quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

As ruas e os revolucionários-empreendedores.

Eles queriam ajudar. "Dar voz" aos excluídos. Face, visibilidade, oportunidades. Nos áureos dias da construção do socialismo pelo desenvolvimentismo a redenção é o acesso ao consumo e ao Estado paternalista! Há algo de encantador, solene e nobre na nova sociedade democrática, socialista e desenvolvida. Tudo palatável, equilibrado, estável, conciliatório, liquido. 

Eles chegaram munidos com a sua parafernália tecnológica revolucionária! Câmeras Nikon, tablets, iphones, notes, carros. Jovens, brancos, belos, bem vestidos, asseados, sarados. Dentes, sorrisos, penteados, perfumados, calçados. Bem intencionados, informados, engajados! De onde saíram tão nobres e belas criaturas? Dignas dos guerreiros celestes, quase não posso acreditar que sejam daqui - pela aparência, discurso, ferramentas, ideais, coragem, desprendimento! Em nada se parecem conosco! Alias, me parece que existe todo um empenho deliberado em não parecer-se, em diferenciar-se e acentuar as contradições, em negar, repudiar, diminuir e se autoafirmar sobre essa horda de estropiados, bestializados, ignorantes, explorados, excluídos, marginalizados. Até a negra parecia branca e o nordestino carioca! Encanto, sedução, alegria, reverencia, medo. Todos estavam extasiados, eufóricos, os sentimentos mesclavam-se e oscilavam. 

Eu já os havia visto antes e, apesar de tudo, para mim pareciam todos iguais, uniformizados, pasteurizados, idênticos. Eu não falo com eles, não olho para eles, recuso a sua presença! Eu desprezo a sua soberba compaixão, o seu torpe esclarecimento, medíocre engajamento! Repudio a sua vil moral cristã burguesa ou o seu arremedo de socialismo indigente, pedante, ingênuo ou cínico. Não! Eu não quero, não aceito, dispenso a compaixão, o esclarecimento, os valores, virtudes, ideias, ideais da jovem burguesia ou daqueles que com ela se associam e se identificam! Mercadores de ilusões, vendedores de sonhos. Os profetas do passado de outrora não passam de toscos arautos do socialismo hightech do futuro com Aplles, Nikes, Nikons, Peugeots e McDonalds pra todos!  "Proletários de todo o mundo"... consumam! 

As suas armas são mais sofisticadas, encantadoras, hipnotizam, seduzem, convencem. Apelam pra fabricação de imagens, discursos, consensos. Minimizam as distancias e as contradições por meio de recursos tecnológicos que superam as limitações físicas de  toda espécie. São os novos Ches e/ou Bakunins que pretendem fazer a revolução sem fuzil ou bomba, antes câmeras, celulares e tablets! São os que pretendem "superar o capitalismo e socializar os meios de produção" consumindo de maneira compulsiva os produtos da exploração do proletariado e/ou mão-de-obra escrava ou semi-escravizada! Espoliando o homem e a Terra como faz o moribundo há dois séculos! Os revolucionáios-empreendedores fotografaram, filmaram, conversaram, discursaram, riram, partiram. Ficamos na rua com medo, frio, fome, tristeza, raiva. Já temos as ruas, falta-nos assaltar o palácio.....

Dias depois imagens ilustravam paginas de sites, publicações impressas, relatórios em gabinetes estatais e de empresas "subsidiando captação de recursos" para "projetos sociais" ou "políticas publicas." Mas, será que eu posso não querer ser - sem parecer ingrato, ignorante ou arrogante - objeto de nenhum projeto, estudo, política da qual eu não seja o protagonista, articulador e artífice? Será que eu posso - sem parecer ingênuo, arrogante ou cínico - recusar o consumismo, o conforto e a acumulação típicos da burguesia que eu abertamente repudio e detesto? Podemos rejeitar a conciliação de classes, o bovarismo, a sobriedade, a assepsia e o equílibrio da vaidosa e orgulhosa jovem burguesia? E se simplesmente alguém recusar incluir-se a ordem, integrar-se ao sistema pelo trabalho, consumo, padrões, ideais, valores, etc? A vaidosa burguesia "revolucionária" aprecia o conforto e as coisas boas das elites, eu não e alguns dos que estão comigo também - basta um abrigo, leito, comida, lazer, natureza, filhos, amor. A Nikon de quatro mil, o tablet de dois, o iphone de outros tantos caíram na boca de fumo por 50 pedras de crack - cerca de 500 reais. Se não valeu o quanto custa, perdeu a jovem burguesia - em patrimônio, petulância e moral. E nessa noite todos riram e dormiram satisfeitos, orgulhosos, sem medo, chapados; com o ódio, a repulsa e a revolta renovadas!


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