Na
historia da Filosofia, a sua origem situa-se entre o principio do pensamento
racional com os chamados filósofos Pré-Socráticos e o declínio do pensamento mítico.
O método Pré-Socrático (por volta do século VI A.C.) consistia em submeter ao
pensamento teórico e casual o reino dos mitos, buscando uma forma de
compreensão construtiva e uma perfeita coerência na ordem racional e na
formulação dos problemas físicos e metafísicos – entre eles a origem da vida e
do universo. Trata-se de diante da cosmogonia, procurar reduzir a
multiplicidade percebida a unidade exigida pela razão. Na concepção de Tales de
Mileto, por exemplo, a água era a origem de todas as coisas. Assim, a água
seria a “physis”; que corresponderia a “gênese”. Desse modo, Tales buscava uma
explicação do universo através de causa material – como o fogo vai ser o principio
originário para Heráclito (540-470 A.C) e o ar para Anaximandro (610-547 A.C). Como
podemos perceber, o ponto de partida da Filosofia foi o problema da origem – da
natureza, da vida, do universo, do espírito, da razão, etc -, obrigando o
pensamento a ultrapassar os limites do que é oferecido pelos sentidos. Borges[1] nos conta que
Demócrito de Abdera (460-370 A.C) arrancou os próprios olhos para poder pensar
melhor. Esta lenda talvez seja a metáfora perfeita da vontade de superar os
sentidos na busca do verdadeiro conhecimento. “Não é pelo corpo, nem pela
riqueza que os homens são felizes, mas pela retidão e muita sabedoria.” (Demócrito).
Nesta sentença percebe-se o desprezo e o desapego com relação à matéria e aos
bens materiais.
A historia
da Filosofia é a do processo de racionalização progressiva da concepção
religiosa do mundo implícita nos mitos. A Filosofia surge para substituir a
imagem mítica/poética do mundo por uma explicação natural e regular, mudando a
concepção das relações de poder baseadas na força, substituindo-a pela razão.
Deste modo, surgirão as concepções de ética, justiça, direito, etc. Percebemos
então, que o surgimento da Filosofia resulta de um processo histórico que atendia
as necessidades dos homens daquele tempo, aos quais as respostas oferecidas pela
religião e pelos mitos não mais satisfaziam.
A
proposta de se pensar o desenvolvimento histórico do “direito” nos conduzirá a
Grécia antiga e a Filosofia. O direito[2], nesta perspectiva,
situa-se na relação “dialética” entre os “fundamentos” da justiça e as
determinações “legais” – exigências de Estado (rés-publica). Nos livros I e II
da “República”, Platão vai dizer que a (...) “justiça consiste na verdade e em
restituir aquilo que se tomou de alguém (...)”. Desde que tal restituição, no
entanto, não seja prejudicial ao depositário – como restituir armas a um louco,
por exemplo. Podemos perceber que a justiça aqui, tem duas finalidades, uma
moral – compromisso com a verdade e o bem – e a outra – material – restituir e/ou
compensar um prejuízo. No longo diálogo travado entre Sócrates, Glauco e
Trasímaco colocam-se em questão o caráter e a natureza da justiça, do homem e
do Estado justo e injusto – (..) “a
justiça figura entre os maiores bens, os que são dignos de se possuírem em
virtude das consequências que deles derivam, mas muito mais ainda por eles
mesmos – tais como a vista, o ouvido, o bom senso, a saúde, e quantos outros bens
há aí produtivos pela sua própria natureza, e não resultantes da reputação -,
exalta então na justiça o que ela tem de vantajoso por si mesma para quem a
possui, e, na injustiça, o que ela tem de prejudicial, deixando a outros o
cuidado de elogiar os ganhos e a reputação”(...). Em Platão, a natureza da
justiça não pode ser um “bem para si”.
Aristóteles,
por sua vez, na “Política”, começa a sua argumentação nos oferecendo um
panorama da sociedade grega, enfocando as relações sociais para determinar a
absoluta e incontestável preponderância do Estado (o todo) sobre a sociedade e
o indivíduo (as partes) – (...) “é evidente que o Estado é uma criação da
natureza e que o homem é, por natureza, um animal político.” Adiante, contudo,
ressalta que “a justiça é o vínculo dos homens, nos Estados, porque a
administração da justiça, que é a determinação daquilo que é justo, é o
princípio da ordem numa sociedade política.” Para Aristóteles, o problema da
justiça consiste na resolução da equação de uma relação de poder
incondicionalmente desigual, posto que as posições sociais justificam-se em
termos de “determinações naturais” – Aristóteles recorre a explicações
“naturais”, de modo a alicerçar seus argumentos para justificar as posições
hierárquicas na sociedade grega – são relevantes os argumentos sobre a mulher e
escravos. Para ele, as relações sociais só podem ser apreendidas dentro dos
esquemas de dominação estabelecidos pelas relações de poder determinadas por
características imanentes das sociedades e do homem – na Grécia antiga apenas o
homem livre e detentor de posses ou títulos, participava da vida
pública/política e possuía a plena cidadania.
No
livro “Política” (livro I), Aristóteles oferece-nos um panorama da sociedade
grega, do Estado e das relações sociais.
Assim, ele começa afirmando ser “(...) um erro supor que sejam as mesmas
as relações entre um estadista e o Estado ... entre um chefe de família e sua
casa ... .” “Cada família – diz ele – é dirigida por seu membro mais velho,
...” “Essa regra patriarcal foi mencionada por Homero: Cada qual faz a lei para
seus filhos e esposas.” “Do mesmo modo, o homem é superior e a mulher inferior,
o primeiro manda e a segunda obedece; este principio, necessariamente,
estende-se a toda humanidade. Portanto, onde houver essa mesma diferença que há
entre alma e corpo, ou entre homens e animais (como no caso dos que tem como
único recurso usar o próprio corpo, não sabendo fazer nada melhor – aqui ele
refere-se aos escravos), a casta inferior será escrava por natureza, e é melhor
para os inferiores estar sob o domínio de um senhor.” Para Aristóteles, as
desigualdades, o poder e a dominação assentam-se em determinações naturais e,
“o poder – diz ele – numa família, é monárquico porque em cada casa há uma só
autoridade...” “Sobre a esposa o domínio é político, como o de um estadista;
sobre os filhos é real, como o de um rei.
O homem é mais talhado para o poder
do que a mulher, a menos que as condições sejam completamente
anormais;...” “Entre homem e mulher a relação superior/inferior é permanente.”
(...) porque a faculdade de decisão, na alma, não está completamente presente
num escravo; na mulher, é inoperante; numa criança, não desenvolvida.” Este
principio de organização social – que será assimilado e desenvolvido pelos romanos
– consiste em um modelo de dominação assentado em procedimentos de exclusão –
da vida pública/política reservando a mulher a esfera privada - o ambiente
doméstico. Grosso modo, esse sistema de
pensamento, visão de mundo e modelo de organização política e social
permaneceram intactos por longos séculos, constituindo-se na base do mundo
ocidental e, guardadas as devidas proporções, persistem ainda no século XXI.
Bibliografia
consultada
Os
Pensadores – Pré-Socráticos, Nova Cultural, São Paulo: 2000.
Os
Pensadores – Aristóteles, Nova Cultural, São Paulo: 1999.
A
Republica – Platão, Martin Claret, São Paulo: 2002.
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