, o desencantamento do mundo, o mal estar na civilização.
Foram contemporâneos Wilde, Shaw, Rimbaud, Van Gogh e Freud.  Marx, Darwin, Baudelaire, Dostoievski e Tolstói. Consta que Tolstói tenha indicado a obra de Thoreau a Gandhi. Que Marx, leitor de Balzac, conhecesse Kierkegaard, Stirner e Victor Hugo. Marx sepultou três crianças – seus filhos Guido, Franziska e Edgar. Vítimas das más condições e privações que viviam em Londres, experimentando o exílio e as perseguições, convivendo com o proletariado e o lumpen. Espírito angustiado, Kierkegaard foi consumido pelo fanatismo religioso e pelo amor frustrado, incapaz de relacionar-se com as pessoas viveu sozinho até a morte. Wilde foi processado, preso, rejeitado e condenado ao auto-exílio pela sociedade vitoriana. Perdeu a família, os bens, a reputação e a carreira. Morreu abandonado na miséria em Paris. 
Van Gogh sofreu privações em nome da arte. Foi rejeitado pela família, desprezado pela sociedade, excluído pelo capital. Viveu nas ruas, pensões, tavernas e sanatórios. Foi consumido pela depressão até a insanidade e o suicídio. Rimbaud saiu adolescente de casa e foi a Comuna. Fugiu com o poeta Verlaine e viveu os excessos e convulsões da Paris da segunda metade do século XIX.  Abandonou Paris e a poesia e caminhou pela Europa. Alistou-se no exercito holandês e foi a Oceania e África. Foi um dos maiores poetas franceses antes de completar vinte anos. Combateu, contrabandeou armas, escravos, conviveu com a nobreza abissínia, relacionou-se com negras e perdeu uma perna. Morreu aos 37 anos. Thoreau também foi encarcerado, perseguido e desprezado por sua ideias. Denunciou  a guerra, a exploração e o arbítrio do Estado. Viveu de modo estoico junto à natureza, afastado da sociedade. 
Dostoievski viveu o cárcere, a violência, o exílio, o abandono, a rejeição, o desprezo, o vício. Baudelaire também conheceu os excessos – de privação, luxuria, vícios, desprezo.   
Rainer Rilke era amigo de Freud. Consta que Freud escreveu um ensaio sobre a melancolia do poeta em homenagem a ele, inspirado pela sua companhia. Eram amigos e costumavam passear juntos em Viena e Berlim. Rilke foi um errante e solitário, embora tenha tido um longo caso com Lou Andreas-Salomé. Viveu da e para a poesia, trabalhando apenas como secretario de Rodin. Fernando Pessoa foi recusado na universidade inglesa. Veio a Portugal e em tudo foi mal sucedido. Viveu de forma humilde, discreta, reservada. Não teve senão um único livro publicado em vida. Foi amigo de Mario Sá Carneiro e influenciado por ele. Foi profundamente abalado pela sua morte precoce e trágica.
Franz Kafka foi contemporâneo de Lima Barreto. Kafka foi um reles burocrata – algo como um escriturário - graduado em direito. Viveu de forma inexpressiva, oprimido e sufocado pelo caráter autoritário do pai e pela sociedade, conforme fosse judeu.  Foi incapaz de relacionar-se com os outros e viveu só, a vida toda. Passou por sanatórios e a tuberculose o arrebatou em 1924 aos 40 anos. Lima Barreto também foi burocrata – funcionário público de gabinete (copista). Era filho de ex-escravos libertos. Seu pai era tipógrafo e a mãe professora primaria. Foi apadrinhado pelo visconde de Ouro Preto e pode ter bons estudos até a internação e morte do pai, quando teve que abandoná-los para cuidar dos irmãos. Negro, filho de ex-escravos libertos, pai monarquista, culto e educado em um Brasil recém abolicionista e republicano, carregou as marcas dessa sociedade e das suas condições no caráter e personalidade. Crítico da sociedade burguesa - elites aristocrática e oligárquica -, da Republica e política, da academia e imprensa. Vitima da sociedade e da cultura da sua época, das condições em que estava submetido, Lima Barreto foi arrastando-se para o álcool e daí para a insanidade como seu pai. Internado COMPULSORIAMENTE diversas vezes, escreveu sobre sua experiência nos sanatórios da capital da Republica – Cemitério dos Vivos. Sutil observador, escreve de maneira acessível e singela, revelando os dramas, tragédias e misérias dos pobres, desajustados e excluídos da cidade que se pretendia a Paris do hemisfério sul e, que os "bons burgueses" da época excluíam do convívio social por meios "sutis" (internação compulsória para "tratamento" nos sanatórios e asilos - eufemismo pra prisão ou campo de concentração).  Qualquer semelhança com os métodos "altruístas" da burguesia atual não deve ser mera coincidência!  Suas crônicas incomodavam pela critica mordaz e fina ironia, revelando o cotidiano das comunidades da cidade que se transformava e modernizava-se, empurrando a sua população pobre e negra para as suas margens e a exclusão.  
Em comum todos compartilham os fracassos, misérias, angústias, vícios e dores da existência. Foram derrotados pela vida, pela sociedade, pelo mundo, pelas condições e por si próprios. Sartre dizia que o homem é ele e as suas condições exteriores – o ser e a existência.  O homem é historicamente determinado pelas suas condições de existência que não são por ele escolhidas - Marx. Foram homens triturados pelo capital, massacrados pela ordem burguesa – ideias, ideais, instituições, padrões éticos e morais. Consumidos pelo ressentimento e desprezo. Entregues a própria sorte e a sanha da burguesia e do capital. Nem Deus salva! Não nessa vida. O único alivio são os vícios. O único refúgio é a luta, a resistência, a revolta ou a resignação - não resignaram, não capitularam, tombaram. Combateram com a lucidez, a fúria, a pena. A única paz é a morte. É irônico que Lima Barreto tenha falecido no ano do Modernismo no Brasil - a vida é a ironia da criação.  É sintomático que sob os seus despojos renasçam a literatura e o jornalismo. Porque só se pode criar sobre aquilo que se conhece. Porque só se conhece aquilo que se ama. Porque só há verdade e responsabilidade no amor. Porque as suas vidas são as suas obras e a arte sublima a vida e, elas foram a mais contundente denuncia e crítica ao sistema capitalista.

2 comentários:

  1. Essa é a parcela da sociedade que sofre a dor da consciência...que se entrega aos excessos para amortizar a facada no peito da existência.Na turbulência do existir,precisam de aditivos que se esgotem neles mesmos,com saídas carreadas de encarceramentos,adicções ,profusões de ideais.Protagonistas de seu tempo,avançam para um projeto de recriação da sociedade,concomitantemente a castas de trabalhadores que irrompem para o embate.Nasce o confronto entre a crença de mudança pelo pensamento e atividades da consciência e a elaboração de um corpo teórico para análise das contradições.É chegada a hora de se revestir da ótica dos defraudados,das suas energias revolucionárias,para fazer parte do " movimento real que supere o estado de coisas existentes"...como disse Marx.
    Apesar da denuncia,as suas vidas e consequentes obras não passaram de sufrágios para a revolução.

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  2. Agradeço pela leitura e comentário! Mas eu discordo de algumas observações. Todos os citados, entre diversos outros, não foram meros teóricos e espectadores da sua época. Envolveram-se nas lutas - as lutas se dão em diversas trincheiras e batalhas. Uns mais outros menos. Uns pegaram em armas, outros combateram com a pena, todos sentiram as consequencias na pele e na carne. Escreveram tambem com sangue. Marx participou ativamente da Revolução de 48, foi perseguido e exilado. Thoreau protestou contra a escravidão e a guerra e foi encarcerado por isso. Rimbaud esteve nas barricadas da Comuna de Paris. Lima Barreto e Van Gogh criticavam a burguesia e o escolasticismo estético da sua época e foram desprezados e excluídos do meio acadêmico e social. Oscar Wilde tambem experimentou o carcere por sua afronta a burguesia vitoriana, ainda que nem ele e nem os dois últimos manifestassem ideais socialistas ou revolucionários, senão apenas a critica a estética e os valores burgueses. Nesse sentido foram fundamentais para o amadurecimento da critica social através da arte.

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