domingo, 13 de janeiro de 2013

Reflexões políticas





Algumas expressões tornaram-se corriqueiras de modo a subsidiar a base subjetiva das democracias liberais. Dentre elas, a de que “existe liberdade de pensamento e de imprensa porque vivemos numa democracia", "as eleições periódicas e livres são a expressão da democracia." De fato, do ponto de vista objetivo democracia é isso tudo e mais independência de poderes, liberdade de reunião e religiosa, liberdades individuais, judiciário livre, pluralidade de partidos, entre outras. Denotam, de fato, um caráter definitivo e unidimensional, dissimulando a realidade e as suas contradições. O pensamento unidimensional estabelece a democracia formal como a única, verdadeira e real. De acordo com Marcuse, "elementos mágicos, autoritários e rituais invadem a palavra e a linguagem." Foucault, Clastres, Ranciére, Deleuze, entre outros também demonstram o poder do discurso – sua fabricação, manipulação e acesso ou interdição - nas sociedades modernas – das autoritárias as democráticas.  São as sociedades de massas, segundo os Frankfurtianos e as do espetáculo, conforme Debord. Atores e entes políticos de todas as tendências e filiações, da esquerda à direita, compartilham o mesmo ideal: a defesa da democracia formal ou nominal. A sua defesa, em toda a sua plenitude retórica e ideológica, assenta-se em um princípio fundamental: o de não transformar as relações sociais, senão minimizar e amenizar as contradições, pulverizar e diluir os conflitos - Zizek. A linguagem tornou-se serva da manipulação nessa sociedade e dos rituais de linguagem.
Há todo um repertório de mecanismos - palavras e imagens - destinados a transformar a democracia formal no espetáculo da história finalmente completada – eis o fim da história! A sua manipulação mobiliza diversas instituições, recursos e meios – a cátedra, o palanque, o palco, a mídia, o púlpito, a rede, a tribuna e o tribunal, entre outros. Todavia, o vigor teórico e retórico se mostra-se necessário não é suficiente para escamotear a essência da democracia real – popular, participativa, direta, justa, fraterna e igualitária.
Em 1989, ou seja, um ano após a Carta Democrática, o sociólogo Herbert de Sousa, de forma aparentemente contraditória manifesta-se a favor da concessão de asilo político ao ex-ditador deposto do Paraguai Alfredo Stroessner. Em artigo na revista Veja (1989), justifica-se optando pela democracia e consagrando-a afirma: “Não só não faz sentido como também não é ético escolher as pessoas que devem ser aquinhoadas com esse direito – ao asilo. O democrata convicto, o batalhador pelos direitos humanos, e o ativista político de esquerda, que foi perseguido e torturado, todos têm direito ao asilo. O ex-ditador do Paraguai, general Alfredo Stroessner, também.” Exemplo máximo de rigor ético e coerência democráticas acima de tudo e qualquer suspeita!
Paradoxalmente, os mártires da democracia de ontem revelam-se os seus depreciadores hoje. Trata-se de uma visão peculiar de democracia que consiste em uma espécie de intolerância – aberta ou velada – expressa pela indolência ou conveniência e pela ignorância ou estupidez que a deprecia e a corrói pelas bases no dia-a-dia. Percebe-se essa visão pitoresca de democracia que dissimula o desprezo ou a ignorância, quando se recusa qualquer critica e auto-crítica, opta-se pela manutenção de praticas e modelos anacrônicos e autoritários em nome de uma subespécie de “pragmatismo” – grosseiro utilitarismo!  
Para alguns “democratas” de hoje, crítica é golpismo e democracia reduz-se a aplausos e confetes, privilegio e direito reservado aos escolhidos. O mantra da cantilena grosseira de hoje dirige-se aos críticos à esquerda e a direita – esta paradoxalmente e convenientemente chamada de “base aliada”! Militantes históricos da esquerda e das lutas populares insultados por cobrar coerência ideológica e questionar ou criticar praticas políticas e alianças, por outro lado, inimigos da esquerda, da democracia e do povo são alçados ao palanque, ao governo e promovidos a “democratas” e/ou elevados ao status de “estadista” – alguns “honoráveis bandidos” do Maranhão, Pará, Alagoas, São Paulo, entre outros. Nessa visão tosca de democracia, clamam pelo fim do DEM e conclamam pela proibição a patética – por si só – refundação da Arena. Pensei que na democracia se privilegiasse a pluralidade de partidos e ideias, alternância de poder? Evidente que não se trata de questão ideológica, afinal, esta foi superada pela intelligentsia do establishment - veleidades que cabem no fundo da gaveta do burocrata do dia. Nem de subestimar a estupidez e a prepotência/ignorância dos jovens desse movimento, entretanto, também não subestimo o povo, que saberá como tratar tal disparate.  Ao contrário do “humilde” comissariado que pretende tutelar o juízo alheio, embora negligencie sobre a educação, a cultura e os “meios” – milhões de analfabetos, dezenas de milhões de analfabetos funcionais, educação sucateada (escolas, servidores e universidades), índices de qualidade do ensino vexatórios, recordes sucessivos de investimentos astronômicos em propaganda nos “meios” e Vale-Cultura (como compensação?), a despeito da depravada Lei Rouanet (que beneficia apenas os grandes artistas e empresas), dos monopólios da comunicação e da cultura pautada pelo famigerado mercado!   
Pretende-se inscrever no imaginário popular a farsa da democracia e da governabilidade. Explico-me: trata-se da opção pela histórica política da conciliação, ao invés da transformação e ruptura. Não se trata também de ser contra a democracia. Trata-se de ser contra este modelo de democracia – representativa, de mercado, desenvolvimentista, elitista. Existem diversas formas de democracia tanto quanto existem as de estados e governo. Aqui desde a época do império a da “abertura lenta e gradual” opta-se pela conciliação entre as velhas oligarquias e os novos atores políticos. Os primeiros incorporando e domando o ímpeto dos segundos, “remendo de pano novo em trapo velho” – Faoro. Eis a política “revolucionária” dos que se pretendem a vanguarda da esquerda no continente!
A pretensa vanguarda da esquerda é prolífica em eufemismos e substantivos. “Base aliada”, “estratégia política”, “governabilidade”, meros enfeites de retórica que servem aos interesses do fisiologismo, conluios e clientelismo, a serviço da acumulação e exploração e aos desmandos e expansão do grande capital transnacional, dos intocáveis “meios” e da política temerária nas questões internacionais – na posição ambígua diante de Washington ao golpe no Paraguai, do apoio retraído a Hugo Chávez a crise no Oriente Médio, passando pela permanente e vergonhosa intervenção no Haiti ao apoio a déspotas assassinos e megalomaníacos na África.
Tudo aquilo que condenavam há pouco mais de vinte anos. Aquilo que vi e ouvi nas campanhas majoritárias de Luiza Erundina (88), Eduardo Suplicy (92), José Dirceu (94) e Marta Suplicy (98/00) em São Paulo como militante – fazendo panfletagem e pixação. Dezoito anos depois de dois governos democráticos consecutivos - porque o do condottiere do Maranhão e nem o do sinhozinho das Alagoas devem contar (os novos “bons companheiros da base).” Passados três PNDHs e dezesseis anos chegamos a Comissão da Verdade em matéria de Direitos Humanos. Do ponto de vista prático, espaço para “eminências pardas” intelectuais produzirem por meio de toneladas de papéis e uma infinidade de relatórios restritos, parcerias com diversos organismos nacionais e estrangeiros à custa do erário aquilo que o bom senso sabe ou desconfia sobre as misérias praticadas a época do terror - DITADURA.  Do ponto de vista objetivo, nada alem de documentos que recomendam exatamente aquilo que qualquer país civilizado e democrático cumpre, conforme a justiça e os tratados de direito internacional impõem aos seus signatários – caso brasileiro. Sem poder de investigação ou judicial, com três décadas de atraso, que se pode esperar? Alguém acredita ainda que processaria ou puniria octogenários ou moribundos? Risível! Claro, rever a historia, reconstruí-la, reescrevê-la nas páginas oficiais, sem duvidas. Porem, quem decide quem escreverá? Os de sempre – políticos, intelectuais, bacharéis, elites. O caráter seletivo elitista dessas comissões remonta a época da Anistia e foi denunciado por setores populares – Abdias Nascimento recorda-se em entrevista recente (pouco antes de falecer), que “no final dos anos de 70” durante o “movimento pela anistia ampla e irrestrita”, lideranças “esquerdistas” não “reconheciam a prisão dos negros por discriminação racial como uma forma de perseguição política.” Finaliza afirmando que “para as forças de esquerda, presos políticos seriam apenas os filhos de classe média e alta, quase todos brancos, que roubavam bancos, jogavam bombas ou sequestravam embaixadores. Esses, em muitos casos, efetivamente haviam cometido atos de violência, enquanto não raro negros são presos e torturados sem terem cometido crime algum.” Qualquer semelhança com a situação dos encarcerados nas atuais masmorras medievais - que ao menos o Ministro da Justiça teve a decência de reconhecer - não deve ser mera coincidência! Sem julgamento são apenas 200 mil, mas, infelizmente, seus nomes não devem constar das listas das comissões publicas, muito menos daquelas da OAB, desconhecidos e ignorados. Curioso como na sua imensa maioria coincidem de lado a lado os participantes dessas comissões – brancos, intelectuais, empresários, profissionais liberais, políticos, sindicalistas, servidores, aposentados (como o milionário empresário do ramo da construção civil entrevistado essa semana, Sr. Boris Tabacoff). Poucos ou nenhum analfabeto, peão de obra, lavrador, ambulante, desempregado, morador de rua – justamente em um país que se caracteriza pela péssima distribuição de renda, injustiça social e miséria! Não, não se trata de ser contra a Comissão, trata-se de alcançar a justiça antes a quem ainda vive e necessita – encarcerados, excluídos – e, buscar os anônimos antes dos privilegiados e consagrados pela política e pela sociedade. Enfim, o velho grotesco e hipócrita espetáculo de indulgencia publica para as elites e classes medias sob a cumplicidade coletiva diante do extermínio e encarceramentos cotidianos.       
Paradoxalmente as “lideranças esquerdistas” daquela época são as que ocupam os gabinetes do poder hoje. Os que eram os jovens universitários de classe media dos rebeldes anos 60 e 70 proclamam-se os redentores da política – donos do poder, do saber, da verdade! Infalíveis, incorruptíveis, inexoráveis. Não há a possibilidade de em matéria de política ou administração publica que outros estejam à altura – qualquer partido ou individuo! Não aceitam criticas tampouco comparações - apenas aplausos, ovações  privilégios  homenagens e reconhecimentos. Implementaram politicas publicas de distribuição de renda? São diferentes do PSDB? E isso não é o minimo que se pode esperar de um partido a esquerda? A boa gestão publica pelo governo não é também exigência constitucional?  

Megalomania que se verifica ainda na “originalidade” pela opção do modelo “desenvolvimentista” – obras faraônicas da época áurea da Ditadura! Obras que beneficiam os velhos novos parceiros do progresso e do poder – as mesmas empreiteiras e bancos da época dos generais e que e contribuíam efetivamente para a famigerada Oban. Passados quatro décadas, persistem os lobbys das empreiteiras e os conluios com os poderosos do dia, os cartéis empresariais e a acumulação/concentração de capital e poder ao lado da devastação da natureza e exploração dos trabalhadores ao ponto da extinção de ambos.  
Florestan, Darcy, Celso, Paulo, Abdias, Prestes, Betinho, Ianni. Não os conheci nenhum – Ianni vi-o uma vez na universidade e em uma palestra na biblioteca Monteiro Lobato em SP. Pertencem ao passado em que os intelectuais eram engajados politicamente e comprometidos com as causas populares. Época em que os políticos à esquerda frequentavam as ruas – e não apenas em campanha, comícios ou eventos. Por isso prefiro a política da rua.

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