domingo, 24 de fevereiro de 2013

Por que a crítica?


Há uma tendência peculiar em setores políticos e intelectuais da esquerda brasileira: o pragmatismo utilitarista. Historicamente, o marxismo, na academia e na política é recente no Brasil. Do ponto de vista objetivo, poderíamos dizer que iniciou-se, de um lado com a fundação do PCB em 1922 e de outro com os cursos de Ciências Sociais no Brasil – ELSP em 1933 e FFCLH em 34. Não é novidade que se caracteriza de um lado, pelo sectarismo e, de outro, pelo escolasticismo, características intrínsecas ao seu processo histórico, marcado pelo autoritarismo político e alienação social. Ambas, entretanto, não coadunam com o socialismo e a democracia.
De acordo com Faoro, Holanda, Prado Jr., entre outros, o processo histórico brasileiro caracteriza-se por relações sociais marcadas pela dominação tradicional (famílias), patriarcalismo, personalismo e cordialidade e, na política, pelo patrimonialismo, autoritarismo, colonialismo, bacharelismo – dependência econômica, monoculturas e exploração predatórias, centralização política, oligopólios e latifúndio, subserviência social, etc. Processo que revela traços fundamentais que resiste aos séculos e que definem a sociedade sobre a qual se assenta, adaptando-se e reproduzindo-se, constituindo-se no amalgama que sedimentam as relações sociais e de poder no Brasil. De um lado, a moralidade e a ética dos fidalgos, de outro, a resiliência e a sabedoria popular – lealdade, coragem, força, adaptação, submissão, conciliação, orgulho e indolência. Mediando esse processo ao invés do Estado, a Igreja, a crença a serviço da alienação e expropriação populares. Legitimando, suavizando e perpetuando a dominação. Pouco mudou com a incorporação de novos atores a compartilhar a missão civilizatória com a Igreja. 
A república não rompeu as antigas formas e relações poder. A democracia não transformou algumas instituições e as relações sociais. Nem a ascensão de um partido de esquerda ao poder - a exceção confirma a regra. A tradição se impõem a historia. Doma-lhe o ímpeto, marca-lhe o passo. Estabelece o ritmo lento, gradual e seguro as classes dominantes conforme os seus interesses e conveniência. Não transforma, reforma, não enfrenta, assimila ou interdita. Conforme o "evolucionismo" político brasileiro a adaptação promove os novos e perpetua os velhos – indivíduos, entes, ideias, práticas – conciliando-os, reconciliando-os, consagrando a repetição da historia. A farsa é pior que a tragédia.
O tabu é intrínseco a tradição. Caracteriza-se pelo formalismo litúrgico, pelo dogmatismo, pelo sectarismo, pela submissão e obediência. Os modelos de lideranças tradicionais, que se encontra em diversos setores da sociedade, revestem-se das características que estabelecem o tabu. Ele é, sobretudo, um meio de interdição. O exercício do poder é para poucos. O “homem de poder” constitui-se na “única fonte de palavra legitima”. A palavra adquire o status de “ordem”, emprestando a autoridade do poder constituído. A palavra é um privilégio e “a produção e a manutenção do discurso em todas as sociedades e em todas as épocas” trata-se de um instrumento indispensável para o exercício do poder. O discurso produzido consiste em uma prática “controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo numero de procedimentos cuja função é a de dominar o seu acontecimento aleatório, ocultar e omitir a sua materialidade.”
O fim da guerra fria e a globalização coincidem com a democracia no cenário brasileiro. No bojo desse processo segue a expansão dos movimentos sociais como requisito do Estado democrático de direito nominal.  A sua expansão caracteriza-se pelo incremento do Estado em decorrência das exigências da globalização - a democracia é o regime que melhor atende as necessidades do capital global. Na proporção inversa que se expandem os movimentos sociais e a aquisição de direitos ocorrem à maior complexidade das relações sociais no âmbito da política, economia, produção e cultura. Estratégia sutil e perversa que burocratiza os canais de acesso ao poder e desestrutura, desarranja, desqualifica e deslegitima os modelos populares e comunitários de participação, representação e manutenção de demandas e conflitos.  
Conforme a diversidade e as exigências do modelo hegemônico global, algumas instituições e mecanismos cumprem papel fundamental na sua consolidação. Adaptam-no as especificidades e determinações locais, assimilando e cooptando setores tradicionais ou emergentes – públicos e privados -, conduzindo, dissimulando e legitimando a dominação. Estado, mercado, ciência, tecnologia, imprensa e comunicação. Eis os donos do poder, da produção, da moral, do saber, da palavra e da verdade.
A democracia que incorporou novos atores políticos e sociais não pode superar os tradicionais - oligárquicos. Ela compatibilizou “o novo” com o velho, fez do primeiro herdeiro do outro. Não há ruptura ou transformação, apenas continuidade e mudança. As relações de poder permanecem intocáveis porque as suas estruturas são indeléveis. A concentração de poder é intrínseca a burguesia quanto à acumulação ao capital. Continua.....

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