O dia que Sofia morreu eu morri. Não de todo - morte física. Faleci de uma morte pior - morri como pai e homem. Nesse dia deixei um pouco a esperança, o amor, a razão e tudo aquilo que me liga ao mundo - humanidade, civilização, sociedade, solidariedade, fraternidade. Tornei-me algo entre a apatia, o desprezo e o ódio latentes - pouco mais que um niilista compulsivo e depravado. Por que não?
Sofia era da espécie humana, do gênero feminino, criatura indefesa, dócil, dependente, ser puro e em potencial - um vir-á-ser em estado bruto. Quando ela foi assassinada por um homem adulto, esperava a mãe - o pai carrasco foi buscá-la na escola. Havia brincado o dia todo, estava exausta, eufórica, feliz, extasiada.
Recebeu o pai de braços abertos! Sorriso doce! Protegida, agarrou-o pelas pernas, pediu colo, beijou-lhe a face e se foi de mãos dadas, inocente e feliz com o seu algoz. Sofia foi-se pulando, correndo, brincando, rindo. Em casa comeu, viu televisão, num momento de distração e segura sentiu as mãos fortes e imensas ao redor do pescoço, não podia entender ou acreditar naquilo. Entristeceu-se, chorou, lamentou, o corpo reagiu ao que a razão e o sentimento ignoravam e ressentiam. A morte trouxe o alivio a miséria da vida de um dia feliz na sociedade em que as pessoas são objetos úteis, inúteis, convenientes ou inconvenientes descartáveis. Partiu aos 4 anos, resistiu ao ataque brutal e covarde, esperneou, chorou, sufocou, pereceu sem compreender esse mundo, a humanidade e as pessoas e essa é a razão pela qual eu o deploro e luto contra ele. Sofia é só o que me liga aos homens e é por ela que vivo e luto, pelas Sofias que passam e encantam o mundo dos homens e morrem pelas suas mãos. É pelo encanto, amor, graça e esperança que se vive e a vida deve ser isso.
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