Vi dia desses o programa Intervenção - Brasil no
canal A&E. Era sobre a paulistana Vanessa, 32 anos, 4 filhos, usuária de
crack há doze. A apresentação do seu cotidiano mostrou-nos que não é recente a
presença do crack na classe média - pelo menos em termos do que se pode chamar
classe média no Brasil. Ela não é favelada e nem mora em comunidade. Sua
casa é um sobrado bem localizado, se não estiver enganado na Vila Mariana -
SP. Seu irmão estudante de Direito e sua mãe aposentada. Ela vive com
os filhos e eles. Uma realidade bastante confortável perto das favelas, ruas,
cortiços, muquifos ou mocós da Crackolandia - não fosse pelo vício. Embora
bastante superficial, conforme convém a televisão, quem conhece a realidade do
crack e das drogas - muito diferente daquela apresentada pelos especialistas na
TV e/ou nas pesquisas - pode perceber o estrago que a edição causou ao
episódio. A história ficou mal costurada, não foi capaz de apresentar de forma
consistente algumas hipóteses sobre o que levou-a às drogas, causando mais
dúvidas do que esclarecimentos, reforçando estereótipos e clichês. Tudo - das
cenas em família, às suas falas e os poucos momentos em que fez uso ou sob
efeito -, me pareceu demasiadamente artificial - editado, ensaiado, representado.
Mostrou-nos, a maior parte do tempo uma garota descontrolada - "alucinada" sob
efeito do crack -, resumindo as causas dos seus problemas familiares e com o
crack a ausência do pai. O exagero que a caracterizava, beirava o histriônico, embora na realidade do crack isso não seja exceção - mas também não é a regra. De fato existem pessoas que se descontrolam e são excessivamente instáveis,
como também existem os atores, os cínicos, os idiotas e os oportunistas dissimulados - tem até os serenos. Na
família, de acordo com os seus relatos e os da sua mãe, relacionamentos estáveis
nunca foram o padrão - o pai de Vanessa se foi antes dela nascer e ela
sequer o conheceu, sendo criada pela irmã mais velha entre um eventual padrasto
e outro. Conforme seu irmão relata, na adolescência conheceu o álcool, o tabaco
e a maconha, respectivamente, indo a seguir para a cocaína e depois o crack -
muito embora os "especialistas" e as suas mirabolantes e infalíveis
teses, ao lado de alguns dos defensores da liberalização da maconha insistam que não existe relação entre as drogas e que ela não é a "porta
de entrada." O álcool ela conheceu dentro de casa - como acontece em
muitas famílias. De acordo com esses relatos, no mundo do vício - até então só
a maconha - ela conheceu seu atual marido - que está preso - e que a apresentou
às demais drogas - cocaína e crack.
De um modo geral, pareceu que a história
resumiria-se assim: a mãe que sempre teve relacionamentos instáveis buscou
consolo no álcool e a filha sentindo-se desamparada e abandonada, vendo o
exemplo da mãe, buscou apoio igualmente nele e nas drogas e, sem referências
masculinas na casa, excedeu os limites e não soube se relacionar com homens.
Grosso modo, indivíduos "fracos", que não sabem lidar com as
frustrações e que por isso se entregam aos vícios. Evidente que nessa perspectiva os indivíduos, as
famílias, a sociedade e o Estado sejam solidários, fraternos e
responsáveis uns pelos outros! Óbvio que não existam pressões, coações,
exclusões e omissões de forma alguma! Tampouco oferta e estímulos para o
consumo excessivo - ou moderado, claro! - de substâncias legais ou ilegais que
causam dependência! Ao final, o psicólogo ou psiquiatra que iria tratá-la -
isso não fica claro - destila o sermão dos malefícios causados pelas drogas e
segue o roteiro do original americano - família, drama, livre arbítrio. A mãe
faz o seu mea-culpa, Vanessa chora, uma censura sutil ao consumo de álcool
dentro de casa e nenhuma crítica ou referencia a omissão publica em relação aos
estímulos promovidos pela indústria do álcool e o tráfico! Encerra o programa a
nova Vanessa, um pouco menos histriônica - ou talvez adestrada ou dopada
-, condicionada ao discurso pronto, padronizado e dogmático da autoajuda e
resignação. No mundo da sociedade de mercado pós moderna que se caracteriza
pelos "ismos" - individualismo, consumismo, egoísmo, pragmatismo,
utilitarismo - tudo deve ser individualizado e resolvido por ele, eximindo-se a
sociedade, o mercado, a política e o Estado de responsabilidades quanto aos
problemas sociais - como o vício, a exclusão, a violência e o crime. Enfim, sem duvidas que não se espera que a TV se aprofunde sobre essas questões
ou que ela seja o local adequado para o debate, por outro lado, como
entretenimento ,drama, no caso, medíocre como se espera....
Nenhum comentário:
Postar um comentário