sexta-feira, 29 de julho de 2011

Nobre arte


O senso comum julga o boxe violento. Julga-o um esporte para brutos. Julga que se trabalha apenas os braços e a parte hepática. O boxe é muito mais que isso. Sou suspeito para falar, pratiquei-o por três anos. Asseguro, no entanto, que um treino decente - não necessariamente preparatório para um combate – não dura menos de duas horas. Envolve corrida, corda, exercícios abdominais, alguns exercícios de braço – resistência e musculação -, sombra, exercícios de saco e uns três rounds de luvas – luta treino. Chegava a perder até dois quilos em um único treino bem puxado! Alias, quem pensa que o combate também é fácil deve saber que três minutos, batendo e apanhando no ringue, esgota o individuo mental e fisicamente. Apenas para fazer uma comparação, dependendo do adversário, três minutos no ringue, me cansavam tanto quanto quando subir o Pico do Jaraguá correndo!

O Jeferson e o Daniel eram desses. Sujeitinhos difíceis de cair e de lutar. Eu também devia era, afinal, em três anos nenhuma queda. Ambos estavam, alias uma categoria acima da minha – pena (57 kg). Na minha não tinha ninguém, apenas um abaixo e todos os demais acima – eu era galo (54 kg). Esse, no entanto, não era o meu principal problema – fora a balança. Meu maior adversário no boxe era a baixa estatura e envergadura. Em três anos nunca enfrentei um adversário da minha estatura ou menor, portanto, era sempre eu quem tinha que procurar o adversário e dar o combate. Assim, me expunha mais e corria mais riscos. Minha vantagem era a velocidade, força e o jogo eclético – modéstia a parte, tinha um bom repertorio de golpes.

Todos os dias pela manhã treinávamos eu, Jeferson, Vanderlei – campeão brasileiro de Muay Thai na categoria dos médios – e o seu Leocádio – arbitro aposentado da Federação Paulista de Pugilismo. O seu Leocádio já devia ter seus sessenta e poucos anos, mas treinava quase todo dia. Ele gostava da minha disciplina e do meu jogo, então me emprestava seus vídeos para que eu pudesse aperfeiçoar minha técnica. Vendo eles pude conhecer Sugar Ray Robinson, Muhammad Ali, Ken Norton, Eder Jofre, Joe Louis, Rubin Carter. Vi as melhores lutas de Chiquita Gonzalez, Michael Carbajal, Pernell Whitaker, Julio Cesar Chavez, Felix Trinidad, Roberto Duran, Vinny Pazienza, Sugar Ray Leonard, Mike Tyson e Evander Holyfield. De todos esses, no entanto, não me esqueço de um ilustre desconhecido: Cecílio Espiña – campeão norte americano dos leves ou dos galos, nem me lembro mais. Nunca tinha visto um boxe tão rápido e preciso e uma variação tão complexa de golpes! Impossível decorar a luta dele, cada round era outro pugilista!

O Jeferson teve a infelicidade de conhecê-lo por meio dos meus punhos dias depois. O capacete e o protetor de boca dele foram parar fora do ringue, mas, ele terminou o combate em pé. O Valdevino não se empolgava. Veterano de boxe tinha o seu estilo peculiar de treinar e motivar seus atletas. Foi três vezes campeão brasileiro em duas categorias, em meados dos anos 80 – pesos galo e pena. Motivava quando se estava na lona e freava quando se estava no ringue ou no pódio, ou se pensava estar no seu lugar mais alto. Para ele ninguém nuca perdia. Ao final de um combate quando perguntavam sempre dizia: "ganhou experiencia." Na época eu não tinha a maturidade necessária para entendê-lo, então muitas vezes me frustrava. Foi mais por isso que deixei o boxe, embora já admitisse que não fosse possível continuar na medida em que percebia cada vez mais que o boxe é incompatível com uma vida comum: ou se dedica exclusivamente a ele ou contenta-se em ser saco de pancadas dos que podem fazer isso.

Quando parei de treinar trabalhava e estudava a noite, ou seja, treinava no máximo três vezes por semana e ainda após um dia de trabalho, quando faltava a aula. Minha ultima luta foi logo que completei vinte anos. Foi com um rapaz do São Paulo que estava visitando a academia como preparação para o Kid Jofre. Para piorar ele era uma categoria acima da minha e, obvio mais alto. Embora treinasse pouco, tinha um excelente preparo de pernas e meu jogo era bom. Seu Leocádio dizia que eu era “esgrimista.” O meu adversário era do tipo “mata cobra.” Tinha raiva deles. Levei uma surra homérica. Terminei o combate em pé e abalei a convicção do rapaz. Afinal, mais pesado, com envergadura maior e mais treinado, ainda assim saiu machucado e não me derrubou. Quando eu conseguia entrar e encurralar nas cordas, era uma maquina de bater. Alternava os golpes e não deixava muitas alternativas: era sair ou cair! Enquadrei ele algumas vezes. Golpes curtos, potentes e precisos! Era bom em uppers. Batia bem de esquerda. Judiei dele. Upper de esquerda e cruzado curto de direita. Em compensação em todos os rounds era pelo menos um direto certeiro. No ultimo round tomei uns dois ou três seguidos, perdi por completo a noção de distancia e só não cai porque tinha um excelente preparo de pernas, elas não dobraram. Acho que o cara também não tinha mais força para tanto. Desci do ringue e fui bater saco ainda – pouco folgado! Fiz a serie toda de sacos e fui tomar banho – três sacos de areia (30, 40 e 60 kg). Fui para casa, comi e desmaiei no sofá. A hora que eu acordei é que percebi o estrago. Tenho marcas até hoje dessa luta, dezesseis anos depois. Passei uma semana com o lado esquerdo do rosto destruído, mal podia abrir o olho, quase fui demitido! Cerca de um mês depois treinei. Treinei novamente uma semana antes da luta do Tyson com o Mcneeley. Depois abandonei o boxe. Fiquei tão frustrado que passei a beber, voltei a fumar e passei a usar drogas.

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