quinta-feira, 8 de abril de 2021

 Hoje uma pessoa em situação de rua me abençoou, em troca de uma moeda. Na verdade, não sei se foi por causa da moeda ou porque julgou que eu era digno de uma benção. Não sei o que é uma benção. Não sei o que é Deus. Não entendo os assuntos da espiritualidade, tampouco sobre o divino. Não entendo esse apego arraigado das pessoas ao divino. A um ente superior que ignora a existência atravessada de violência, miséria, dor, tristeza, desalento. 

Não entendo essa religiosidade compartilhada entre os artífices da morte, do ódio e do desprezo e as suas vítimas. Entre os que matam e os que morrem. Entre os que comem, sonham, consomem e os que são apenas consumidos. Não questiono a fé, coisa sobrenatural e intrínseca a essa espécie antiga, corrompida e brutal. Me inquieta conceber um ente divino que seja ocupado ou comprometido com criaturas pouco dignas da vida e que existem com a única finalidade de fazer perecer tudo o que o rodeia. 

Aceitei a sua benção, de bom grado, mesmo sem entender pra que isso serve - seja para mim como para ela. Não sei qual a razão disso. Nem em que medida isso corrompe algo que me parece a própria corrupção. Não vejo nenhuma divindade ou graça na brutal exploração. Na violência desabrida e no egoísmo farto de soberba, ódio, desprezo. A benção parece apenas um movimento automático de lábios e gestos - igual suspirar e piscar. É inerente a existência e nada acrescenta, transforma, sublima. É só um espasmo, um refúgio, um torpor, ou como Freud chamou, uma ilusão. 

Há que se combater o bom combate, como disse o primeiro cristão. Talvez seja o combate da fé inútil, espúria, estupida, cínica. Da crença medíocre e fanática, irracional e antivida em toda a sua plenitude, incapaz de contemplar todas as formas de vida. Nesse dia, talvez, hajam bençãos e seremos divinos, maiores que a nossa tola ilusão e infinita ambição e prepotência.....

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