quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Recordações


A minha cruz é um armário com copos e pratos de plástico ilustrados. Potes de mingau, bolachas, iogurtes, doces.
As lembranças são permeadas de cores, cheiros, gostos, pequenos detalhes fincados na memória, cravados no coração.  
A minha cruz é pesada de adornos. O calvário é eterno. Cada dia a via crucis se apresenta. Caminhos estreitos, tortuosos e cheios de pedras. Ela segue a frente e eu a acompanho feliz e triste porque posso senti-la, sem jamais alcançá-la. Posso vê-la e ouvi-la, sem jamais tê-la.
A cruz está pregada as costas e a coroa a cabeça.
Cada riso seu que ouço, cada sorriso que vejo, cada lágrima que provoquei ou não pude evitar perfuram e laceram a alma.
E ela corre pelos meus delírios e recordações.
A minha angustia é eterna ausência. A certeza do que foi e do que poderia ter sido e jamais será.  
É a falta que ela me faz é a miserável impotência dos sentidos e da razão.
É o peito vazio e os olhos carregados. É a inocência feliz. A lucidez sombria. A dolorosa verdade do tempo que é. A implacável certeza do que foi. Se foi.... Me vou.... Todo dia. Cada dia renovam-se os sonhos, as ilusões, as fantasias porque a razão é certeza e a verdade é única. Minha memória é como um fantasma, sorrateiro que vem das profundezas das sombras. Como um anjo sinistro que me vê e ignora. Que me ouve e nada diz, nem me questiona ou escuta. E me contempla como um nada que apenas existe impotente diante das verdades eternas insondáveis e inexoráveis. Ele não se compadece e nem se regozija. É indiferente à minha insignificância e miséria.  O mal basta por si só. O homem basta-se a si mesmo. A consciência é uma fatalidade - onipresente, onisciente, onipotente. É e existe. Estou só no caminho, apenas ouço e sigo. Sei que logo ela vem rica e plena de inocência, alegria, luz e alegorias. Nesse longo vácuo sustentado pela memória encontram-se as lágrimas, o desprezo, o escárnio e o tormento da vida fútil, permeada de Sisífos e Damôcles. O Estige é longo, escuro, frio e pesado. O dossel é um alivio que acaricia a alma, o ultimo suspiro de um sonho que se é permitido contemplar sob as águas turvas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário