quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Doutor Pacheco, o Virtuoso



Doutor Pacheco é um grande homem, sobretudo, do ponto de vista físico. Largo, imenso, adiposo. Algo do tipo “homem-curva” ou “homem-nádegas” Andradeano. Doutor Pacheco é o típico “doutor” bacharel em Direito. Burguês, soberbo, reacionário, provinciano. “Ilustrado” nas ciências forenses, criado nas varas dos tribunais, tinha elevada estima de si, conforme convêm a tradição dos notáveis fidalgos que vivem do oficio de manipular a lei e julgar a plebe. Por esses motivos, naturalmente desfrutava de grande prestigio político e social. 

No Brasil, os grandes homens, sem embargo ou embaraços convertem em capital o prestigio político e social. É justo e um dever levar vantagem sempre e em tudo. Assim, não se dispensa a amizade ou a estima do homem dos tribunais. Por essa razão Doutor Pacheco desfruta do privilegio do acesso a contatos políticos, sociais, econômicos e a informações vantajosas. Foi assim que o ilustre magistrado tornou-se um prospero empreiteiro.  Assim é que o homem do judiciário se torna o artífice de políticas públicas habitacionais, articulando comunidades pobres e as elites políticas regionais.  O trato nas cortes permite o rápido aprendizado sobre as manhas e as artimanhas próprios das entranhas do poder. 

A política habitacional funciona subsidiada pelo banco estatal. O banco estatal dispõem de tecnocratas que avaliam, subsidiam e aprovam ou não o financiamento dos projetos privados. A iniciativa privada executa-o articulada com entidades sociais – associações locais de trabalhadores ou bairro. Assim se constrói a trama que beneficia grupos empresariais privados, favorece lideranças políticas regionais em torno de demandas sociais e políticas públicas governamentais. Nada além do velho Estado patrimonial a serviço do lucro e da manutenção do poder, porém, com uma roupagem adequada ao contexto democrático desenvolvimentista. Mais politicas sociais equivale a maiores investimentos do setor público no privado, maior adesão social a mais manipulação de lideranças regionais e menor participação popular.  

Se em tese a política é pública e de caráter social, na pratica prevalece o lobby político local e o interesse econômico privado – é a política subordinada ao econômico. Doutor Pacheco é um bem sucedido homem de contatos e contratos. O tribunal assegura contatos, a empreiteira contratos. Seus projetos habitacionais vão atrás de demandas, antes as econômicas que as sociais. Primeiro o econômico e privado, depois a demanda e o interesse público e social. Foi por meio dos seus contatos no tribunal que Doutor Pacheco conseguiu ligar seu projeto habitacional milionário a uma entidade social forte – um grande sindicato local – e ao parlamentar certo, de modo que os tecnocratas do banco estatal deram prioridade ao seu projeto, subsidiando com apoio técnico, “ajeitando” as questões burocráticas, as exigências públicas e legais. 

Doutor Pacheco é um homem de negócios, pragmático e ambicioso. Vaidoso, não dispensa reverencias, formalidades e liturgias. Pouco menos os hábitos e gostos burgueses – perdulário, pedante, frívolo. Embora no ambiente profissional apresente-se como um sujeito sóbrio, austero e até severo, em público dissimula simplicidade, descontração e modéstia. Um escritor alemão já dizia que “somente os velhacos são modestos.” No ambiente privado, porém, revelava a mediocridade, a arrogância e o caráter autoritário típicas da burguesia. Doutor no ambiente público e privado, senhor em casa, coronel no sertão – na fazenda as crianças retiram-lhe as botas, enquanto o séquito de agregados presta reverencia em um cortejo nauseante de bajulação, gratidão, lealdade, subserviência. Só tinha visto isso antes em filme - a realidade é que imita a arte ou a arte imita a vida?

O projeto do pragmático Doutor Pacheco assegura-se por meio de relações clientelistas e pessoais de poder. Comanda seus negócios e a sua empresa como a sua casa. A empresa, de fato, é uma extensão da família – os arranjos profissionais e o quadro de funcionários estrutura-se por meio de relações familiares ou estreitos vínculos pessoais. Filhos, sobrinhos, esposa, namorado, cunhado, genro, nora, primos ou amigos dos amigos fazem da empresa do Doutor Pacheco um negócio seguro, agradável e prospero. Assim, Doutor Pacheco pode dispensar os rigores e os excessos das exigências inconvenientes da burocracia, técnica, objetividade, imparcialidade, seleção. Doutor Pacheco é tão pragmático que dispensa estudos e pesquisas – comprou ele mesmo uma assistente social (consta que a referida formou-se numa Uniesquina por meio da EAD, apenas assinando os laudos técnicos forjados que ela não faz e ignora, chancelando a fraude em troca de alguns tostões e a gratidão do homem do judiciário).  Assim se faz política social no Brasil e na era desenvolvimentista, por meio de homens honrados, visionários, ambiciosos, virtuosos, arrojados, dignos e decentes como Doutor Pacheco! Finalizando, Doutor Pacheco existe aqui no RN, com outro nome, porem, são inúmeros os Doutores Pachecos espalhados Brasil afora construido o Brasil democrático, justo e moderno do futuro! Porque como já disse outro Mario, “ou o Brasil acaba com a saúva, ou a saúva acaba com o Brasil.”

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