A minha cruz é um armário com copos e pratos de plástico
ilustrados. Potes de mingau, bolachas, iogurtes, doces.
As lembranças são permeadas de cores, cheiros, gostos, pequenos
detalhes fincados na memória, cravados no coração.
A minha cruz é pesada de adornos. O calvário é eterno. Cada dia a via crucis se apresenta. Caminhos
estreitos, tortuosos e cheios de pedras. Ela segue a frente e eu a acompanho
feliz e triste porque posso senti-la, sem jamais alcançá-la. Posso vê-la e
ouvi-la, sem jamais tê-la.
A cruz está pregada as costas e a coroa a cabeça.
Cada riso seu que ouço, cada sorriso que vejo, cada lágrima
que provoquei ou não pude evitar perfuram e laceram a alma.
E ela corre pelos meus delírios e recordações.
A minha angustia é eterna ausência. A certeza do que foi
e do que poderia ter sido e jamais será.
É a falta que ela me faz é a miserável impotência dos sentidos e da razão.
É o peito vazio e os olhos carregados. É a inocência feliz. A
lucidez sombria. A dolorosa verdade do tempo que é. A implacável certeza do que
foi. Se foi.... Me vou.... Todo dia. Cada dia
renovam-se os sonhos, as ilusões, as fantasias porque a razão é certeza e a verdade
é única. Minha memória é como um fantasma, sorrateiro que vem das profundezas
das sombras. Como um anjo sinistro que me vê e ignora. Que me ouve e nada diz,
nem me questiona ou escuta. E me contempla como um nada que apenas existe impotente diante das verdades eternas insondáveis e inexoráveis. Ele não se compadece e
nem se regozija. É indiferente à minha insignificância e miséria. O mal basta por si só. O homem basta-se a si
mesmo. A consciência é uma fatalidade - onipresente, onisciente, onipotente. É e existe. Estou só no caminho, apenas
ouço e sigo. Sei que logo ela vem rica e plena de inocência, alegria, luz e
alegorias. Nesse longo vácuo sustentado pela memória encontram-se as lágrimas,
o desprezo, o escárnio e o tormento da vida fútil, permeada de Sisífos e
Damôcles. O Estige é longo, escuro, frio e pesado. O dossel é um alivio que
acaricia a alma, o ultimo suspiro de um sonho que se é permitido contemplar sob as águas turvas.
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