sexta-feira, 20 de julho de 2012

Guerra e Paz


Os conflitos nas áreas ocupadas pela policia ou o exercito revelam a falácia da política de segurança publica do governo do Estado do Rio de Janeiro.  Sintomático de uma tradição publica reacionária, caracterizada por políticas de exclusão, enfrentamento, criminalização, autoritarismo, encarceramento e extermínio. Reveladora de uma sociedade senhorial, marcada por relações sociais orientadas pela força e a dominação tradicional. Características e valores que se acentuam no contexto da Globalização do capital nas comunidades, de modo a demarcar diferenças, sinalizar resistências e rejeitar modelos exteriores na busca de formas alternativas aquilo que lhes escapa e se impõem. 

A Globalização e o modelo neoliberal se impõem. A democracia de mercado é o modelo ocidental hegemônico que melhor atende ao atual estagio do Capitalismo. Isso é fato, o resto são filigranas e tergiversação. Do ponto de vista brasileiro e, conforme a nossa tradição autoritária e bacharelista, o modelo mais adequado é o da democracia representativa e normativa caracterizada por um traço acentuadamente legalista, elitista, restritiva, reacionária e excludente.

Nova Iguaçu, Morro da Providência, Maré, Vila do João, Cidade Alta, Chatuba - 2005 e 06. Estive na Providencia na época dos ataques do PCC em SP. Disparos de AK-47 traçantes efetuados pelo CV em solidariedade e comemoração aos ataques do PCC na capital paulista. CV e PCC aliados para fins econômicos - associação, fusão, globalização do crime? Incorporação pelo crime de tendências neoliberais e valores corporativos. O mercado envolve importação e comercialização de drogas e armas. A ostentação de poder de fogo revela organização, controle e domínio territorial. Nos gabinetes tudo não passa de petulância ou ousadia da marginália! Ousadia é o que falta a classe intelectual e política brasileira que se complementam! Na política e academia, louva-se o tradicional, consagra-se o consagrado e oferece-se “mais do mesmo” – de um lado mais leis, prisões, policiais, armas, de outro, mais teses, pesquisas, institutos, aplausos. E assim desmobilizamo-nos e abrimos mão da nossa liberdade e participação – maior representatividade, menos participação, mais segurança, menos liberdade. Aparentemente de lados opostos, são as duas faces da mesma moeda, compartilhando recursos públicos e cada um a sua maneira, procedendo à manutenção da ordem estabelecida. Vargas Llosa - entre diversos outros - já denunciou a relação de subserviência da academia com a política – O intelectual barato.

Com efeito, a democracia reconciliou a academia e as forças policiais. O que elas compartilham além dos recursos públicos? A aversão e/ou o desprezo pelas classes populares. A despeito da democracia, a estrutura das policias e da academia permanecem intocadas - se democratizou-se algo para dentro, em nada para fora. Embora tenha reconciliado-os, a democracia não foi capaz de democratizá-los. Crítica compartilhada por Cristovam Buarque, Helio Bicudo, Francisco de Oliveira, entre outros. A força e o saber unidos em torno de interesses e afinidades de classe – exercício e manutenção do poder e status quo. Foucault, Clastres, Deleuze, Bourdieu, Ranciere, Althusser, alias, desde Platão que se demonstram as vantagens da relação entre saber e força para a manutenção do poder. Saber é poder? A história é maior. A realidade se impõe. As teorias e métodos não são verdades históricas. “Mais fortes são os poderes do povo”, já dizia um proscrito cineasta baiano, amigo do Darcy Ribeiro, que por sua vez afirmava que “um saber que não atua é um saber vadio, diletante e ornamental.”

As ações políticas desenvolvem-se no bojo da omissão e legitimação acadêmicas. As criticas ou denuncias, quando ocorrem na academia ou na imprensa, restringem-se a apontar, no caso carioca, certa influencia do modelo de policiamento comunitário colombiano. Para Freddy Corrales, a polícia é a “instituição primária que pode mostrar a fraqueza ou a fortaleza de um governo.” Para ele hoje “os cidadãos e os policiais” estão diante da obrigação de “reconstruir o conceito de polícia” – Corrales é general do exército e Chefe da Policia Comunitária da Colômbia. Sim, em tese pode haver um "general comunitário" e até uma "policia pacificadora"! A Colômbia é o país sul-americano mais alinhado com Washington no continente. Mantêm bases americanas no país e diversos acordos de cooperação e apoio militares para as famigeradas Guerra as Drogas e ao Terror. Corrales omite o fato que lideranças sociais, comunitárias e populares, bem como políticos e sindicalistas continuam sendo encarcerados e sistematicamente assassinados no seu país – apenas sindicalistas foram 30 em 2010. Qualquer semelhança com a realidade brasileira não é mera coincidência! O crime organizado caracteriza-se em qualquer parte do mundo pelas suas estreitas relações com a polícia e a política. Como na Colômbia e no Brasil - conforme se verifica nas grandes capitais - o tráfico de drogas e armas alimenta esse sistema e promove a sua integração – capital, crime e poder.   

Na democracia ocorre uma maior complexidade das relações sociais. Pulveriza-se o poder entre diversos grupos de interesses e para a sua manutenção e a da ordem estabelecida se impõem a convivência de setores antes antagônicos. A convivência conduz, muitas vezes, a articulação para a sobrevivência de ambos – conveniência e conivência. O caráter universalizante da democracia se impõe.  Paradoxalmente, no contexto do capitalismo globalizado ocorre uma maior concentração do poder economico – fusões, associações. Essa pulverização não corresponde capilarização e nem a horizontalidade das relações sociais. Florestan também sustentava que, no contexto democrático, para a manutenção do poder exige-se além do excedente econômico, um excedente político – para além dos meios tradicionais.

Essa dinâmica e modo de organização se reflete na estrutura do crime organizado – fusões, pulverização, concentração de poder. A ocupação pelo Estado no conjunto de favelas do Alemão é uma falácia. O crime organizado ocupou antes, algumas décadas antes. Os bandidos da Providencia eram vistos pela comunidade como Lampião, Corisco – se impondo pela força e pela moral. Não ocupam, eles sempre estiveram lá! Antes de representarem a violência, representavam o abandono e agora representam o poder e a ordem. A vitória do indivíduo contra o sistema, o abandono e a exclusão! O governo do Estado do Rio de Janeiro com a sua política de segurança publica assemelha-se aos tiranos Renascentistas – como os Bórgias que dispunham de um Maquiavel, Leonardo da Vinci e inúmeros Ramiros D’Orco. Antes a “pax do tráfico”, agora a “pax da policia” – CV, TC, UPP, AK, FAL, G3, M16, .40.

As tropas na comunidade revelam a opção pela força e o confronto – conforme o paradigma militar e a tradição autoritária. Nenhuma novidade, posto que se trata, antes de interesses politico-economicos que sociais - Copa e Olimpíadas. Pior que isso é ainda a legitimação e a conivência de setores sociais cooptados pelo Estado e o capital, deslumbrados pelo apelo midiático das “Unidades de Policia Pacificadora” – vendidas pelo governo e a grande mídia como  os “capacetes azuis” da ONU. Estes ora clamam pela “ocupação permanente para libertar (???) as pessoas”, ora silenciam diante do crime por vergonha ou conveniência - os americanos também ocuparam o Iraque e o Afeganistão para libertá-los. Diante desse contexto, procedem a manutenção da comunidade para ambos os lados, colaborando de modo sutil para a ordem estabelecida - corpos dóceis e mentes submissas. A despeito da democracia, no Brasil, “a questão social” continua sendo ainda “caso de polícia” e a política “pão e circo.”

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