domingo, 25 de novembro de 2012

Botecos - SP/RJ.




Eu sempre fui botequeiro. Lembro-me de um texto do Paulo Mendes Campos sobre eles - comentando sobre a sua experiencia neles pela Alemanha nos anos 60. Em todo lugar que eu vou, procuro fazer um reconhecimento do local por meio deles. É nos bares que se conhecem as pessoas e se sabe o que acontece na cidade. É lá que as pessoas comentam o que não podem dizer em casa ou no trabalho. É lá que elas que não se conhecem confidenciam-se. O álcool revela as pessoas: o melhor e o pior. Nunca fui enjoado pra bar. Cresci em periferia e sempre frequentei-os. Desde o bar do Gilson na frente de casa, passando pelo Baixinho na favela e o do Alfredo sempre os preferi aos “barzinhos” badalados. Nesses, com raras exceções se paga caríssimo por um péssimo atendimento e para ver gente esnobe e idiota, ouvindo papo furado na primeira pessoa!
De todos os bares que freqüentei em SP, incluindo os do entorno da faculdade – Paulão, Freitas, Vieira, MacFil – os de Pirituba eram melhores. Gente de verdade, sem empáfia e vaidade, conversas amenas e cerveja barata e gelada. Admito ainda que nunca fui em bar atrás de relacionamento, não sou do tipo que sai de casa pensando: hoje eu vou pegar tantas mulheres. Não tenho essa pretensão e nunca fui maníaco. Então nunca me importei se no bar haveria mais homens que mulheres. Importa o preço justo, o local limpo e a cerveja gelada. Se eu quisesse transar iria à boate, remédio à farmácia e pão a padaria.
O bar do Alfredo e o do Baixinho importava-me o trafico e a comodidade e segurança – por mais paradoxal que possa parecer pra quem não conhece essa realidade senão através dos livros ou televisão. Nunca fui incomodado e nem abordado. Nunca presenciei uma briga ou confusão. Apenas levantava para pegar minha cerveja e ir ao banheiro. Quando não queria conversa abria um jornal e nunca fui incomodado.
Em Nova Iguaçu ia ao bar da Kátia, no Churrasco do Cláudio, no bar das Loiras, Choppimpé e no Abracadabra. O bar da Kátia era o preferido dos funcionários da prefeitura, devido à proximidade, então eu ia lá pra saber das intrigas e tramóias do governo e/ou rever alguns colegas de outras pastas. Lá sempre estava acompanhado do Chiquinho, funcionário antigo da prefeitura, dono de um Fusca 67 original, sujeito calmo e pacato como bom malandro carioca. Muito educado, cortes, gentil e culto. Alem dele havia o Roberto, arquiteto dono de um escritório ao lado. Sujeito igualmente culto e gentil, muito bem humorado e inteligente. Sempre disposto a ajudar e, embora não fossemos amigos de longa data, me ajudou muito naquela cidade. Gostava muito da companhia deles e tenho muitas saudades. Sempre que eu ia embora me perguntava se estava bem, se havia comido, se tinha comida, dinheiro, cigarro. Em quatro anos de faculdade não conheci e nem tive um amigo assim.
No Cláudio eu ia sempre com a Claudia, que trabalhava e namorava comigo, embora fosse noiva. Lá tinha uma maquina Jukebox com muita musica boa e um dos garçons sempre tirava garrafas da minha mesa, de modo que eu pagava sempre menos que consumia. Um dos sócios, o Jonas, era fanático pelo Fluminense e um entendedor de futebol, então tínhamos bons papos. Nunca fui incomodado ou desrespeitado vendo os jogos do São Paulo no estabelecimento. O Abracadabra era o bar badalado da cidade, junto com a casa de shows Rio-Sampa. O Abra era bom porque tinha sempre bandas fazendo covers ao vivo e muita mulher bonita. O Choppimpé por sua vez tinha um grande telão e ficava no calçadão na Via Light – principal avenida da cidade. Muitas mesas do lado de fora, atendimento bom, musica boa, chopp geladaço e bem tirado e ótimos preços. Conheci muita gente boa por lá e a Claudia foi a melhor anfitriã que eu poderia ter tido.
No das Loiras eu ia por causa dos amigos que fiz lá – Rubinho e Edson. O primeiro é paulista de Santo André e o Edson mineiro de BH. Ambos trabalhavam com telefonia e o Rubinho depois abriu um bar com a namorada, pouco antes do meu retorno a SP. O Edson era parecido comigo, um nômade e sem vínculos em parte alguma. Oito anos mais velho e como eu gostava de rock. Revezávamos os três a Jukebox – é comum isso pelos bares cariocas - para alegria de uns e desgosto de outros. Compartilhávamos tudo: historias, lembranças, alegrias, tristezas, frustrações, musica, cigarro e cerveja. As loiras eram três irmãs na faixa dos 20. A mais velha tinha um menino de sete anos e era, solteira, sexy e bonita. Eu já namorava, ela conhecia de vista minha namorada, mas, parecia não incomodar-se nem um pouco com isso. Eu ia lá só pra beber mesmo e logo o Edson se envolveu com ela. As outras não me chamavam a atenção, mas, como éramos quase estrangeiros para elas, forasteiros, viviam nos rodeando para conversar e ouvir as historias de quem não nasceu e vive ali e que sabem que logo partirá. Eu fui o primeiro, o Edson partiu pouco tempo depois e o Rubinho eu não sei.  
No Rio de Janeiro ia ao bar do Ronaldo – flamenguista fanático – e no Boteco Casual na Praça XV. O Casual é típico bar carioca – samba, petiscaria e cerveja gelada. Lá é comum servirem a cerveja no que eles chamam de tulipa ou garotinho – taça e tacinha - e até em copo de whisky – copo americano é comum em São Paulo. Bebem muita Skol, Itaipava e Antarctica – Brahma não tem muita saída. O bar do Ronaldo tinha um atrativo à parte. Alem do proprietário que era um sujeito simples e agradável, tinha um grupo de senhores que freqüentava o bar diariamente, entre eles, o seu Paulo. Seu Paulo era um professor de historia aposentado, perto do 70 anos. Sempre de bermuda, sandálias, camisa aberta e chapéu. Tomava cerveja e falava baixo. Contava-me diversas historias sobre o Morro da Providencia – o bar ficava no pé do morro, ao lado do túnel que o corta e a Mineira ligando aquela região a Central do Brasil. Falava sobre os locais que Machado de Assis freqüentava e sobre o Morro de antigamente. Falava muito, para o meu deleite, sobre Lima Barreto, que era também um notório boêmio. Conhecedor da sua obra tinha longas conversas sobre o autor carioca. Ronaldo apenas ouvia e falava sobre futebol, sempre procurando provocar os vascaínos e fluminenses do bar. Ronaldo era cria do Morro. Fazia mais que vender cerveja, mas, não vêm ao caso. Apenas uma vez fechou as portas comigo lá dentro pra fechar um negócio de armas. Sempre me tratou com respeito e cortesia.
Em Niterói freqüentava o Bar do Meio. Música, cerveja gelada, ambiente limpo e gente bonita. Não tenho receios em dizer: Niterói é a cidade mais limpa, conservada e bonita que já estive. Niterói parece um outro mundo dentro do Rio de Janeiro. Impressiona o contraste a distância de uma ponte! Mudam tudo, menos a geografia e o sotaque. A rua do Bar do Meio é permeada de barzinhos para todos os gostos e bolsos. É uma rua mista - residencial e comercial. Pacata de dia, tranqüila à noite. Ainda que os bares estejam abertos e movimentados, percebe-se que é um publico conhecido, cativo e local o que assegura a tranqüilidade.
Próximo à rodoviária da cidade, entre ela o terminal municipal João Goulart tem muitos bares também. Outro nível, mais populares. As ruas dessa parte do centro também são pouco conservadas e limpas, como quase todos os das cidades em que estive – exceção Itu. Compensam os preços, atendimento cordial e a movimentação de pessoas. Diferente do paulistano, o carioca é simpático, descontraído, alegre. Impossível passar despercebido ou indiferente. Despercebido porque são observadores e indiferente porque são receptivos e simpáticos. Dependendo do local e situação, até em ambientes de trafico ostensivo é possível ficar tranqüilo. É possível se descontrair. Já estive em locais assim na Providencia, com muitos fregueses do bar e traficantes compartilhando tudo, conversando, cantando samba e jogando sinuca. Até hoje lembro de pouca coisa na volta porque estava no automático.
Nesse bar próximo da rodoviária se come um excelente churrasco – porção que equivale a uma refeição. Preço justo, carne boa e cerveja bem gelada. O filho do dono é torcedor do fluminense e quando me viu com a camisa da Independente veio logo falar comigo. Dali em diante só me chamava de tricolor paulixta. Dizia que a única coisa ruim que o Lamartine Babo havia feito era o hino do Flamengo. É impressionante como o carioca é alegre, leve, descontraído. Gosto de São Paulo e sou paulistano, mas é impossível cansar-se e se estressar lá como em Sampa e é triste chegar a essa conclusão.
 

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