Uma amostra da vanguarda sobre Compromisso com o Futuro. |
Não
falarei sobre as transformações estruturais das ultimas três décadas – da
democracia, fim da guerra fria e hegemonia ocidental (globalização). Nem uma
linha sobre as consequências nos campos político, econômico e cultural. Há
demasiados analistas em diversos ramos do conhecimento fazendo isso. São poucas
as novidades nesse sentido, céleres as conclusões e pouco ortodoxas as críticas.
É
sintomático que a base subjetiva da transformação seja prolífica. O triunfo
material não pode prescindir do ideal. A base de toda a sociedade é a maneira
como se organiza a produção – meios objetivos e subjetivos. De acordo com Marx, essa base se
encontraria na periodicidade da renovação do capital fixo, por exigência do
desgaste físico e da obsolescência tecnológica.
A
tecnologia é a ferramenta
perfeita – onipresente, onisciente, onipotente e sutil. Deslumbra, encanta,
seduz. Antes da televisão, da II Guerra e da corrida espacial H. G. Wells e
Huxley perceberam o sutil e apático potencial de sedução intrínseco a
tecnologia. Quando Huxley escreveu Admirável Mundo Novo não
existiam computadores e a bomba Atômica ainda não havia sido criada. Ele mirava
na expansão da industrialização e na veloz transformação da sociedade por meio
dela – novos hábitos, gostos, relações sociais, valores, ideias, estruturas e
problemas. Diante da colonização das relações sociais pela indústria –
massificação - ele vislumbrou um futuro sombrio para o indivíduo e a sociedade
no limite desse processo. Pessoas cada vez mais autônomas com relação ao outro
e a sociedade e dependentes – ou subordinadas? - das máquinas e da tecnologia,
mais atomizadas. Ele observa uma tendência, no limite, a depositar a redenção
do homem e da sociedade na máquina – qualquer semelhança com uns deslumbrados
de nossa época não é mera coincidência!
Os
ambientes virtuais caracterizam-se pela “fragmentação”, pela relação horizontal
e impessoal, indeterminação dos lugares e por um caráter descontinuado, mais
volátil no trato com o tempo. Bauman sustenta que “uma das características de
nosso tempo é fragmentação da vida.” Ele verifica a fragmentação na forma como
as relações humanas se estabelecem na atualidade. Aponta a fluidez da palavra,
a elasticidade dos conceitos, a ambiguidade das situações e/ou contextos e a
timidez dos vínculos. Verifica-se esta elasticidade nos discursos, praticas e
preferências muitas vezes antagônicas e contraditórias – qualquer semelhança
com uma esquerda frívola e indolente não é mera coincidência.
O
sociólogo polonês chama a atenção para o fato de que os vínculos humanos
“anteriormente se davam em comunidade, e a comunidade, com seus costumes,
crenças e contextos pré-existe ao indivíduo.” Hoje esses laços – cada vez mais
fluidos e elásticos como os conceitos - se dão “em rede.” Fora das ruas, da
teoria para a realidade! Bauman chama atenção para a importância do contato e
da instituição – o primeiro capaz de estabelecer relações afetivas e de
confiança mutuas e o segundo de estabelecer uma referencia física, ambos
conferem materialidade. Isso tanto é verdade para as relações sociais quanto
para a educação - ideologia.
É
intrínseco ao capital a utilização de diversos meios e recursos para renovar-se
– a guerra é apenas um deles como a educação. A articulação entre tecnologia e educação expande, dilui e fundamenta a
base subjetiva e ideológica do capital. Atravessa toda a sociedade colocando em
ação (?) novos atores, instituições, determinando novas estratégias, espaços e
meios de articulação, mobilização, representação, formação e participação
social e política.
Seria
o fim dos modelos e meios tradicionais? Tudo é possível para os fatalistas,
acomodados e pragmáticos. Paradoxalmente, rigorosamente de acordo com o
discurso pós-moderno que sentenciou o fim da história! Os artífices dessa base
subjetiva são à esquerda soft. À esquerda soft é uma espécie impetuosa e
indolente, convicta e incoerente, dinâmica e leniente, visionária e reacionária,
materialista e fatalista, determinada e resignada! Impassíveis na depravação,
temerários na indignação! Intelectualmente arrojados são capazes de conciliar
conceitos e teorias antes antagônicas e contraditórias! Legítimos democratas
são capazes de reconciliar setores políticos historicamente irreconciliáveis –
inimigos da classe trabalhadora, da democracia e do povo!
Os
espaços virtuais livres são o novo campo de luta, informação e formação (?) das
elites intelectuais da esquerda soft. Campo fértil para idiossincrasias,
tautologias, clichês e a cantilena indolente e vulgar que a caracteriza.
Deslumbrados pelos pequenos podres poderes adoram exibir o seu triunfo e a sua
mediocridade que supõe por cultura e intelecto elevado e critico. Na nobody
land a fauna é variada e demonstra peculiaridades: dos ferozes defensores da
democracia que enforcam virtualmente os críticos ou opositores aos defensores
da cidadania que bradam dos microfones dos confortáveis palanques e auditórios.
Dos altruístas defensores dos direitos humanos que falam para as massas através
das câmeras e lutam das alturas dos helicópteros aos crentes e fanáticos -
patológicos ou depravados - que confiam na incorruptibilidade e infalibilidade
do sacrossanto líder tanto quanto na ignorância ou má-fé alheias e nas teorias
da conspiração! Nesse admirável mundo novo vale tudo: desde “curtir” o
anti-semita e colaborador condecorado do nazismo Henry Ford a Che Guevara, de
Mano Brown ao racista Elvis Presley, de Jobs/Gates símbolos da globalização a Prestes.
Curte-se O Globo ou Época e Caros Amigos, afinal, qual o problema quando tudo
reduz-se a preferências pessoais – como chocolate preto ou branco - e
indivíduos? A superficialidade de frases de efeito e
chavões é apenas um sintoma da miséria política que aceita bandidos como Maluf
e Sarney como aliados em nome do poder e ainda apela para o legalismo e a
democracia para justificar e defender a sua ambição e falta de ousadia.
A
despeito dos quase 300 mil encarcerados sem julgamento no país, do extermínio do povo
pobre e jovens negros, das situações hediondas e medievais – segundo o próprio
Ministro da Justiça - nos cárceres masculinos e femininos, do massacre diário
cometido contra mulheres e crianças e da violência sexual contra elas e adolescentes,
os paladinos da esquerda soft estão em uma cruzada mais premente e nobre: a
luta contra a injustiça! Não essas cotidianas, anônimas e corriqueiras que
ignoram, mas a da mídia e elites contra a justiça, a democracia e o povo
simbolizado pela condenação dos inocentes e pobres mártires Zés Dirceu e
Genoíno! Aos outros insignificantes Zés a terra, as lágrimas, o desprezo e a
lei. Esses não são lembrados em
"comissões da verdade" nem têm as suas fotos publicadas em grandes
jornais.
À
esquerda soft é um fenômeno recente, resulta da democratização - Estado burguês
de direito - e globalização. Filhos mimados da geração 68. Coisa indefinida que
se situa entre o velho (68) e o novo (03) e que se acomodou a sua indefinição
fazendo dela a sua teoria e práxis. Permeia setores da sociedade civil
organizada, academia, iniciativa privada, grupos políticos tradicionais e
elites (oligarquias e aristocracias). Compartilham os hábitos e interesses da
“elite ilustrada” - apontada por Faoro e Holanda -, têm a convicção que “o
poder é a missão para a qual julgam ter nascido!” Apartados do povo,
presunçosos que se consideram a vanguarda da democracia e os redentores da
política. Intelectualmente limitados e moralmente indigentes, elevaram o
silogismo a ciência e a grosseria a argumentação – Freud revelou as formas
pelas quais o inconsciente expressa aquilo que o ego tenta esconder.
Soberbos ignoram a crítica e a autocrítica, espreitando-se atrás dos
mantos sagrados da democracia, da justiça social, causas populares, etc. Na sua
versão burlesca de democracia, reduzem as ideias e o partido, ao líder
carismático e infalível. Do providencialismo estatal ao fatalismo messiânico,
se espera que o taumaturgo ou o “bom pai” transforme “pobre em rico” ou “pedra
em pão.”
Demasiado
apreço pelo poder minimiza a política – reduzida a acentuar diferenças, diluir
conflitos, escamotear contradições, suavizar e legitimar a dominação. Uma
subespécie de pragmatismo indolente que reduz a política a governabilidade e o
estado a provedor e prestador de serviços. Incapaz de penetrar além da
superfície das determinações estruturais, versão medíocre de bem estar social
que colabora apenas para maquiar o moribundo essencialmente inviável e injusto.
Nada além de surradas iniciativas que quase sempre oscilam entre o
assistencialismo paternalista/clientelista e a cidadania tutelada que, antes
conformam, compatibilizam, domesticam e desmobilizam privilegiando a
concentração, especulação, exploração e acumulação no topo por meio da expansão
do crédito e o incentivo ao consumo na base. Chega-se ao cumulo do insulto ao
pretender supor que essa espécie de política possa ser chamada de socialista!
Conforme sejam levianos e indolentes, apressam-se em acusar de elitismo,
golpismo ou sectarismo toda e qualquer crítica. Donos da verdade, do poder, da
ideologia e da democracia, esta fora de questão cogitar que outros além deles estejam remotamente corretos – talvez ingênuos!
Não
podemos, porem, confundir as alianças da classe operária - estratégicas ou
oportunistas - de outros tempos com as recentes, tampouco as suas lutas e
bandeiras históricas. Os “bons burgueses” de ontem consideram-se a vanguarda da
esquerda de hoje. Nenhuma novidade, a sociedade civil organizada continua
classe média e arrogante como sempre foi. Continua a mesma da época áurea das
elites ilustradas – legalista, pedante e autoritária. Tanto nos gostos e
praticas que a definem quanto no desprezo a crítica e o apreço a
superficialidade e falta de originalidade – pôster do Che no escritório e
Ermenegildo Zegna no closet, discurso de “revolucionário” no palanque e de
“consultor” na empresa de capital.
No
contexto da hegemonia centro-esquerda o funcionamento da lógica é simples,
basta que se pronunciem as palavras mágicas – como inclusão, justiça social ou
socialismo - que produzem efeito encantador que a um só tempo dispensam maiores
argumentos inconvenientes e abonam o discurso e a conduta. Apelar para seus
conceitos a despeito da teoria e, sobretudo, da práxis contraditória,
transformando-os em “chavões” é inerente a cantilena do esquerdismo vulgar e
indolente. Assim, a esquerda vulgar joga para a plateia, desqualificando e
abusando de teorias, conceitos, estratégias e, sobretudo, das causas e lutas da
classe trabalhadora.
O
apreço pelo poder igualmente corrompe, sobretudo aqueles dados a bravatas,
demagogia, perfumaria e a cartilha politicamente correta burguesa! Não se
iludam, a luta de classes é uma realidade, o poder e o acesso a ele continuam
reservados as elites e a classe media nunca representou ou representará os
interesses populares, Marx, Gramsci e Lênin não podem redimir os tolos, muito
menos os cínicos e oportunistas. E a moral é ainda o melhor meio para conduzir
a humanidade pelo nariz.
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