“Mas eu não
quero o conforto (da tecnologia). Quero Deus, a poesia, o perigo real, a
liberdade, a bondade, o pecado.” (O Selvagem, Admirável Mundo Novo) Aldous
Huxley.
Quando Aldous
Huxley escreveu Admirável Mundo Novo não existiam computadores e a bomba
Atômica ainda não havia sido criada. Huxley mirava na crescente
industrialização e na veloz transformação da sociedade por meio dela – novos
hábitos, gostos, relações sociais, valores, ideias, estruturas, ideologias e problemas.
Diante da colonização das relações sociais pela indústria – massificação - ele
vislumbrou um futuro sombrio para o individuo e a sociedade no limite desse
processo. Pessoas cada vez mais autônomas com relação ao outro e a sociedade e
dependentes das maquinas e da tecnologia, mais atomizadas. Ele observa uma
tendência, no limite, a depositar a redenção do homem e da sociedade na
maquina. Falamos de um livro de 80 anos, muito embora alguns proclamem que seja
ela – tecnologia - a redentora da educação – um computador com internet por
aluno! Emilia Ferreiro lembra-nos que essa proposta para a America Latina e o
Caribe resulta não de deliberação pedagógica, mas de uma parceria entre o Banco
Interamericano de Desenvolvimento e a Starmedia Networks. O Censo
2010, por sua vez, nos lembra que temos ainda cerca de 15 milhões de
analfabetos e os exames de avaliação do nosso sistema de ensino demonstram que antes
precisamos alfabetizar para o livro, o jornal, a revista. Ainda não existem
estudos conclusivos sobre o analfabetismo funcional, mas, dados do INAF/IPM
revelam que em 2009 75% dos brasileiros entre 15 e 64 eram considerados
analfabetos funcionais. Considerados os fatos, como pensar a tecnologia da
informação e da comunicação na EaD no contexto brasileiro? Parece-nos utopia ou
um retorno ao Positivismo supor que a EAD e a tecnologia diante dos incontáveis
e imensos problemas do ensino e escola publica, a desvalorização continuada dos
professores sejam a tabua de salvação da educação brasileira. O governador Alckmin
pensa asssim, a despeito da calamidade da educação e escolas paulistas, na
medida em que implantará “lousas virtuais” e comprará notebooks para os alunos -
analfabetos funcionais - da rede publica. O “projeto aula interativa” resulta
de uma parceria do governo com a Dell e prevê a partir de 2013 digitalizar 40%
das aulas, com investimentos de 5,5 bilhões de reais – qualquer semelhança com
os argumentos da Sra Ferreiro não deve ser mera coincidência. Enquanto isso
faltam professores, bibliotecas, livros, sistemas de formação e avaliação
continuada, plano de carreira, piso salarial e jornada de trabalho dignas e,
por fim, mais escolas e salas de aula e de modo a diminuir a superlotação
delas. É típico da política brasileira procrastinar, tratando antes das
consequências que das causas, buscando soluções mirabolantes e pirotécnicas. A
política como espetáculo; demagogia e tecnologia!
Com efeito, Celestin
Freinet, em 1959 chamava a atenção para o caráter dinâmico da educação e da sua
relação com o trabalho. Para ele educação era atividade e, conforme o
conhecimento seja social, ela deveria ser coletiva e tanto o processo de
construção do conhecimento quanto a sua aplicabilidade deveriam observar as
características e as necessidades da sociedade a qual se destinavam. Freinet
reconhecia a importância da tecnologia para o desenvolvimento dos processos
produtivos, incluído o conhecimento. Por isso não entendia “como ensinam a
escrever com essa caneta do avô, se quando deixar a escola, - o estudante -,
terei, talvez, uma maquina de escrever?” Desse modo é relevante pensar a
utilização das diversas ferramentas tecnológicas no processo educativo. Assim,
retomando Freinet, trata-se de pensar nas características e necessidades da
sociedade sobre a qual ela deverá incidir. Nesse sentido é imperativo
considerar a tecnologia como um “meio” cujo “fim” é a educação – seu objeto e
finalidades. Idêntica uma ferramenta como outra qualquer.
A tecnologia, de
um modo geral, desde a Grécia estiveram estreitamente ligadas a objetivos
militares. Toda a tecnologia que conhecemos e desfrutamos hoje teve origem
durante a Segunda Guerra e aperfeiçoou-se com a Guerra Fria e a corrida
espacial. Ligadas a setores de segurança e militares, as grandes companhias
tecnológicas mantêm laços estreitos com setores governamentais e organismos
internacionais. Embora a iniciativa seja privada, sem o apoio ou o respaldo
governamental as empresas não avançam. Assim, todas essas empresas parceiras
dos governos em épocas de conflito asseguram participação nos esforços de
reconstrução do pós-guerra garantindo a sua fatia no mercado consumidor interno
e externo – IBM (1924), Motorola (1928), HP (1938).
A transição do
caráter bélico/militar para o comercial é automático e continuo. Nesse sentido,
as ferramentas cujos fins eram bélicos e militares transformam-se em utilidades
industriais, empresariais, administrativas ou domesticas. Mudam-se os fins, mas
não os meios – a produção continua padronizada em escala industrial para consumo
de massa inserida no mercado comercial. O caráter comercial é próprio das
sociedades capitalistas, na democracia de mercado todos são livres para
consumir e o mercado para produzir e competir – cabe ao Estado regular e
fiscalizar essa estrutura conforme o interesse publico. No modelo globalizado
neoliberal o predomina a lógica do “Estado mínimo”, deixando livre a “mão
invisível” do mercado para que ela se auto-regule. A empresa, nesse sistema,
deve apenas competir com as outras em busca de expandir o seu espaço no mercado
e de aumentar o seu lucro. A imbricada relação entre a política e capitalismo
introduziu os valores daquele no outro. A tecnologia utilizada para fins
militares e bélicos migraram para outros setores da administração publica e
chegaram ao mercado consumidor.
A relação
democracia e capitalismo redefiniu o papel do Estado e a própria sociedade. Os
novos arranjos produtivos, hábitos de consumo e relação Estado e cidadãos
exigiram indivíduos mais preparados para essa nova sociedade. Assim, com o fim
da II Guerra e o inicio da Guerra Fria ocorre o incremento do Welfare State e a
expansão de direitos sociais. Nesse contexto consolida-se a ideia da
universalização do acesso a educação, exigindo maiores esforços do Estado e
sociedades. Todavia, conforme a tecnologia seja privada, a sua expansão na
sociedade ocorre dentro da lógica de mercado, como qualquer mercadoria
disponível para o consumo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário