segunda-feira, 29 de abril de 2013

A crítica da crítica.


Um espectro ronda o Brasil: a esquerda indolente. É vasto o campo dessa espécie de esquerda.  É preciso esclarecer, essa esquerda não é um partido, nem um indivíduo e é exatamente esse o problema - são diversos e difusos. Do ponto de vista ideológico, a sua extensão quantitativa corresponde à retração qualitativa. Caracteriza-se pela indigência intelectual e ética, a apatia e a pusilanimidade que a distingue.
O cinismo, a demagogia e a ignorância insultam a historia, a política e a filosofia.  O homem medíocre é o animal político na acepção da palavra. Reduz a política à lei da sobrevivência. A administrar o produto burguês moribundo. Subespécie vulgar de “pragmatismo”, caracteriza-se pela relação “meios e fins” que por ignorância absoluta ou conveniência se pretende por “objetividade”. 

Lenientes ou ignorantes em matéria de rigor ético, intelectual e ideológico, os medíocres esforçam-se em teorias esdrúxulas e disparatadas a fim de justificar as praticas e/ou trajetória militantes e intelectuais que lhe causam espanto. Esquece-se, porem, que “a prática é o critério da verdade.” Coerência, ousadia, crítica, ética e poder popular é incompatível com essa visão medíocre de política e até mesmo de democracia!  O oportunista político é presunçoso. Ele quer conduzir “as massas” pelo nariz, excluindo o debate e o dialogo com as bases populares. Não desce do palanque. Não sobe o morro. Não entra nos becos. Não vai as prisões. Não enfrenta, esperneia. Não ataca, negocia. É o homem "cordial", civilizado, diplomático, cínico, covarde, acomodado. 

O oportunista à esquerda é um perdulário em matéria de empulhação. É vasto o repertório da cantilena da esquerda vulgar. Impressiona pelo “rigor” do exercício dialético, pela “ousadia” intelectual, pela “originalidade” estratégica e pela extensão e profundidade teórica da reflexão e analise critica! A intelligentsia resume-se a clichês e chavões, tudo absolutamente simplificado, raso e superficial. “Os opostos se encontram nos extremos, a extrema esquerda com a extrema direita.” “O radical é um sujeito que não tem nada a perder, buscando na revolução uma compensação as suas derrotas” – convenhamos, uma aula de psicanálise! Nessa lógica, Che, Marighela, Prestes e todos os ditos “radicais” seriam também uns fracassados, recalcados e autoritários! Com uma esquerda indulgente dessas, dispensa-se a direita! “O Brasil é um país de gente sem teto e teto sem gente.” “O partido busca conquistar corações e mentes.”  “É preciso respeitar o direito de ampla defesa”. Impressionante argumentação e poder de persuasão! Ímpeto revolucionário contundente!

Estamos à época em que setores da esquerda se batem pelas falácias da burguesia. As conquistas e privilégios da sociedade burguesa não só devem ser mantidos como expandidos! Ora, “ampla defesa”? Seria aquela que ignora os quase 300 mil encarcerados sem julgamento no país? "O PSoL Santos entra com representação"... "O PSoL Santos pede ao MP"..... Das denuncias contra o prefeito de Santos a questão do cartão no transporte publico, passando pela greve dos servidores ao mosquito da dengue, tudo é transferido para a esfera do Judiciário! Isso é  estratégia popular, socialista e participativa? Para essa espécie de esquerda são os fidalgos de capa e toga que irão redimir o povo! 

A estupidez ilimitada em questão encontra-se no discurso do velho e do novo – PT e PSoL. Não, repito, não me refiro a totalidade de ambos – suponho apenas a imensa maioria! Quem duvida pode conhecer o PSoL Santos ou o PT Guarulhos e Nova Iguaçu. As pérolas do estelionato intelectual, do pensamento vulgar e indolente podem ser encontradas nas paginas referentes e nas redes sociais – tanto quanto os “Ches”, “Lenins” e “Marxes” reduzidos a “heróis” como Batman ou Super Homem (símbolos de indivíduos enrustidos e do individualismo sem rosto e/ou ideias). Não sou assim tão “comunista” ou “socialista”. Prefiro supor que o Che, Prestes ou Marighela não tenham se batido para que hoje estampassem as suas faces em fotos de perfil, pôsteres ou camisetas – e no closet Armani, no pé Nike, na garagem Fords e Hondas e nas mãos IPorra e Tablets fabricados por bilionários americanos que exploram e escravizam a classe trabalhadora em escala global!

Na luta pelo poder, flerta-se ou se declara abertamente à direita, as elites e a classe média mais autoritária e reacionária em nome das mais caras bandeiras da classe trabalhadora e do povo!  Insinua e faz o jogo do “gato e rato” – denuncia aqui, vota e apoia acolá. Coerência pra essa espécie de esquerda é sinônimo de sectarismo. Conforme desconheça o que seja isso, apela a imaginação formulando as teorias das mais esdrúxulas e extravagantes para explicar aquilo que lhe é inconcebível – e que já foi um dia à práxis da esquerda.  Prolíficos na fraude intelectual e na profusão de justificativas e eufemismos – “alianças estratégicas”, “valores democráticos”, “desenvolvimento ou inclusão social”, “governabilidade”, etc. Verifica-se que sequer o discurso é coerente, quanto mais às praticas! Já foi dito que “as aparências enganam”, porem, deslumbram, iludem e seduzem. É a política do espetáculo! Não impressiona. Já vi e revi tudo em década e meia de vida publica – entre movimentos sociais, militância e políticas publicas. As tragédias e as farsas se repetem e adaptam-se aos novos tempos e tendências. Não há renovação, transformação, ruptura.  Estamos à época dos pretensos “pragmáticos” que se caracterizam pela indigência e cinismo políticos, celebrando o fim das ideologias, utopias e a conciliação ou reconciliação – de classes, partidos. Celebrando o "consumo" -  "Depois da geladeira, a casinha, o carro, a casa mais confortável, ... o curso médio, a universidade ... nosso governo também aprendeu, com o Brasil e os brasileiros, que é possível fazer cada vez mais e melhor". Mais do que? Do moribundo Capitalismo! Eis a vanguarda da esquerda! 

Embora dissimulem, não é nada além da medíocre e famigerada Terceira Via - face política da pós-modernidade. De um lado o Estado conciliador/provedor – que inclui e incorpora, desmobiliza, dilui e minimiza contradições e conflitos –, de outro o Estado autoritário/opressivo que mantém a ordem e o status quo por meio dos seus aparelhos repressivos e coercitivos – judiciário, policia e sistema carcerário – canalizando os conflitos e contradições sociais e as demandas políticas para os tribunais – o avesso da política. Cumpre observar que ambos caracterizam-se pela primazia do capital à sociedade e o Estado no contexto da democracia de mercado e nominal. São autoritários porque excluem o dialogo e o debate político no interior do Estado e da sociedade, minimizando ou reduzindo o papel do primeiro e desqualificando o segundo como interlocutor e protagonista, senão em torno de grupos de interesses e demandas. A opção pelo legalismo revela o caráter autoritário, elitista, excludente, burocrático e paternalista. A esquerda estúpida reproduz de forma mais ou menos dissimulada. 

Estamos à época da “tecnocracia populista”, do legalismo autoritário, da cidadania tutelada, da democracia de mercado e da inclusão pelo consumo. No “país dos bacharéis” prevalece o império da lei, o regime dos “estatutos”, a democracia normativa em detrimento da participativa, para a glória e o fortalecimento dos tribunais e do judiciário. A lei, a regulamentação da sociedade é a resposta do Estado às questões sociais - o outro lado dessa moeda é a criminalização, o litígio, o controle, o encarceramento, o extermínio. É o Estado paternalista e autocrático, onipotente, onisciente e onipresente agindo e intervindo sobre a sociedade e o indivíduo nas mínimas relações sociais. A opção legalista revela a visão limitada e enviesada de democracia, a aversão ao poder popular e a preferência pelas oligarquias e aristocracias tecnocráticas e políticas. 

O fortalecimento do judiciário exige maiores poderes, recursos públicos – humanos, materiais, financeiros. Impõem novos ritos, leis, normas, procedimentos e instituições na administração direta ou indireta aumentando o corporativismo, a burocracia do estado e a complexidade das relações publicas e sociais. Meio sutil de exclusão e de caráter intimidatório, na medida em que impõem trâmites e exigências formais que escapam as praticas cotidianas tornando-o excessivamente burocrático, ininteligível e inacessível – senão ineficaz. Na democracia nominal - Michels, Dahl, Huntington - definir-se-á em termos de procedimentos legais e/ou formais. 

Com a Republica e a reboque da Abolição, as elites ilustradas buscaram estabelecer novas concepções a respeito da sociedade bem como criar mecanismos de controle e manutenção dessa nova ordem. No bojo do Código Penal de 1890 e da Carta de 1891 o monopólio de registros civis passou ao Estado – antes pertenciam a Igreja -, criando-se os cartórios para os registros de nascimento, casamento e óbito. Consagra—se a liberdade de associação e de reunião sem armas, o direito de defesa - habeas corpus - e as garantias de magistratura (vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade dos vencimentos). No âmbito da legislação penal - criminologia lombrosiana –, no interior da ordem patrimonial, prevaleciam as concepções restritivas ao exercício dos direitos, a democracia e a cidadania – qualquer semelhança com a cidadania tutelada e a democracia formal e normativa não deve ser mera coincidência.   Por outro lado, prevalece ainda a legislação como instrumento de construção da concepção liberal do trabalho, estabelecendo as contravenções penais, referentes aos mendigos, ébrios, vadios e capoeiras, criminalizando a ociosidade, obrigando as classes populares ao trabalho conforme os interesses e valores da burguesia. 

O controle social antes exercido diretamente na unidade produtiva – latifúndio -, por meio de capatazes e do chicote passa ao Estado policial, na medida em que o fim da escravidão e a institucionalização do mercado de trabalho necessita de outros mecanismos – mais sutis, porem não menos perversos - extraeconômicos de coação. Por fim, a legislação trabalhista que viria, no período autoritário, resultado das lutas da classe trabalhadora, incorporaria traços das leis penais do início do período republicano acabando por institucionalizar os sindicatos, sendo usada para controlar os trabalhadores. Parte expressiva da esquerda estúpida encontra-se deslumbrada pelo poder ou engajada em projetos – pessoais ou institucionais - pouco ortodoxos ou outros menos confessáveis. Na vala comum da esquerda que luta exclusivamente pelo poder político, a superação do capitalismo e a revolução não cabem no discurso politicamente correto e sedutor do desenvolvimentismo e do socialismo libertário. Nesse outro mundo possível não há lugar para contradições ou conflitos - entre desenvolvimento e sustentabilidade, igualdade e liberdade, capital e trabalho, Estado e mercado - que não possam ser resolvidos pelo Estado de Bem Estar Social na perfeita ordem democrática capitalista. De fato, as ideias precisam voltar a ser perigosas. 

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