Há
uma tendência peculiar em setores políticos e intelectuais da esquerda
brasileira: o pragmatismo utilitarista.
Historicamente, o marxismo, na academia e na política é recente no Brasil. Do
ponto de vista objetivo, poderíamos dizer que iniciou-se, de um lado com a
fundação do PCB em 1922 e de outro com os cursos de Ciências Sociais no Brasil
– ELSP em 1933 e FFCLH em 34. Não é novidade que se caracteriza de um lado,
pelo sectarismo e, de outro, pelo escolasticismo, características intrínsecas
ao seu processo histórico, marcado pelo autoritarismo político e alienação
social. Ambas, entretanto, não coadunam com o socialismo e a democracia.
De
acordo com Faoro, Holanda, Prado Jr., entre outros, o processo histórico
brasileiro caracteriza-se por relações sociais marcadas pela dominação
tradicional (famílias), patriarcalismo, personalismo e cordialidade e, na
política, pelo patrimonialismo, autoritarismo, colonialismo, bacharelismo –
dependência econômica, monoculturas e exploração predatórias, centralização
política, oligopólios e latifúndio, subserviência social, etc. Processo que
revela traços fundamentais que resiste aos séculos e que definem a sociedade
sobre a qual se assenta, adaptando-se e reproduzindo-se, constituindo-se no
amalgama que sedimentam as relações sociais e de poder no Brasil. De um lado, a
moralidade e a ética dos fidalgos, de outro, a resiliência e a sabedoria
popular – lealdade, coragem, força, adaptação, submissão, conciliação, orgulho
e indolência. Mediando esse processo ao invés do Estado, a Igreja, a crença a
serviço da alienação e expropriação populares. Legitimando, suavizando e
perpetuando a dominação. Pouco mudou com a incorporação de novos atores a
compartilhar a missão civilizatória com a Igreja.
A
república não rompeu as antigas formas e relações poder. A democracia não
transformou algumas instituições e as relações sociais. Nem a ascensão de um
partido de esquerda ao poder - a exceção confirma a regra. A tradição se impõem
a historia. Doma-lhe o ímpeto, marca-lhe o passo. Estabelece o ritmo lento,
gradual e seguro as classes dominantes conforme os seus interesses e
conveniência. Não transforma, reforma, não enfrenta, assimila ou interdita. Conforme o "evolucionismo" político brasileiro a adaptação promove os novos e perpetua
os velhos – indivíduos, entes, ideias, práticas – conciliando-os,
reconciliando-os, consagrando a repetição da historia. A farsa é pior que a
tragédia.
O
tabu é intrínseco a tradição. Caracteriza-se pelo formalismo litúrgico, pelo
dogmatismo, pelo sectarismo, pela submissão e obediência. Os modelos de
lideranças tradicionais, que se encontra em diversos setores da sociedade,
revestem-se das características que estabelecem o tabu. Ele é, sobretudo, um
meio de interdição. O
exercício do poder é para poucos. O “homem de poder” constitui-se na “única
fonte de palavra legitima”. A palavra adquire o status de “ordem”, emprestando
a autoridade do poder constituído. A palavra é um privilégio e “a
produção e a manutenção do discurso em todas as sociedades e em
todas as épocas” trata-se de um instrumento indispensável para o exercício do poder.
O discurso produzido consiste em uma prática “controlada, selecionada,
organizada e redistribuída por certo numero de procedimentos cuja
função é a de dominar o seu acontecimento aleatório, ocultar e omitir a
sua materialidade.”
O
fim da guerra fria e a globalização coincidem com a democracia no cenário
brasileiro. No bojo desse processo segue a expansão dos movimentos sociais como
requisito do Estado democrático de direito nominal. A sua expansão caracteriza-se pelo incremento
do Estado em decorrência das exigências da globalização - a democracia é o
regime que melhor atende as necessidades do capital global. Na proporção inversa
que se expandem os movimentos sociais e a aquisição de direitos ocorrem à maior
complexidade das relações sociais no âmbito da política, economia, produção e
cultura. Estratégia sutil e perversa que burocratiza os canais de acesso ao
poder e desestrutura, desarranja, desqualifica e deslegitima os modelos
populares e comunitários de participação, representação e manutenção de
demandas e conflitos.
Conforme
a diversidade e as exigências do modelo hegemônico global, algumas instituições
e mecanismos cumprem papel fundamental na sua consolidação. Adaptam-no as
especificidades e determinações locais, assimilando e cooptando setores
tradicionais ou emergentes – públicos e privados -, conduzindo, dissimulando e
legitimando a dominação. Estado, mercado, ciência, tecnologia, imprensa e
comunicação. Eis os donos do poder, da produção, da moral, do saber, da palavra
e da verdade.
A
democracia que incorporou novos atores políticos e sociais não pode superar os
tradicionais - oligárquicos. Ela compatibilizou “o novo” com o velho, fez do
primeiro herdeiro do outro. Não há ruptura ou transformação, apenas
continuidade e mudança. As relações de poder permanecem intocáveis porque as
suas estruturas são indeléveis. A concentração de poder é intrínseca a
burguesia quanto à acumulação ao capital. Continua.....
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