Eu usei drogas por cerca de vinte
anos. A primeira vez que tive contato com elas foi aos 13 anos em 1988 – ganha
um “fininho” quem acertar qual foi ela. Antes já havia experimentado álcool e
tabaco. Fumava Benson & Hedges ou Salem mentolados com um colega da
escola. Fiz o mesmo caminho de muitos –
álcool, tabaco, maconha. Há uma tendência a desassociar a maconha das outras
drogas, sobretudo em desvinculá-la a “porta de entrada” delas. De uns anos pra
cá, por diversos motivos – influencia ou pressão social, internacional, estudos científicos,
fracasso inevitável da repressão, entre outros -, o aumento da tolerância à maconha contrapõem-se
ao discurso conservador/repressor e falacioso de que “ela conduz as outras
drogas.” Até hoje esse é o principal argumento daqueles que se opõem a sua descriminalização
e legalização. Por outro lado, penso que
há excessos e equívocos de ambas as partes – e falo somente como usuário de duas
décadas. Conforme já disse, meu caminho foi álcool, tabaco, maconha,
respectivamente. Nesses vinte anos todos os meus amigos, colegas e conhecidos
usuários de drogas, alguns até vinte anos mais velhos, admitem ter trilhado o
mesmo caminho que eu. Nessas duas décadas, fazendo uso constante, por todos os
lugares em que passei – várias cidades em três estados – não conheci um único usuário
de crack ou cocaína que tenha começado sua experiência com drogas fazendo uso
delas. Há, no submundo das drogas, algumas regras ou costumes estabelecidos
e aceitos por todos. Sendo assim, tão natural quanto é no tráfico não
vender drogas para desconhecidos o é para os usuários usarem pela primeira vez entre
amigos ou colegas. Nesse sentido, por mais paradoxal que pareça, sobretudo,
para os “especialistas” de gabinete – progressistas ou conservadores -, há certo
cuidado de uns – os mais experientes – para com os outros – os novatos. Assim, não
se admite que um sujeito que nunca usou drogas inicie
a sua experiência com as mais fortes – pelo menos não entre amigos. Evidente que não se trata de generalização, posto
que toda regra tenha exceções. Essa, porem, foi a minha experiência e a de
muitos que conheci nesses vinte anos.
Oito anos após conhecer a maconha
experimentei cocaína – também entre amigos. Descobri da pior maneira que tenho baixa
resistência às drogas químicas. Estudos indicam que um percentual considerável
de usuários de cocaína não se tornam dependentes – não foi o meu caso. Consta que apenas 22% acabam adquirindo
drogadicção. Nessa mesma época experimentei o mesclado – maconha com crack –
e não gostei. Estava fissurado na cocaína. O uso aumentou tanto em quantidade quanto
em freqüência até o dia em que perdi tudo – o emprego, o controle, a razão, o juízo, a
vergonha e a reputação. Por isso me envolvi em um esquema
de furtos e fraude de cheques. Passei de usuário a pequeno traficante de
maconha e acabei assinando um 16 – artigo do Código Penal que tratava do uso de
entorpecentes. Após essas situações fiquei cerca de um ano sem usá-la. Depois
só fiz uso “recreativo” – se é que isso existe -, minimizando a fissura com o
álcool.
Dezesseis anos após experimentar
maconha que o meu problema com o crack começou. Conforme dito antes, já havia
experimentado, mas, nessa época, sem maiores compromissos e responsabilidades –
sem relacionamento, sem estudar, sem filhos, sem aluguel - e, bastante
frustrado, mergulhei de cabeça nas drogas – em todas elas. Conforme tivesse um ótimo
salário – dez mínimos – e morasse com meus pais, consumia álcool e drogas diariamente.
Embora tivesse muitos amigos e colegas usuários no bairro, nessa época, coincidentemente
os “vínculos” se fortaleceram. Vivia acompanhado e a minha mesa no bar cheia! Até os
que pouco falavam comigo ou apenas me cumprimentavam se tornaram “grandes
amigos.” A época de fartura durou um ano, depois fui trabalhar no RJ e passei
um ano e meio lá. Quando retornei – sem dinheiro e sem trabalho – os “velhos
amigos” já não eram mais tão “amigos”. Desse modo, conforme o meu vício
se acentuava, o dinheiro também era suficiente apenas para o meu consumo,
assim, afastei-me de lugares que antes frequentava e muitos dos que eram meus “amigos”
nos tempos da fartura agora me evitavam e mal me cumprimentavam na rua – em certos
locais ou com certas pessoas nem isso. Na verdade, muitos
passaram a me discriminar – falavam de mim pelas costas. Soube que uns me
ridicularizavam, outros me criticavam, outros se compadeciam e uns sentiam-se
satisfeitos com a minha decadência. Apontavam-me e a pessoas da minha família nas ruas.
Meu irmão se envergonhava de mim e alguns falavam com ele – nunca comigo. Curioso
como quando se trata da vida alheia e, sobretudo, para criticar, julgar e
condenar alguém todos se mostram "experts" e moralistas – inclusive gente que não
me conhecia e até notórios bandidos e viciados crônicos do meu bairro.
Quando parou de usar drogas um veio falar comigo. Disse que nunca havia falado comigo antes porque vivia alucinado nos seus vícios – cocaína e maconha. Falou que todos os que frequentavam sua casa e a faziam de “point” quando me viam passar por lá me apontavam e comentavam à meu respeito – de forma piedosa ou zombando. Quando ele deixou de usar drogas todos desapareceram e se afastaram dele também nas ruas – ele também pensava que tinha "amigos."
Quando parou de usar drogas um veio falar comigo. Disse que nunca havia falado comigo antes porque vivia alucinado nos seus vícios – cocaína e maconha. Falou que todos os que frequentavam sua casa e a faziam de “point” quando me viam passar por lá me apontavam e comentavam à meu respeito – de forma piedosa ou zombando. Quando ele deixou de usar drogas todos desapareceram e se afastaram dele também nas ruas – ele também pensava que tinha "amigos."
Apenas dois falaram abertamente
comigo, entretanto, de forma equivocada e no momento errado – tentaram “conversar”
quando eu estava sob efeito do crack. Não os culpo, não existe "manual de
instruções" ou "treinamento" para isso, entretanto, penso eu, todos devem usar de
bom senso, sobretudo, os esclarecidos e sóbrios. Lamento apenas ter percebido preconceito, desconfiança e
ressentimento nas suas falas e olhar – discurso carregado de moralismo, soberba
e até raiva e ignorância (talvez por decepção). Às vezes penso em reencontrá-los - todos eles -, mas, fizeram
parte de uma história da minha vida que se foi e deve ficar para trás, com seus
bons e maus momentos. Minha vida é maior – as drogas foram apenas parte dela - e
o que é e virá importam mais – presente e futuro.
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