O dia que Pedro Bala morreu foi um dia qualquer - nem me lembro. Foi em 96 ou 97. Recordo pouco dele. Era dos tipos matáveis na nossa sociedade. Jovem, dependente químico, pouco instruído, filho de gente pobre e simples, sem profissão, inútil, sem lugar na sociedade.
Pedro Bala antes de se tornar um pária jogava bola, andava de skate, curtia rock, lutava boxe. Nunca foi mais em nada, apenas buscava o seu lugar nos espaços que dispunha. Depois que conheceu o pó se encontrou - ou se perdeu? Não sei. Só sei que se tornou o Pedro Bala - sujeito impertinente, ousado, petulante.
Pedro Bala antes de se tornar um pária jogava bola, andava de skate, curtia rock, lutava boxe. Nunca foi mais em nada, apenas buscava o seu lugar nos espaços que dispunha. Depois que conheceu o pó se encontrou - ou se perdeu? Não sei. Só sei que se tornou o Pedro Bala - sujeito impertinente, ousado, petulante.
Abandonou a escola, o futebol, o skate, o boxe e a galera do punk. Passava os dias entre a boca, os becos, o quarto e o bar - não necessariamente nessa ordem. Tornou-se um estranho inconveniente, ameaçador a comunidade. Quem diria que o inseguro, temerário e dócil Pedro Bala poderia incomodar e afrontar a comunidade?!
Quando estávamos no boxe, lembro que ele falava comigo sobre os dias de futebol e skate pelo bairro. Raramente treinávamos juntos, mas, quando isso acontecia ele não perdia a oportunidade. Em um ano ele deixou o treino - substitui-o paulatinamente pela cocaína. Depois encontrei-o num bar, anestesiado e entorpecido pelo pó, bebemos, conversamos e ele se retirou - era tanto pó que mal podia falar. A dinâmica dele era essa nos últimos meses. Todos conheciam ele desde a infância. Ninguém se importou/manifestou quando ele foi morto - nem eu. Pedro Bala morreu com uma paulada na cabeça por um motivo fútil - como se existisse algum motivo que justificasse a morte de uma pessoa dessa ou de qualquer forma.
Pedro Bala morava há poucos metros do bar do Uberaba - paraibano-mineiro dono da venda da rua. "Uberaba" era paraibano, vindo de Uberaba (MG), foi assimilado a comunidade como "Uberaba". Comerciante útil, honesto, informal, servia à comunidade como lhe convém - vendia no varejo a crédito, na "caderneta" a juros módicos. Uberaba era do tipo que a comunidade aprecia - trabalhador "honesto", "solidário", útil, subserviente.
No dia sinistro estava no seu estabelecimento jogando truco com outros "trabalhadores honestos e pais de família" como ele - seu Cléber, Messias,Valdir; ébrios contumazes violentadores das suas mulheres e filhos. Pedro Bala havia passado o dia todo entre a boca, o quarto de casa e o bar do Uberaba. O itinerário era: boca (pó), Uberaba (cerveja ou pinga), quarto. Entre uma ida e outra uma provocação e esculacho. Num determinado momento acabou o seu dinheiro, mas, não a compulsão pelo álcool e pó e a animosidade. Após ir diversas vezes ao bar do Uberaba pra pedir uma cerveja ou uma dose de cana fiado e desentender-se com ele e seus fregueses, desafiando-o depois de incentivo geral, levou uma paulada fatal no crânio que o deixou estrebuchando no chão até entrar em óbito cerca de uma hora depois. Consta que Uberaba atingiu-o na cabeça com uma ripa de estrado de cama, na frente de diversas pessoas na rua e frequentadores do bar, após ele desafia-lo na frente do estabelecimento pra briga. Ninguém tentou evitar nem separar. Ninguém protestou ou interviu e todos sabiam que alguém iria morrer. No fundo penso que todos ali queriam que ele desaparecesse e aproveitaram a oportunidade em que alguém se dispôs a fazer isso.
Após o incidente, Pedro Bala caiu com o crânio partido e logo começou a sofrer convulsões sangrando pela cabeça. Ninguém o socorreu. Imediatamente todos se retiraram e a policia surgiu cerca de meia hora depois. A policia militar, por sua vez, diante da ausência de pessoas, chamou o resgate, que veio após outros trinta minutos pra constatar o óbito. Quem me contou isso foi o Alex, amigo comum, que morava há um quarteirão da minha casa e da dele, voltando pra casa na madrugada testemunhou a sua morte enquanto a viatura guardava seu corpo convulsionando-se na via publica. Alex contou que ele estava caído com a cabeça no sentido em que a rua desce e que, assim, seguia uma trilha de sangue do seu crânio escorrendo rua abaixo enquanto um dos seus pés tremia. Disse ainda que estava com os olhos abertos e as narinas inchadas e com resquícios de pó as nelas.
No dia seguinte eu passei pela rua e vi o bar fechado e a imensa trilha de sangue na rua. É preciso ficar um bom tempo exposto pra sangrar daquele jeito. É preciso muita indiferença com a vida humana pra se permitir que alguem morra desse jeito. E eu sei que ela existe e faz vítimas todos os dias. É o trato que a cristã e cordial sociedade brasileira dispensa aos seus desajustados e/ou inconvenientes. Faz uns 20 anos que Pedro Bala pereceu nas ruas da Vila Bonilha em Pirituba, não sinto falta dele, lamento pela sua morte e pela humanidade que se foi a época que o conheci e que não sei se ignorava pela nossa inocência ou se isso em nós existe ou existia.....
No dia seguinte eu passei pela rua e vi o bar fechado e a imensa trilha de sangue na rua. É preciso ficar um bom tempo exposto pra sangrar daquele jeito. É preciso muita indiferença com a vida humana pra se permitir que alguem morra desse jeito. E eu sei que ela existe e faz vítimas todos os dias. É o trato que a cristã e cordial sociedade brasileira dispensa aos seus desajustados e/ou inconvenientes. Faz uns 20 anos que Pedro Bala pereceu nas ruas da Vila Bonilha em Pirituba, não sinto falta dele, lamento pela sua morte e pela humanidade que se foi a época que o conheci e que não sei se ignorava pela nossa inocência ou se isso em nós existe ou existia.....
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