segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Educação, política e tecnologia.


“Mas eu não quero o conforto (da tecnologia). Quero Deus, a poesia, o perigo real, a liberdade, a bondade, o pecado.” (O Selvagem, Admirável Mundo Novo) Aldous Huxley.

Quando Aldous Huxley escreveu Admirável Mundo Novo não existiam computadores e a bomba Atômica ainda não havia sido criada. Huxley mirava na crescente industrialização e na veloz transformação da sociedade por meio dela – novos hábitos, gostos, relações sociais, valores, ideias, estruturas, ideologias e problemas. Diante da colonização das relações sociais pela indústria – massificação - ele vislumbrou um futuro sombrio para o individuo e a sociedade no limite desse processo. Pessoas cada vez mais autônomas com relação ao outro e a sociedade e dependentes das maquinas e da tecnologia, mais atomizadas. Ele observa uma tendência, no limite, a depositar a redenção do homem e da sociedade na maquina. Falamos de um livro de 80 anos, muito embora alguns proclamem que seja ela – tecnologia - a redentora da educação – um computador com internet por aluno! Emilia Ferreiro lembra-nos que essa proposta para a America Latina e o Caribe resulta não de deliberação pedagógica, mas de uma parceria entre o Banco Interamericano de Desenvolvimento e a Starmedia Networks. O Censo 2010, por sua vez, nos lembra que temos ainda cerca de 15 milhões de analfabetos e os exames de avaliação do nosso sistema de ensino demonstram que antes precisamos alfabetizar para o livro, o jornal, a revista. Ainda não existem estudos conclusivos sobre o analfabetismo funcional, mas, dados do INAF/IPM revelam que em 2009 75% dos brasileiros entre 15 e 64 eram considerados analfabetos funcionais. Considerados os fatos, como pensar a tecnologia da informação e da comunicação na EaD no contexto brasileiro? Parece-nos utopia ou um retorno ao Positivismo supor que a EAD e a tecnologia diante dos incontáveis e imensos problemas do ensino e escola publica, a desvalorização continuada dos professores sejam a tabua de salvação da  educação brasileira. O governador Alckmin pensa asssim, a despeito da calamidade da educação e escolas paulistas, na medida em que implantará “lousas virtuais” e comprará notebooks para os alunos - analfabetos funcionais - da rede publica. O “projeto aula interativa” resulta de uma parceria do governo com a Dell e prevê a partir de 2013 digitalizar 40% das aulas, com investimentos de 5,5 bilhões de reais – qualquer semelhança com os argumentos da Sra Ferreiro não deve ser mera coincidência. Enquanto isso faltam professores, bibliotecas, livros, sistemas de formação e avaliação continuada, plano de carreira, piso salarial e jornada de trabalho dignas e, por fim, mais escolas e salas de aula e de modo a diminuir a superlotação delas. É típico da política brasileira procrastinar, tratando antes das consequências que das causas, buscando soluções mirabolantes e pirotécnicas. A política como espetáculo; demagogia e tecnologia!
Com efeito, Celestin Freinet, em 1959 chamava a atenção para o caráter dinâmico da educação e da sua relação com o trabalho. Para ele educação era atividade e, conforme o conhecimento seja social, ela deveria ser coletiva e tanto o processo de construção do conhecimento quanto a sua aplicabilidade deveriam observar as características e as necessidades da sociedade a qual se destinavam. Freinet reconhecia a importância da tecnologia para o desenvolvimento dos processos produtivos, incluído o conhecimento. Por isso não entendia “como ensinam a escrever com essa caneta do avô, se quando deixar a escola, - o estudante -, terei, talvez, uma maquina de escrever?” Desse modo é relevante pensar a utilização das diversas ferramentas tecnológicas no processo educativo. Assim, retomando Freinet, trata-se de pensar nas características e necessidades da sociedade sobre a qual ela deverá incidir. Nesse sentido é imperativo considerar a tecnologia como um “meio” cujo “fim” é a educação – seu objeto e finalidades. Idêntica uma ferramenta como outra qualquer.
A tecnologia, de um modo geral, desde a Grécia estiveram estreitamente ligadas a objetivos militares. Toda a tecnologia que conhecemos e desfrutamos hoje teve origem durante a Segunda Guerra e aperfeiçoou-se com a Guerra Fria e a corrida espacial. Ligadas a setores de segurança e militares, as grandes companhias tecnológicas mantêm laços estreitos com setores governamentais e organismos internacionais. Embora a iniciativa seja privada, sem o apoio ou o respaldo governamental as empresas não avançam. Assim, todas essas empresas parceiras dos governos em épocas de conflito asseguram participação nos esforços de reconstrução do pós-guerra garantindo a sua fatia no mercado consumidor interno e externo – IBM (1924), Motorola (1928), HP (1938).
A transição do caráter bélico/militar para o comercial é automático e continuo. Nesse sentido, as ferramentas cujos fins eram bélicos e militares transformam-se em utilidades industriais, empresariais, administrativas ou domesticas. Mudam-se os fins, mas não os meios – a produção continua padronizada em escala industrial para consumo de massa inserida no mercado comercial. O caráter comercial é próprio das sociedades capitalistas, na democracia de mercado todos são livres para consumir e o mercado para produzir e competir – cabe ao Estado regular e fiscalizar essa estrutura conforme o interesse publico. No modelo globalizado neoliberal o predomina a lógica do “Estado mínimo”, deixando livre a “mão invisível” do mercado para que ela se auto-regule. A empresa, nesse sistema, deve apenas competir com as outras em busca de expandir o seu espaço no mercado e de aumentar o seu lucro. A imbricada relação entre a política e capitalismo introduziu os valores daquele no outro. A tecnologia utilizada para fins militares e bélicos migraram para outros setores da administração publica e chegaram ao mercado consumidor.
A relação democracia e capitalismo redefiniu o papel do Estado e a própria sociedade. Os novos arranjos produtivos, hábitos de consumo e relação Estado e cidadãos exigiram indivíduos mais preparados para essa nova sociedade. Assim, com o fim da II Guerra e o inicio da Guerra Fria ocorre o incremento do Welfare State e a expansão de direitos sociais. Nesse contexto consolida-se a ideia da universalização do acesso a educação, exigindo maiores esforços do Estado e sociedades. Todavia, conforme a tecnologia seja privada, a sua expansão na sociedade ocorre dentro da lógica de mercado, como qualquer mercadoria disponível para o consumo.

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