terça-feira, 31 de julho de 2012

Drogas e amigos: verdades, meias verdades e preconceitos.


Eu usei drogas por cerca de vinte anos. A primeira vez que tive contato com elas foi aos 13 anos em 1988 – ganha um “fininho” quem acertar qual foi ela. Antes já havia experimentado álcool e tabaco. Fumava Benson & Hedges ou Salem mentolados com um colega da escola.  Fiz o mesmo caminho de muitos – álcool, tabaco, maconha. Há uma tendência a desassociar a maconha das outras drogas, sobretudo em desvinculá-la a “porta de entrada” delas. De uns anos pra cá, por diversos motivos – influencia ou pressão social, internacional, estudos científicos, fracasso inevitável da repressão, entre outros -, o aumento da tolerância à maconha contrapõem-se ao discurso conservador/repressor e falacioso de que “ela conduz as outras drogas.” Até hoje esse é o principal argumento daqueles que se opõem a sua descriminalização e legalização.  Por outro lado, penso que há excessos e equívocos de ambas as partes – e falo somente como usuário de duas décadas. Conforme já disse, meu caminho foi álcool, tabaco, maconha, respectivamente. Nesses vinte anos todos os meus amigos, colegas e conhecidos usuários de drogas, alguns até vinte anos mais velhos, admitem ter trilhado o mesmo caminho que eu. Nessas duas décadas, fazendo uso constante, por todos os lugares em que passei – várias cidades em três estados – não conheci um único usuário de crack ou cocaína que tenha começado sua experiência com drogas fazendo uso delas. Há, no submundo das drogas, algumas regras ou costumes estabelecidos e aceitos por todos. Sendo assim, tão natural quanto é no tráfico não vender drogas para desconhecidos o é para os usuários usarem pela primeira vez entre amigos ou colegas. Nesse sentido, por mais paradoxal que pareça, sobretudo, para os “especialistas” de gabinete – progressistas ou conservadores -, há certo cuidado de uns – os mais experientes – para com os outros – os novatos. Assim, não se admite que um sujeito que nunca usou drogas inicie a sua experiência com as mais fortes – pelo menos não entre amigos. Evidente que não se trata de generalização, posto que toda regra tenha exceções. Essa, porem, foi a minha experiência e a de muitos que conheci nesses vinte anos.
Oito anos após conhecer a maconha experimentei cocaína – também entre amigos. Descobri da pior maneira que tenho baixa resistência às drogas químicas. Estudos indicam que um percentual considerável de usuários de cocaína não se tornam dependentes – não foi o meu caso.  Consta que apenas 22% acabam adquirindo drogadicção. Nessa mesma época experimentei o mesclado – maconha com crack – e não gostei. Estava fissurado na cocaína. O uso aumentou tanto em quantidade quanto em freqüência até o dia em que perdi tudo – o emprego, o controle, a razão, o juízo, a vergonha e a reputação. Por isso me envolvi em um esquema de furtos e fraude de cheques. Passei de usuário a pequeno traficante de maconha e acabei assinando um 16 – artigo do Código Penal que tratava do uso de entorpecentes. Após essas situações fiquei cerca de um ano sem usá-la. Depois só fiz uso “recreativo” – se é que isso existe -, minimizando a fissura com o álcool.
Dezesseis anos após experimentar maconha que o meu problema com o crack começou. Conforme dito antes, já havia experimentado, mas, nessa época, sem maiores compromissos e responsabilidades – sem relacionamento, sem estudar, sem filhos, sem aluguel - e, bastante frustrado, mergulhei de cabeça nas drogas – em todas elas. Conforme tivesse um ótimo salário – dez mínimos – e morasse com meus pais, consumia álcool e drogas diariamente. Embora tivesse muitos amigos e colegas usuários no bairro, nessa época, coincidentemente os “vínculos” se fortaleceram. Vivia acompanhado e a minha mesa no bar cheia! Até os que pouco falavam comigo ou apenas me cumprimentavam se tornaram “grandes amigos.” A época de fartura durou um ano, depois fui trabalhar no RJ e passei um ano e meio lá. Quando retornei – sem dinheiro e sem trabalho – os “velhos amigos” já não eram mais tão “amigos”. Desse modo, conforme o meu vício se acentuava, o dinheiro também era suficiente apenas para o meu consumo, assim, afastei-me de lugares que antes frequentava e muitos dos que eram meus “amigos” nos tempos da fartura agora me evitavam e mal me cumprimentavam na rua – em certos locais ou com certas pessoas nem isso.  Na verdade, muitos passaram a me discriminar – falavam de mim pelas costas. Soube que uns me ridicularizavam, outros me criticavam, outros se compadeciam e uns sentiam-se satisfeitos com a minha decadência. Apontavam-me e a pessoas da minha família nas ruas. Meu irmão se envergonhava de mim e alguns falavam com ele – nunca comigo. Curioso como quando se trata da vida alheia e, sobretudo, para criticar, julgar e condenar alguém todos se mostram "experts" e moralistas – inclusive gente que não me conhecia e até notórios bandidos e viciados crônicos do meu bairro. 
Quando parou de usar drogas um veio falar comigo. Disse que nunca havia falado comigo antes porque vivia alucinado nos seus vícios – cocaína e maconha. Falou que todos os que frequentavam sua casa e a faziam de “point” quando me viam passar por lá me apontavam e comentavam à meu respeito – de forma piedosa ou zombando. Quando ele deixou de usar drogas todos desapareceram e se afastaram dele também nas ruas – ele também pensava que tinha "amigos."
Apenas dois falaram abertamente comigo, entretanto, de forma equivocada e no momento errado – tentaram “conversar” quando eu estava sob efeito do crack. Não os culpo, não existe "manual de instruções" ou "treinamento" para isso, entretanto, penso eu, todos devem usar de bom senso, sobretudo, os esclarecidos e sóbrios. Lamento apenas ter percebido preconceito, desconfiança e ressentimento nas suas falas e olhar – discurso carregado de moralismo, soberba e até raiva e ignorância (talvez por decepção). Às vezes penso em reencontrá-los - todos eles -, mas, fizeram parte de uma história da minha vida que se foi e deve ficar para trás, com seus bons e maus momentos. Minha vida é maior – as drogas foram apenas parte dela - e o que é e virá importam mais – presente e futuro.  

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