Doutor Pacheco é um grande homem, sobretudo, do ponto de
vista físico. Largo, imenso, adiposo. Algo do tipo “homem-curva” ou “homem-nádegas”
Andradeano. Doutor Pacheco é o típico “doutor” bacharel em Direito. Burguês,
soberbo, reacionário, provinciano. “Ilustrado” nas ciências forenses, criado
nas varas dos tribunais, tinha elevada estima de si, conforme convêm a tradição
dos notáveis fidalgos que vivem do oficio de manipular a lei e julgar a plebe. Por
esses motivos, naturalmente desfrutava de grande prestigio político e social.
No Brasil, os grandes homens, sem embargo ou embaraços
convertem em capital o prestigio político e social. É justo e um dever levar
vantagem sempre e em tudo. Assim, não se dispensa a amizade ou a estima do
homem dos tribunais. Por essa razão Doutor Pacheco desfruta do privilegio do
acesso a contatos políticos, sociais, econômicos e a informações vantajosas.
Foi assim que o ilustre magistrado tornou-se um prospero empreiteiro. Assim é que o homem do judiciário se torna o
artífice de políticas públicas habitacionais, articulando comunidades pobres e
as elites políticas regionais. O trato
nas cortes permite o rápido aprendizado sobre as manhas e as artimanhas
próprios das entranhas do poder.
A política habitacional funciona subsidiada pelo banco
estatal. O banco estatal dispõem de tecnocratas que avaliam, subsidiam e
aprovam ou não o financiamento dos projetos privados. A iniciativa privada
executa-o articulada com entidades sociais – associações locais de
trabalhadores ou bairro. Assim se constrói a trama que beneficia grupos
empresariais privados, favorece lideranças políticas regionais em torno de demandas
sociais e políticas públicas governamentais. Nada além do velho Estado patrimonial
a serviço do lucro e da manutenção do poder, porém, com uma roupagem adequada
ao contexto democrático desenvolvimentista. Mais politicas sociais equivale a
maiores investimentos do setor público no privado, maior adesão social a mais
manipulação de lideranças regionais e menor participação popular.
Se em tese a política é pública e de caráter social, na
pratica prevalece o lobby político local e o interesse econômico privado – é a política
subordinada ao econômico. Doutor Pacheco é um bem sucedido homem de contatos e
contratos. O tribunal assegura contatos, a empreiteira contratos. Seus projetos
habitacionais vão atrás de demandas, antes as econômicas que as sociais.
Primeiro o econômico e privado, depois a demanda e o interesse público e
social. Foi por meio dos seus contatos no tribunal que Doutor Pacheco conseguiu
ligar seu projeto habitacional milionário a uma entidade social forte – um
grande sindicato local – e ao parlamentar certo, de modo que os tecnocratas do
banco estatal deram prioridade ao seu projeto, subsidiando com apoio técnico, “ajeitando”
as questões burocráticas, as exigências públicas e legais.
Doutor Pacheco é um homem de negócios, pragmático e
ambicioso. Vaidoso, não dispensa reverencias, formalidades e liturgias. Pouco
menos os hábitos e gostos burgueses – perdulário, pedante, frívolo. Embora no
ambiente profissional apresente-se como um sujeito sóbrio, austero e até
severo, em público dissimula simplicidade, descontração e modéstia. Um escritor
alemão já dizia que “somente os velhacos são modestos.” No ambiente privado,
porém, revelava a mediocridade, a arrogância e o caráter autoritário típicas da
burguesia. Doutor no ambiente público e privado, senhor em casa, coronel no
sertão – na fazenda as crianças retiram-lhe as botas, enquanto o séquito de agregados
presta reverencia em um cortejo nauseante de bajulação, gratidão, lealdade, subserviência. Só tinha visto isso antes em filme - a realidade é que imita a arte ou a arte imita a vida?
O projeto do pragmático Doutor Pacheco assegura-se por meio
de relações clientelistas e pessoais de poder. Comanda seus negócios e a sua
empresa como a sua casa. A empresa, de fato, é uma extensão da família – os arranjos
profissionais e o quadro de funcionários estrutura-se por meio de relações
familiares ou estreitos vínculos pessoais. Filhos, sobrinhos, esposa, namorado,
cunhado, genro, nora, primos ou amigos dos amigos fazem da empresa do Doutor
Pacheco um negócio seguro, agradável e prospero. Assim, Doutor Pacheco pode
dispensar os rigores e os excessos das exigências inconvenientes da burocracia,
técnica, objetividade, imparcialidade, seleção. Doutor Pacheco é tão pragmático
que dispensa estudos e pesquisas – comprou ele mesmo uma assistente social
(consta que a referida formou-se numa Uniesquina por meio da EAD, apenas assinando
os laudos técnicos forjados que ela não faz e ignora, chancelando a fraude em
troca de alguns tostões e a gratidão do homem do judiciário). Assim se faz política social no Brasil e na
era desenvolvimentista, por meio de homens honrados, visionários, ambiciosos,
virtuosos, arrojados, dignos e decentes como Doutor Pacheco! Finalizando, Doutor
Pacheco existe aqui no RN, com outro nome, porem, são inúmeros os Doutores Pachecos
espalhados Brasil afora construido o Brasil democrático, justo e moderno do futuro! Porque como já disse outro Mario, “ou o Brasil acaba com
a saúva, ou a saúva acaba com o Brasil.”
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