segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Família brasileira


Faz tempo que tenho refletido sobre a família brasileira - sacrossanta família brasileira! A instituição capital, o alicerce, o fundamento e a célula-mater da sociedade. Na tradição católica, assentada nas bases da moral judaico-cristã, define-se pela primazia incondicional sobre o indivíduo e todas as demais instituições no interior da sociedade patriarcal. 
Sergio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil sustenta que o papel central exercido pelas relações familiares no processo histórico brasileiro – em termos da estrutura das sociedades que constituíram historicamente a região – seria o que distinguiria a colonização portuguesa das demais na América. Assim, destaca que a sociedade portuguesa, "(...) estreitamente vinculada à ideia de escravidão em que mesmo os filhos são apenas os membros livres desse organismo inteiramente subordinado ao patriarca.(...)", caracteriza-se, por um princípio de autoridade originário da esfera doméstica, que vai constituir-se no "(...) suporte mais estável da sociedade colonial." Eis aí as origens do paternalismo político sobre o Estado.
Embora SBH afirme que o "Estado não é uma ampliação do círculo familiar e, ainda menos, uma integração de certos agrupamentos, de certas vontades particularistas, de que a família é o melhor exemplo”, é relevante considerarmos o tipo de composição familiar peculiar no Brasil, resultante do modo de produção que organiza a sociedade colonial - rural, escravocrata e predatória. Estamos entre senhores, católicos, na ordem do paterfamílias. 
Das instituições sociais brasileiras a família patriarcal é a pedra fundamental - secular, onipresente, onipotente, intocável. O ultimo bastião da moralidade, guardiã da tradição e dos valores que encerram a ordem e a humanidade. A família é o monumento ao atraso, ao conservadorismo, ao medo e a impotência frente a liberdade e a incerteza do amor, com todos os imponderáveis da vida e do futuro. 
A família brasileira ainda é a do status do "chefe" e "pai de família" - lugar do macho, do homem, da força e autoridade naturalizada e incontestável (os assassinatos e violências contra mulher e domésticas mostram que a despeito dos avanços jurídicos e institucionais a tradição segue indiferente e refratária). Lugar do respeitável Seu Jo - trabalhador, cristão, socialmente conservador, politicamente reacionário, severo em casa e descontraído no bar. Seu José no supermercado reclama dos preços, do estacionamento, do repositor e do empacotador. Fala de igual pra igual, com respeito e admiração com o gerente, elogia o empresário. Seu José é empreendedor e se identifica com eles - comerciante. Considera-se uma espécie de Rockfeller, Vanderbilt, Mauá, Matarazzo ou Samuel Klein - ainda que do alto da sua empáfia desconheça-os por ignorância pura e simples. Herdeiro dos senhores de engenho, barões do café, capitães da indústria Trata-se daquela espécie que se orgulha da ignorância - a virtude das bestas -, admira e identifica-se com o opressor - sentir-se parecido é a glória e a vitória! É o winner no laissez-faire do capital periférico - que sequer concebe ou apreende
Devoto de Padre Cícero, temente a Deus, coloca-se imediatamente abaixo deles e acima de tudo - é o senhor da sua vida, sua casa, seus domínios e agraciados. Assim, despreza a solidariedade e a fraternidade, deplora os direitos publico, social e humanos, confiando apenas na força, na astúcia e na providencia - tudo aquilo que convém aqueles com os quais se identifica e admira. Na ordem das coisas do seu mundo, caridade substitui a solidariedade, devoção e submissão o respeito, paternalismo e assistencialismo no lugar de direitos. Altivo, arrogante, presunçoso, tem a convicção de que veio ao mundo para conquistar e ser servido. Das alturas da sua empáfia e ignorância, desdenha e tripudia, destila o seu ódio e desprezo pelos que considera fracos, perdedores, abaixo de si na hierarquia dos marginais  do capital - mulheres, jovens, trabalhadores subalternos, precarizados, excluídos, minorias e/ou diferentes (gays, trans, usuários de drogas, negros, etc). Seu José é machista, sexista, pedófilo, racista, reacionário, mercenário, escravocrata, homofóbico, proto-fascista e cristão - católico ou crente! 
Seu José é modelo cívico de moderação, parcimônia, prudência, hipocrisia e cinismo - no bar se embriaga, perdulário, esculacha e volta pra casa dirigindo superando obstáculos físicos e legais! A lei, o direito, a ética é para os fracos, fracassados, desviados, vitimistas! É o defensor da família, da moral, do macho, da propriedade, do trabalho e da ordem! Seu José defende a sua família, sua propriedade, seus valores, seus direitos e o status quo - tudo aquilo que lhe assegura privilégios, vantagens, posses, prestigio, lucro, poder. Seu José é o brasileiro médio, o perfeito analfabeto político que deplora direitos, políticas públicas, serviços públicos e sociais, saudosista do arbítrio, em tudo só enxerga desordem a margem e negócios ou benefícios para os conquistadores-empreendedores ao centro como se pretende - eis a finalidade da política na sua visão tosca e medíocre! Seu José é um ruminante, incapaz de pensar ou transcender coisa alguma, só faz reproduzir e legitimar a barbárie instalada que consome tudo a sua volta e produz parasitas, vermes que seguem fartando-se dos destroços e restos da humanidade. Seu José é o soberbo típico chefe de família que você encontra hoje no corredor do supermercado, shopping, balcão da padaria, academia, quiosque da praia, restaurante, puteiro, igreja. Seu José é o estandarte da cruzada do obscurantismo contra a educação de gênero, a desmilitarização da policia e da política, favorável a redução da maioridade penal, a criminalização e o extermínio de jovens e das lutas populares e da classe trabalhadora! Eis o retrato sem retoques da família brasileira média na democracia do pais de todos do século XXI! O mais é ufanismo e luta contra as trevas que esse monumento ao atraso representa e persiste.




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