sábado, 2 de abril de 2011

DI$CUR$O E PODER


Eu não sei o que fazer para enfrentar a questão do crack - eu sei o que eu fiz para lutar contra dele. Admira que ainda não saibam - com tantos estudos, especialistas, abnegados e altruístas dedicados a isso! No Brasil, paradoxalmente, quanto mais especialistas e altruístas se dedicam a um determinado problema pior ele fica! Quanto mais recursos são destinados para o enfrentamento da questão pior ela fica! Agora enquanto escrevo folheio um estudo - pesquisa - feito pelo ILANUD sobre a crackolandia há 14 anos – essa pesquisa foi coordenada pelo sociólogo e meu ex-professor de Ciência Política. Quanto custou apenas esse estudo? Não interessa, ninguém pergunta, não importa! Só sei que as pessoas que o fizeram continuam lá – ILANUD, NEV/USP, SSP, MP, MJ -  fazendo os mesmos estudos, discursos, seminários, congressos, barganhando prestígio e status, galgando cargos na administração publica – atingindo os altos escalões da administração federal, estadual ou municipal, acumulando cargos, onerando duplamente o erário.

Sei tambem que utilizam espaço e infraestrutura publicas por meio de manobras e brechas legais, vendendo serviços para entidades privadas, auferindo lucros igualmente privados. Manipulando estatísticas e indicadores com propósitos políticos, produzindo informação e conhecimentos que nunca saem dos mesmos ambientes e sempre são apresentados, lidos e celebrados pelas mesmas pessoas, nos mesmos círculos restritos e inacessíveis ao grande publico. Quanto será que já foi investido, em todos os âmbitos da administração - federal, estadual e municipal - para o enfrentamento desse problema – violência e crack? O fato é que nos últimos 15 anos, houve um incremento nas políticas de enfrentamento. Hoje, a despeito dos estudos e investimentos, o único consenso diz respeito ao avanço avassalador do crack em todas as classes e faixas da sociedade - homens, mulheres, jovens, crianças, idosos! De acordo com dados do Ministério das Cidades, 98% - NOVENTA E OITO POR CENTO! - dos municípios admitem problemas relacionados ao consumo de crack.  Dados do Ministério da Saúde informam que o consumo de crack aumentou 1000% - MIL POR CENTO! - em três anos nas cidades brasileiras – 2007/2010. 

Por outro lado, a despeito de todo esse incremento em termos de investimentos em recursos humanos, tecnológicos, técnicos e políticas publicas, paradoxalmente os resultados são constrangedores, alarmantes, um retumbante fracasso como os dados acima demonstram!  Constrangedor são ainda o tabu e preconceito com relação a esse assunto, bem como, a omissão da sociedade e a interdição dele em certos espaços. No Brasil, quem vive não pensa (ou não deve pensar), quem pensa não vive. Explico-me: para reivindicar "autoridade" - moral e/ou intelectual - e, assim poder pensar, estudar e falar sobre determinado assunto deve-se conhecê-lo apenas em teoria, não na prática. Quem pensa, estuda ou escreve sobre drogas nunca usou ou conviveu com um usuário, sobre favela nunca morou ou conviveu com favelados e sobre prisão nunca esteve em uma ou conviveu com ex-detentos! Evidente que para falar sobre os efeitos do crack não é necessário usá-lo, entretanto, quando perpassa e atinge diversas instituições, indivíduos, situações e contextos e, torna-se uma epidemia, psicologizar, abstrair ou simplesmente reprimir é demasiado cômodo e superficial. A questão é mais complexa do que supõem os nossos especialistas e a infalível ciência! É bom que se diga, a interdisciplinaridade no Brasil, tanto na academia quanto na administração publica não passa de enfeite de retórica. O postulado da ciência é a verificação empírica dos seus pressupostos e, é a realidade prática que deve colocar a prova a teoria e não o contrário! O desprezo da ciência pela experiência é histórica! 

A época do Renascimento, a escolástica repudiava as experiências dos químicos, físicos e astrônomos "amadores" que ousavam pôr a prova os postulados infalíveis das cátedras! O Brasil é um caso a parte e uma longa historia de ignorância, preconceitos, omissões, descasos, desprezos, empáfia, soberba, desleixo, oportunismo e desonestidades de toda espécie, conforme nos ensinam nossa Historia e tradição política. Desde a época do desprezo pela religião (fé), passando pelo repudio ou deboche aos saberes populares e à intuição ou crenças. Nessas paragens, a verdade é que a ciência presta-se, sobretudo, a manutenção de relações de poder que sustentam elites intelectuais aristocráticas. Consiste em um procedimento de exclusão e interdição a serviço dessas elites para a manutenção desse mundinho de vaidades e privilégios que caracteriza-se pelo pedantismo, diletantismo, irresponsabilidade publica e social. Trata-se de uma sub-espécie de casta, intocável, inexorável, que se pretende onipotente e onisciente. Alheia a realidade, quanto maior a distância maior o desprezo.  Lima Barreto e Fernando Pessoa, que eram bêbados e não tinham o "diploma de bacharel" - no Brasil, funciona como atestado de idoneidade, competência, sapiência - perceberam isso muito antes dos críticos acadêmicos. Não basta viver, é preciso emprestar a legitimidade de determinada instituição para falar sobre determinado assunto – Clastres e Foucault falam disso, entre outros. 

A realidade do mundo é sempre contraditória demais, complexa demais, absurda demais para os padrões, regularidades e convencionalismos acadêmicos. Afinal, a polícia ou os assistentes sociais estão aí para lidar com a realidade. O chão quase sempre é insuportável para aqueles que estão acostumados a enxergar o mundo do alto,"estudando" a sociedade - mero "objeto" de estudo, como qualquer outro! -, desfrutando de prestigio, status e privilégios bancados por essa mesma sociedade que eles excluem em nome de um suposto "mérito" científico para o próprio benefício da sociedade, claro!  Como não haveria de ser?! A sabedoria popular informa: “quando a esmola é demais o santo desconfia!” O fato é que a universidade considera-se um mundo a parte - apartado da sociedade e pairando sobre ela. Considera ainda o conhecimento o seu patrimônio, tal qual qualquer propriedade privada e que deve ser defendida a qualquer preço. Considera ainda, o saber um produto exclusivo de uma minoria de privilegiados, uma casta de eleitos, uma espécie de maçonaria que confere ao saber um caráter sacrossanto digno de uma cruzada, tal qual o consideravam os burgueses fanáticos iluministas. Acostumada a olhar a sociedade de cima, com curiosidade intelectual ou compaixão paternalista e sempre desprezo, dissimula os seus mesquinhos interesses de classe e corporativos. Nem vou me atrever a cogitar sobre as teorias do real e do ideal, da representação e do objeto, do ser e parecer. Se falar que usou crack perdeu a credibilidade para falar sobre ele. Se frequentou presídio ou favela, mas não esse ou aquele "núcleo de estudos" ou "pesquisas" voce nada sabe ou não tem "autoridade" para falar sobre o "assunto", ainda que o "assunto" ou "objeto" - melhor dizendo - seja o seu cotidiano e você disponha de subsídios metodológicos, empíricos e teóricos. Quando muito seu conhecimento será rebaixado, desqualificado como "saber popular" ou "comunitário", o que equivale quase à fantasia, delírio, "brisa", lenda ou fábula. Por esses motivos é que o assunto drogas é tabu entre pais, educadores e nas escolas e paróquias, por isso é que muitos se sentem constrangidos e desautorizados a falar. Porque a "verdade" é restrita a certos círculos e autoridades, o discurso foi subtraído àqueles que experimentam e vivem a triste realidade cotidiana do flagelo do vício e da violência. A negação de direitos começa aí - na interdição ao discurso e a restrição a determinados ambientes. Finalizo com Darcy Ribeiro, intelectual e homem publico, que andava pelas ruas e detestava a indolência intelectual: "um saber que não atua é um saber vadio, diletante e ornamental.”

Um comentário:

  1. E estamos nós aqui bachareis que somos e, portanto, com autoridade para falar e dar voz aos que nao tem voz. Voce como dependente em recuperaçao e eu como familia de dependente. Vamos lá!

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