terça-feira, 19 de abril de 2011

As ruas, à noite e o vício....

Eu já andei pelas ruas a noite acompanhado por demônios. As ruas são feitas de oportunidades, excessos, acessos e falta de opções. Deixei meu lugar na cama ao lado da minha mulher e do nosso anjinho para errar a noite com os demônios. Saí de casa para ir trabalhar e me perdi no caminho, encontrando-me com ele.  As noites na sua companhia são mais escuras, frias, silenciosas, perturbadas. Tudo espreita. Nunca se está sozinho, embora se esteja só. Não se enxerga nada, escuta-se nada, nada se aproveita. Apenas se anda, esconde-se e se consome. São incontáveis as ruas pelas quais passei, os becos e lugares em que estive e pernoitei - é impossível dormir, apenas se descansa um pouco. Troquei a companhia da minha mulher e filha, o conforto da minha casa e cama por ruas desertas, pontes, viadutos, marquises, toldos, becos, vielas, matas, esgotos, terminais de ônibus, rodoviárias, estações de trem e metro, trilhos da ferrovia e o relento. Só uma vez, cochilei na porta de uma igreja católica. Algumas vezes pensava na minha casa, no sono da minha filha e o que aconteceria se precisasse de mim naquele momento? Pensava na minha mulher e na sua agonia, tristeza, medo e frustração. Pensava em como eu podia estar naquela situação, mentir e me consumir. Que tipo de maldição era aquela?! Sentia muita raiva, nojo e achava que devia morrer. E isso era o que acabava justificando o meu retorno ao vício - o desejo consciente de morrer. Com alguma sorte talvez levasse um tiro ou fosse atropelado ou ainda tivesse uma overdose.

Bastava acender o próximo para esquecer tudo durante 15, 20 ou 30 minutos. Enquanto se fuma é um momento em que todos os seus sentidos se concentram de tal maneira que, conscientemente, eu tenho certeza que jamais conseguiria dirigi-los todos de uma vez para um único propósito. Parece que o tempo para, fica impossível pensar, sentir ou perceber qualquer coisa a sua volta. Resta apenas o cheiro e o gosto acentuados da droga. O tempo é o tempo da droga, ela exige tudo e rouba tudo. As vezes por alguns instantes mirava o céu e via as estrelas infinitas e me dava conta que a madrugada avançava. Olhava para as janelas dos prédios com pouquíssimas luzes acesas enquanto eu estava ali, empenhado naquele procedimento paranoico e metódico de fazer um cigarro, acender, apagar e acender de novo e depois fazer outro enquanto as horas passam e as pessoas normais recolhem-se e descansam. Pensava na minha filha, na minha mulher, na minha vida. Usar droga é um alheamento do mundo, do amor, de si. Embora pensasse nisso tudo, tivesse isso tudo e todos os conhecimentos, informações e experiências até maiores que as dos especialistas que ganham a vida com isso, sentia-me abandonado, incapaz e impotente. Conhecer sobre a vida não é viver. Quem pensa que conhece ignora e, para quem quer ajudar, antes é fundamental conhecer. Se o mal é sorrateiro, espreita, se utiliza das nossas fraquezas e seduz com belos adornos, disfarces e palavras, o bem deve estar ao lado daqueles que sofrem, amam, se arrependem e perdoam. Assim é e assim deve ser.

Um comentário:

  1. Essa tua vida literária é muito agitada.
    Você tem força quando fala da solidão e me parece que está num deserto, como em Paris, Texas.

    Aposte nessa força abissal.

    bj

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