Eu sempre fui botequeiro. Lembro-me de um texto do Paulo Mendes Campos sobre eles - comentando sobre a sua experiencia neles pela Alemanha nos anos 60. Em todo lugar que eu vou,
procuro fazer um reconhecimento do local por meio deles. É nos bares que se conhecem
as pessoas e se sabe o que acontece na cidade. É lá que as pessoas comentam o
que não podem dizer em casa ou no trabalho. É lá que elas que não se conhecem
confidenciam-se. O álcool revela as pessoas: o melhor e o pior. Nunca fui
enjoado pra bar. Cresci em periferia e sempre frequentei-os. Desde o bar do
Gilson na frente de casa, passando pelo Baixinho na favela e o do Alfredo
sempre os preferi aos “barzinhos” badalados. Nesses, com raras exceções se paga
caríssimo por um péssimo atendimento e para ver gente esnobe e idiota, ouvindo
papo furado na primeira pessoa!
De todos os bares que freqüentei em SP, incluindo os
do entorno da faculdade – Paulão, Freitas, Vieira, MacFil – os de Pirituba eram
melhores. Gente de verdade, sem empáfia e vaidade, conversas amenas e cerveja
barata e gelada. Admito ainda que nunca fui em bar atrás de relacionamento, não
sou do tipo que sai de casa pensando: hoje eu vou pegar tantas mulheres. Não
tenho essa pretensão e nunca fui maníaco. Então nunca me importei se no bar haveria
mais homens que mulheres. Importa o preço justo, o local limpo e a cerveja
gelada. Se eu quisesse transar iria à boate, remédio à farmácia e pão a
padaria.
O bar do Alfredo e o do Baixinho importava-me o
trafico e a comodidade e segurança – por mais paradoxal que possa parecer pra
quem não conhece essa realidade senão através dos livros ou televisão. Nunca
fui incomodado e nem abordado. Nunca presenciei uma briga ou confusão. Apenas levantava
para pegar minha cerveja e ir ao banheiro. Quando não queria conversa abria um
jornal e nunca fui incomodado.
Em Nova
Iguaçu ia ao bar da Kátia,
no Churrasco do Cláudio, no bar das Loiras, Choppimpé e no Abracadabra. O bar
da Kátia era o preferido dos funcionários da prefeitura, devido à proximidade,
então eu ia lá pra saber das intrigas e tramóias do governo e/ou rever alguns
colegas de outras pastas. Lá sempre estava acompanhado do Chiquinho, funcionário
antigo da prefeitura, dono de um Fusca 67 original, sujeito calmo e pacato como
bom malandro carioca. Muito educado, cortes, gentil e culto. Alem dele havia o
Roberto, arquiteto dono de um escritório ao lado. Sujeito igualmente culto e
gentil, muito bem humorado e inteligente. Sempre disposto a ajudar e, embora não
fossemos amigos de longa data, me ajudou muito naquela cidade. Gostava muito da
companhia deles e tenho muitas saudades. Sempre que eu ia embora me perguntava
se estava bem, se havia comido, se tinha comida, dinheiro, cigarro. Em quatro
anos de faculdade não conheci e nem tive um amigo assim.
No Cláudio eu ia sempre com a Claudia, que trabalhava
e namorava comigo, embora fosse noiva. Lá tinha uma maquina Jukebox com muita
musica boa e um dos garçons sempre tirava garrafas da minha mesa, de modo que
eu pagava sempre menos que consumia. Um dos sócios, o Jonas, era fanático pelo
Fluminense e um entendedor de futebol, então tínhamos bons papos. Nunca fui
incomodado ou desrespeitado vendo os jogos do São Paulo no estabelecimento. O
Abracadabra era o bar badalado da cidade, junto com a casa de shows Rio-Sampa. O
Abra era bom porque tinha sempre bandas fazendo covers ao vivo e muita mulher
bonita. O Choppimpé por sua vez tinha um grande telão e ficava no calçadão na Via
Light – principal avenida da cidade. Muitas mesas do lado de fora, atendimento
bom, musica boa, chopp geladaço e bem tirado e ótimos preços. Conheci muita
gente boa por lá e a Claudia foi a melhor anfitriã que eu poderia ter tido.
No das Loiras eu ia por causa dos amigos que fiz lá –
Rubinho e Edson. O primeiro é paulista de Santo André e o Edson mineiro de BH.
Ambos trabalhavam com telefonia e o Rubinho depois abriu um bar com a namorada,
pouco antes do meu retorno a SP. O Edson era parecido comigo, um nômade e sem vínculos
em parte alguma. Oito anos mais velho e como eu gostava de rock. Revezávamos os
três a Jukebox – é comum isso pelos bares cariocas - para alegria de uns e
desgosto de outros. Compartilhávamos tudo: historias, lembranças, alegrias, tristezas,
frustrações, musica, cigarro e cerveja. As loiras eram três irmãs na faixa dos 20. A mais velha tinha um
menino de sete anos e era, solteira, sexy e bonita. Eu já namorava, ela
conhecia de vista minha namorada, mas, parecia não incomodar-se nem um pouco
com isso. Eu ia lá só pra beber mesmo e logo o Edson se envolveu com ela. As
outras não me chamavam a atenção, mas, como éramos quase estrangeiros para
elas, forasteiros, viviam nos rodeando para conversar e ouvir as historias de
quem não nasceu e vive ali e que sabem que logo partirá. Eu fui o primeiro, o
Edson partiu pouco tempo depois e o Rubinho eu não sei.
No Rio de Janeiro ia ao bar do Ronaldo – flamenguista
fanático – e no Boteco Casual na Praça XV. O Casual é típico bar carioca –
samba, petiscaria e cerveja gelada. Lá é comum servirem a cerveja no que eles
chamam de tulipa ou garotinho – taça e tacinha - e até em copo de whisky – copo
americano é comum em São Paulo. Bebem
muita Skol, Itaipava e Antarctica – Brahma não tem muita saída. O bar do
Ronaldo tinha um atrativo à parte. Alem do proprietário que era um sujeito
simples e agradável, tinha um grupo de senhores que freqüentava o bar
diariamente, entre eles, o seu Paulo. Seu Paulo era um professor de historia
aposentado, perto do 70 anos. Sempre de bermuda, sandálias, camisa aberta e
chapéu. Tomava cerveja e falava baixo. Contava-me diversas historias sobre o
Morro da Providencia – o bar ficava no pé do morro, ao lado do túnel que o
corta e a Mineira ligando aquela região a Central do Brasil. Falava sobre os
locais que Machado de Assis freqüentava e sobre o Morro de antigamente. Falava
muito, para o meu deleite, sobre Lima Barreto, que era também um notório
boêmio. Conhecedor da sua obra tinha longas conversas sobre o autor carioca.
Ronaldo apenas ouvia e falava sobre futebol, sempre procurando provocar os
vascaínos e fluminenses do bar. Ronaldo era cria do Morro. Fazia mais que
vender cerveja, mas, não vêm ao caso. Apenas uma vez fechou as portas comigo lá
dentro pra fechar um negócio de armas. Sempre me tratou com respeito e
cortesia.
Em Niterói freqüentava o Bar do Meio. Música, cerveja
gelada, ambiente limpo e gente bonita. Não tenho receios em dizer: Niterói é a cidade
mais limpa, conservada e bonita que já estive. Niterói parece um outro mundo
dentro do Rio de Janeiro. Impressiona o contraste a distância de uma ponte! Mudam
tudo, menos a geografia e o sotaque. A rua do Bar do Meio é permeada de
barzinhos para todos os gostos e bolsos. É uma rua mista - residencial e
comercial. Pacata de dia, tranqüila à noite. Ainda que os bares estejam abertos
e movimentados, percebe-se que é um publico conhecido, cativo e local o que
assegura a tranqüilidade.
Próximo à rodoviária da cidade, entre ela o terminal
municipal João Goulart tem muitos bares também. Outro nível, mais populares. As
ruas dessa parte do centro também são pouco conservadas e limpas, como quase
todos os das cidades em que estive – exceção Itu. Compensam os preços,
atendimento cordial e a movimentação de pessoas. Diferente do paulistano, o
carioca é simpático, descontraído, alegre. Impossível passar despercebido ou
indiferente. Despercebido porque são observadores e indiferente porque são
receptivos e simpáticos. Dependendo do local e situação, até em ambientes de
trafico ostensivo é possível ficar tranqüilo. É possível se descontrair. Já
estive em locais assim na Providencia, com muitos fregueses do bar e
traficantes compartilhando tudo, conversando, cantando samba e jogando sinuca.
Até hoje lembro de pouca coisa na volta porque estava no automático.
Nesse bar próximo da rodoviária se come um excelente
churrasco – porção que equivale a uma refeição. Preço justo, carne boa e
cerveja bem gelada. O filho do dono é torcedor do fluminense e quando me viu
com a camisa da Independente veio logo falar comigo. Dali em diante só me
chamava de tricolor paulixta. Dizia que a única coisa ruim que o Lamartine Babo
havia feito era o hino do Flamengo. É impressionante como o carioca é alegre,
leve, descontraído. Gosto de São Paulo e sou paulistano, mas é impossível
cansar-se e se estressar lá como em Sampa e é triste chegar a essa conclusão.
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