O poeta foi homem dos versos e da
política. Há exatos cem anos nascia no México – 31/03/1914. Octávio Paz foi um combatente
dos homens. Colocou os seus versos a serviço da beleza e da luta. Em um mundo
entregue a exploração e a acumulação, celebrar a beleza, a justiça, a
igualdade, a liberdade, o amor e o homem são atos de libertação, contestação,
emancipação, sublimação, revolucionários.
O poeta foi um combatente da humanidade, e fez da linguagem cotidiana a sua arma. Cresceu ouvindo as
historias do seu avô, que precederam a Revolução (1910-1920) e as lutas do povo contra a ditadura de Porfírio Diaz – os irmãos anarquistas Flores
Mágon e o liberal Francisco Madero. Na infância
testemunhou a efervescência revolucionaria da Praça de Mixcoac e os diversos
grupos envolvidos – políticos, militares, burgueses, operários, camponeses,
intelectuais, indígenas, entre outros. Partidários de Villa e Orozco ao norte e
Zapata no sul. Seu pai era um radical anti-hispanista que juntou-se ao
movimento zapatista em 1914, mudando-se da cidade do México para o povoado de
Mixcoac, permanecendo lá até o final da revolução em 1917 - avô e pai defendiam
fervorosamente Zapata e participaram da Convenção Revolucionária contra
Carranza.
Após o assassinato de Zapata e a
ascensão de Carranza, insatisfeito e contrariado com o desenrolar da revolução,
seu pai acaba por exilar-se nos EUA com a família nos anos 20. Essa mudança e o
contraste no retorno ao México causariam grande impacto na sua formação. Ao
retornar a pátria, o poeta começou a frequentar a Escuela Nacional Preparatória (antigo Colegio de San Ildefonso) – antes frequentada por Rivera,
Siqueiros, entre outros renomados artistas mexicanos. Foi aqui que ele conheceu
as ideias libertárias, apresentadas por um jovem catalão chamado José Bosch.
No final da década de 20 o jovem poeta
militava junto ao movimento estudantil pela autonomia da Universidade do
México. A despeito da sua precocidade, imiscuiu-se em um mundo de
reivindicações que forjaria as suas ideias e atitudes diante das questões
humanas, sociais e políticas. Foi nesse contexto que Octavio Paz fez-se homem, crítico, poeta e, como muitos do seu tempo, durante a militância
comunista dos anos 20 e 30, fez da esquerda a sua interlocutora
natural por toda a vida.
É durante os anos 30 e o governo de
Lazaro Cárdenas que desenvolve os seus estudos superiores. Cárdenas foi o
responsável por completar as aspirações da Revolução, promovendo a reforma
agrária e a nacionalização do petróleo, implementando ações que atendiam as
reivindicações da classe trabalhadora e do campesinato, reconhecendo-os como
interlocutores no processo político. Foi ele quem ainda em 36 concede asilo
político ao revolucionário russo Leon Trotski. Nesse período, o país vive intensas
transformações e consolida os processos políticos e sociais há muito
reivindicados pela imensa maioria da população mexicana, desenvolvendo-se o
patriotismo e a identidade nacional. Assim, nesse contexto, experimenta na
universidade o desenvolvimento intelectual decorrente das grandes
transformações na vida política e social do país. Desse modo, colabora com a
produção acadêmica por meio das revistas literárias Contemporáneos, Cruz, Raya e Sur,
promovendo discussões e as ideias políticas do pensamento marxista e
libertário, dialogando ainda com a estética do surrealismo francês e o
pensamento de André Gide e Paul Valéry, escritores como Malraux, Kafka, Saint-John
Perse, T. S. Eliot, Thomas Mann, Herman Hesse, Gorki e William Faulkner. Afinal,
a época esses autores – tal qual a maioria deles – conciliavam espontaneamente
a modernidade estética e a radicalidade política. Como não poderia ser
diferente, alguns autores da literatura espanhola moderna também os
influenciaram, sobretudo, Claudio Guillén, García Lorca e Ortega y Gasset.
No contexto mundial pós-guerra,
desenrola-se a Revolução na Rússia, a depressão na America e a ascensão do nazi-fascismo
na Europa. Na Espanha, a Guerra Civil representa a aurora de uma “nova era”. Inflamam-se
os debates em torno do que representaria a Revolução na Espanha para o mundo,
revelando não só a efervescência desse período bem como o caráter dinâmico e heterodoxo dos processos políticos e da
intelectualidade na época, na medida em que opunham-se ao fascismo os comunistas,
socialistas e anarquistas tanto quanto discordavam entre si.
Em 1937 Octavio Paz é convidando para
participar do II Congresso Internacional de Escritores Antifascistas em
Valência na Espanha, cujo objetivo era reafirmar e organizar a resistência ao franquismo - ditadura do general
Francisco Franco (1939-1976). A experiência espanhola despertou no poeta uma
nova forma de pensar. Os embates políticos, a luta feroz, o contato com
diversos artistas e intelectuais europeus lhe desperta e aguça a critica e a
necessidade de independência, liberdade intelectual e identidade latino-americana.
Assim, os seus escritos mostram as rupturas e as tentativas de reconciliação, a
instabilidade e a insegurança, os confrontos entre os homens e a natureza, o
reencontro do homem com as suas origens.
Ainda na Europa descreve os horrores
da guerra civil espanhola. Na obra Itinerário denuncia o franquismo como um terror caracterizado pela “forte atuação da
autoridade e de seus instrumentos: a polícia e o exército.” Espécie de
“violência institucionalizada, que possuía somente duas opções: o capitalismo
profano ou o fascismo homicida.” Á
tentativa frustrada em 1938 de combater no front da revolução pelo Exército
Republicano, retorna ao México com a missão de promover a luta do povo espanhol
contra o fascismo, colaborando na fundação do periódico El Popular, descrevendo
a situação na Espanha e promovendo as ideias da esquerda mexicana. Conhece Gide
e Péret, Hemingway e Dos Passos, Buñuel e Dali. Sem precedentes, a Guerra Civil
Espanhola despertou a solidariedade de artistas e intelectuais por todo o mundo,
forjando as obras de George Orwell, Pablo Picasso, Ernest Hemingway, entre
diversos outros nas mais variadas expressões artísticas.
Quando a Guerra Civil Espanhola
termina inicia-se a II Guerra Mundial. Com o fim do conflito na Europa, aos 31
anos por meio do serviço diplomático mexicano passa seis anos na França. Identificado
com as ideias trotskistas e o surrealismo, Péret apresenta-o a André Breton e
Albert Camus. A influência de ambos acentuam
às suas posições surrealistas, libertárias e antimarxistas. Nesse período trava
contanto ainda com André Malraux, Cornelius Castoriadis, François Mauriac, Raymond
Aron, Jean-Paul Sartre, incrementando os seus conhecimentos filosóficos e a
critica literária e política.
O pensamento inconformado, porem, não
se entrega ao niilismo cínico, tampouco se submete a teoria da "lógica da historia" – inexorável,
onipresente e onipotente. Esse período amadurece o seu pensamento e estabelece
a ruptura com a hegemonia européia. Volta-se
para o homem e as origens. Percebe-se, nesse momento, o dialogo e a influência de
Freud e da psicanálise – a influência do inconsciente que delineia a construção
surrealista, e a primazia da autonomia individual em oposição ao individualismo
de mercado. Conforme somos seres incompletos, que inventamos e nos afirmamos pela
cultura, trata-se de buscar a transcendência, sublimar as imperfeições, propor
novos enigmas que alicercem a existência humana. Essas inquietações levaram-no
a pensar, sobretudo, a conformação sócio-cultural mexicana e latino-americana.
Talvez por isso aproxima-se da antropologia na França, conhecendo desde os Tristes
Trópicos de Claude Lévi-Strauss a A erva do diabo de Carlos
Castañeda.
Essas experiências, trouxeram-lhe novas
formas de pensar e se posicionar diante do homem e do mundo, expressando a
sensibilidade em muitas das suas obras, bem como os dramas, as complexidades e
os sentimentos mais profundos do homem. O período que vive no oriente – Índia e
Japão –, e o contato com essas culturas torna-o ainda mais introspectivo, aprofundando
a sua sensibilidade com relação ao homem e a natureza.
De volta à terra natal, Paz deu voz ao
vento, a pedra, a água. “A palavra é o próprio homem.” A vida dos homens simples
e os dramas do cotidiano. Quando da entrega do Prêmio Nobel, não se esqueceu
das origens e da cultura dos povos indígenas, que “nos fala na linguagem
cifrada dos mitos, das lendas, das formas de convivência, das artes populares,
dos costumes. Ser escritor mexicano significa ouvir o que nos diz seu presente
– essa presença. Ouvi-la, falá-la, decifrá-la: dizê-la”. O poeta se foi, mas,
como o vento a sua voz segue... .
Referencias
“A modernidade no ensaísmo político de
Octavio Paz” – Aline Pagotto http://www.acervodigital.unesp.br/handle/123456789/61224
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