terça-feira, 19 de abril de 2011

Das tragédias e tradições


As tragédias são sempre uma grande oportunidade para a reflexão e transformações. Nem sempre isso acontece, principalmente no Brasil. As vitimas sofrem e os oportunistas, como os predadores e carniceiros, estão sempre à espreita de oportunidades! Por aqui criaturas dessa qualidade são quase sempre os representantes das mais elevadas e nobres causas! Com o repertório discursivo da cartilha politicamente correta de ideias, ideais, propostas, projetos, pesquisas a disposição no balcão prontos para serem negociados no momento oportuno. Ele chegou no ultimo dia 07, pelas mãos de um jovem infeliz cheio de ódio e balas. Desde então muito já foi dito e especulado sobre esse rapaz e as suas razões, por incontáveis especialistas e oportunistas. Vou mudar o foco, vou falar das conseqüências políticas. Domínio por excelência das nobres virtudes, campo das grandes propostas, projetos, ideias e, sobretudo, dos elevados recursos! Essa é a questão, simples assim, recursos financeiros e capital político!
No ápice da comoção causada pela tragédia é que os especialistas em “mobilizar”, sobretudo, recursos financeiros se organizam em torno de interesses comuns pouco confessáveis - acumular recursos, capital politico e social. Nessas oportunidades, em defesa das nobres causas - bem comum, interesse público, direitos - grupos especializados ligados a setores políticos envidam para isso todos os meios e esforços – subsídios, incentivos, apoio, recursos públicos. A excepcionalidade da tragédia impõem medidas de exceção, proporcionando facilidades e/ou desobrigando os administradores dos recursos públicos e os seus “parceiros” de se submeterem a determinadas exigências técnicas ou legais. O “calcanhar de Aquiles” da trama, porem, não é a tragédia, é a tradição. Assim, se supõem que determinados grupos e/ou extratos sociais dispõem de prerrogativas morais, desígnios superiores inerentes a própria condição de classe, profissão, confissão ou tradição que lhe asseguram idoneidade, honestidade, integridade, confiança. Insuspeitos, estão dispensados de submeterem-se a controles ou fiscalização. Conforme sejamos avessos a universalidade e impessoalidade das regras, submeter-se representa uma afronta e constrangimento.
A nossa tradição determina uma maior tolerância com determinados grupos e/ou extratos sociais sob certas circunstancias e em algumas ocasiões. A indistinção entre publico e privado se estende a indiferença da sociedade ao patrimônio público, complementando, naturalmente, a dispensa à fiscalização e controle. A base de sustentação dessa urdidura se dá na cooptação de amplos setores sociais – sociedade civil, iniciativa privada, setores acadêmicos - que legitimam essas ações. A capilarização do esquema garante maior complexidade na medida em que se compartilham interesses e responsabilidades.
A tradição determina parâmetros estabelecidos por vínculos de confiança e lealdade entre os envolvidos para alem das afinidades e interesses. A despeito do maior envolvimento de setores sociais - isso se explica, de um lado por exigências de legitimidade impostas pelo contexto democrático e, de outro para garantir a adesão popular - não são democráticos, não agregam, são restritos e fechados. Nesse sentido, não se renovam, nem os grupos e/ou extratos sociais, tampouco as suas práticas, ao contrário, perpetuam-se. Sempre os mesmos e mais do mesmo, reciclados ou adaptados - exercício de perfumaria e tautologia -, conforme as tendências estabelecidas pela cartilha politicamente correta, o gosto pela indolência intelectual e a mediocridade política. A incorporação de outros grupos ou setores sociais e políticos se dá de acordo com necessidades ou interesses, sendo valorizados apenas como pontos de apoio para sustentação, acesso e manutenção dos canais de acesso ao poder e ao fundo público.
Os movimentos sociais não são toda a sociedade - muito menos o povo! -, a expansão da sociedade civil organizada não corresponde à maior participação popular, o incremento das políticas sociais e instituições democráticas não asseguram o exercício da cidadania, o constitucionalismo nominal não representa maior adesão à democracia e o maior volume de investimentos e recursos não garante a qualidade e a eficácia das políticas públicas. A tradição é a tragédia.

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