terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Transformações e continuidades



Uma amostra da vanguarda sobre Compromisso com o Futuro.

Não falarei sobre as transformações estruturais das ultimas três décadas – da democracia, fim da guerra fria e hegemonia ocidental (globalização). Nem uma linha sobre as consequências nos campos político, econômico e cultural. Há demasiados analistas em diversos ramos do conhecimento fazendo isso. São poucas as novidades nesse sentido, céleres as conclusões e pouco ortodoxas as críticas.


É sintomático que a base subjetiva da transformação seja prolífica. O triunfo material não pode prescindir do ideal. A base de toda a sociedade é a maneira como se organiza a produção – meios objetivos e subjetivos. De acordo com Marx, essa base se encontraria na periodicidade da renovação do capital fixo, por exigência do desgaste físico e da obsolescência tecnológica.


A tecnologia é a ferramenta perfeita – onipresente, onisciente, onipotente e sutil. Deslumbra, encanta, seduz. Antes da televisão, da II Guerra e da corrida espacial H. G. Wells e Huxley perceberam o sutil e apático potencial de sedução intrínseco a tecnologia. Quando Huxley escreveu Admirável Mundo Novo não existiam computadores e a bomba Atômica ainda não havia sido criada. Ele mirava na expansão da industrialização e na veloz transformação da sociedade por meio dela – novos hábitos, gostos, relações sociais, valores, ideias, estruturas e problemas. Diante da colonização das relações sociais pela indústria – massificação - ele vislumbrou um futuro sombrio para o indivíduo e a sociedade no limite desse processo. Pessoas cada vez mais autônomas com relação ao outro e a sociedade e dependentes – ou subordinadas? - das máquinas e da tecnologia, mais atomizadas. Ele observa uma tendência, no limite, a depositar a redenção do homem e da sociedade na máquina – qualquer semelhança com uns deslumbrados de nossa época não é mera coincidência!


Os ambientes virtuais caracterizam-se pela “fragmentação”, pela relação horizontal e impessoal, indeterminação dos lugares e por um caráter descontinuado, mais volátil no trato com o tempo. Bauman sustenta que “uma das características de nosso tempo é fragmentação da vida.” Ele verifica a fragmentação na forma como as relações humanas se estabelecem na atualidade. Aponta a fluidez da palavra, a elasticidade dos conceitos, a ambiguidade das situações e/ou contextos e a timidez dos vínculos. Verifica-se esta elasticidade nos discursos, praticas e preferências muitas vezes antagônicas e contraditórias – qualquer semelhança com uma esquerda frívola e indolente não é mera coincidência.  


O sociólogo polonês chama a atenção para o fato de que os vínculos humanos “anteriormente se davam em comunidade, e a comunidade, com seus costumes, crenças e contextos pré-existe ao indivíduo.” Hoje esses laços – cada vez mais fluidos e elásticos como os conceitos - se dão “em rede.” Fora das ruas, da teoria para a realidade! Bauman chama atenção para a importância do contato e da instituição – o primeiro capaz de estabelecer relações afetivas e de confiança mutuas e o segundo de estabelecer uma referencia física, ambos conferem materialidade. Isso tanto é verdade para as relações sociais quanto para a educação - ideologia.


É intrínseco ao capital a utilização de diversos meios e recursos para renovar-se – a guerra é apenas um deles como a educação. A articulação entre tecnologia e educação expande, dilui e fundamenta a base subjetiva e ideológica do capital. Atravessa toda a sociedade colocando em ação (?) novos atores, instituições, determinando novas estratégias, espaços e meios de articulação, mobilização, representação, formação e participação social e política.


Seria o fim dos modelos e meios tradicionais? Tudo é possível para os fatalistas, acomodados e pragmáticos. Paradoxalmente, rigorosamente de acordo com o discurso pós-moderno que sentenciou o fim da história! Os artífices dessa base subjetiva são à esquerda soft. À esquerda soft é uma espécie impetuosa e indolente, convicta e incoerente, dinâmica e leniente, visionária e reacionária, materialista e fatalista, determinada e resignada! Impassíveis na depravação, temerários na indignação! Intelectualmente arrojados são capazes de conciliar conceitos e teorias antes antagônicas e contraditórias! Legítimos democratas são capazes de reconciliar setores políticos historicamente irreconciliáveis – inimigos da classe trabalhadora, da democracia e do povo!


Os espaços virtuais livres são o novo campo de luta, informação e formação (?) das elites intelectuais da esquerda soft. Campo fértil para idiossincrasias, tautologias, clichês e a cantilena indolente e vulgar que a caracteriza. Deslumbrados pelos pequenos podres poderes adoram exibir o seu triunfo e a sua mediocridade que supõe por cultura e intelecto elevado e critico. Na nobody land a fauna é variada e demonstra peculiaridades: dos ferozes defensores da democracia que enforcam virtualmente os críticos ou opositores aos defensores da cidadania que bradam dos microfones dos confortáveis palanques e auditórios. Dos altruístas defensores dos direitos humanos que falam para as massas através das câmeras e lutam das alturas dos helicópteros aos crentes e fanáticos - patológicos ou depravados - que confiam na incorruptibilidade e infalibilidade do sacrossanto líder tanto quanto na ignorância ou má-fé alheias e nas teorias da conspiração! Nesse admirável mundo novo vale tudo: desde “curtir” o anti-semita e colaborador condecorado do nazismo Henry Ford a Che Guevara, de Mano Brown ao racista Elvis Presley, de Jobs/Gates símbolos da globalização a Prestes. Curte-se O Globo ou Época e Caros Amigos, afinal, qual o problema quando tudo reduz-se a preferências pessoais – como chocolate preto ou branco - e indivíduos? A superficialidade de frases de efeito e chavões é apenas um sintoma da miséria política que aceita bandidos como Maluf e Sarney como aliados em nome do poder e ainda apela para o legalismo e a democracia para justificar e defender a sua ambição e falta de ousadia.


A despeito dos quase 300 mil encarcerados sem julgamento no país, do extermínio do povo pobre e jovens negros, das situações hediondas e medievais – segundo o próprio Ministro da Justiça - nos cárceres masculinos e femininos, do massacre diário cometido contra mulheres e crianças e da violência sexual contra elas e adolescentes, os paladinos da esquerda soft estão em uma cruzada mais premente e nobre: a luta contra a injustiça! Não essas cotidianas, anônimas e corriqueiras que ignoram, mas a da mídia e elites contra a justiça, a democracia e o povo simbolizado pela condenação dos inocentes e pobres mártires Zés Dirceu e Genoíno! Aos outros insignificantes Zés a terra, as lágrimas, o desprezo e a lei.  Esses não são lembrados em "comissões da verdade" nem têm as suas fotos publicadas em grandes jornais.


À esquerda soft é um fenômeno recente, resulta da democratização - Estado burguês de direito - e globalização. Filhos mimados da geração 68. Coisa indefinida que se situa entre o velho (68) e o novo (03) e que se acomodou a sua indefinição fazendo dela a sua teoria e práxis. Permeia setores da sociedade civil organizada, academia, iniciativa privada, grupos políticos tradicionais e elites (oligarquias e aristocracias). Compartilham os hábitos e interesses da “elite ilustrada” - apontada por Faoro e Holanda -, têm a convicção que “o poder é a missão para a qual julgam ter nascido!” Apartados do povo, presunçosos que se consideram a vanguarda da democracia e os redentores da política. Intelectualmente limitados e moralmente indigentes, elevaram o silogismo a ciência e a grosseria a argumentação – Freud revelou as formas pelas quais o inconsciente expressa aquilo que o ego tenta esconder.  Soberbos ignoram a crítica e a autocrítica, espreitando-se atrás dos mantos sagrados da democracia, da justiça social, causas populares, etc. Na sua versão burlesca de democracia, reduzem as ideias e o partido, ao líder carismático e infalível. Do providencialismo estatal ao fatalismo messiânico, se espera que o taumaturgo ou o “bom pai” transforme “pobre em rico” ou “pedra em pão.”


Demasiado apreço pelo poder minimiza a política – reduzida a acentuar diferenças, diluir conflitos, escamotear contradições, suavizar e legitimar a dominação. Uma subespécie de pragmatismo indolente que reduz a política a governabilidade e o estado a provedor e prestador de serviços.  Incapaz de penetrar além da superfície das determinações estruturais, versão medíocre de bem estar social que colabora apenas para maquiar o moribundo essencialmente inviável e injusto. Nada além de surradas iniciativas que quase sempre oscilam entre o assistencialismo paternalista/clientelista e a cidadania tutelada que, antes conformam, compatibilizam, domesticam e desmobilizam privilegiando a concentração, especulação, exploração e acumulação no topo por meio da expansão do crédito e o incentivo ao consumo na base. Chega-se ao cumulo do insulto ao pretender supor que essa espécie de política possa ser chamada de socialista! Conforme sejam levianos e indolentes, apressam-se em acusar de elitismo, golpismo ou sectarismo toda e qualquer crítica. Donos da verdade, do poder, da ideologia e da democracia, esta fora de questão cogitar que outros além deles estejam remotamente corretos – talvez ingênuos! 


Não podemos, porem, confundir as alianças da classe operária - estratégicas ou oportunistas - de outros tempos com as recentes, tampouco as suas lutas e bandeiras históricas. Os “bons burgueses” de ontem consideram-se a vanguarda da esquerda de hoje. Nenhuma novidade, a sociedade civil organizada continua classe média e arrogante como sempre foi. Continua a mesma da época áurea das elites ilustradas – legalista, pedante e autoritária. Tanto nos gostos e praticas que a definem quanto no desprezo a crítica e o apreço a superficialidade e falta de originalidade – pôster do Che no escritório e Ermenegildo Zegna no closet, discurso de “revolucionário” no palanque e de “consultor” na empresa de capital.   


No contexto da hegemonia centro-esquerda o funcionamento da lógica é simples, basta que se pronunciem as palavras mágicas – como inclusão, justiça social ou socialismo - que produzem efeito encantador que a um só tempo dispensam maiores argumentos inconvenientes e abonam o discurso e a conduta. Apelar para seus conceitos a despeito da teoria e, sobretudo, da práxis contraditória, transformando-os em “chavões” é inerente a cantilena do esquerdismo vulgar e indolente. Assim, a esquerda vulgar joga para a plateia, desqualificando e abusando de teorias, conceitos, estratégias e, sobretudo, das causas e lutas da classe trabalhadora.


O apreço pelo poder igualmente corrompe, sobretudo aqueles dados a bravatas, demagogia, perfumaria e a cartilha politicamente correta burguesa! Não se iludam, a luta de classes é uma realidade, o poder e o acesso a ele continuam reservados as elites e a classe media nunca representou ou representará os interesses populares, Marx, Gramsci e Lênin não podem redimir os tolos, muito menos os cínicos e oportunistas. E a moral é ainda o melhor meio para conduzir a humanidade pelo nariz.


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