domingo, 2 de junho de 2013

Revolucionários virtuais.





“Um saber que não atua é um saber vadio, diletante e ornamental.” Darcy Ribeiro

Penso se Prestes e Marighella estariam mais orgulhosos ou despeitados? Que, de fato, a direita tem toda a razão em preocupar-se com os ventos que sopram de setores da esquerda, agitando o "cabelo ao vento" de "gente jovem reunida." Inflamando as brasas adormecidas da revolução! Quanto mais observo parte da esquerda, mais percebo o quão patológico é o caráter autoritário da direita. Se a direita é ignorante, parte da esquerda é tanto indolente quanto arrogante!

Os ventos  em questão não sopram das fabricas e nem do “subúrbio operário.” Eles vêm do conforto e segurança dos gabinetes, cátedras, universidades Brasil afora: “proletários de todo o mundo: uni-vos!” Os que clamam pela união do proletariado não são proletários e os ignoram! Os novos revolucionários e/ou pretensos porta-vozes das classes populares e dos trabalhadores, não são nem uma coisa nem outra! Poucos são os assalariados e menos ainda os sem rendimentos, sem emprego, sem vínculos acadêmicos, sem lugar na sociedade burguesa e menos ainda na vanguarda - excluídos, apartados, explorados! Os alfaiates, sapateiros, eletricistas e gráficos, dentre eles os nove de 22 não teriam lugar nos “movimentos” comunistas e proletários atuais! Nem os pedreiros ou os motoboys, tampouco os porteiros e os empregados domésticos, muito menos os catadores, camelôs ou ambulantes! Diletantes, representantes, vanguardas do mundo todo, uni-vos! 

São “bolcheviques” de etiqueta os "camaradas" que falam, pensam, manipulam e monopolizam os "debates" e "lutas"! Da mesma espécie das “elites ilustradas” apontadas por Faoro, Holanda, Lima Barreto! Superlativos pequenos burgueses, “o poder é a missão para a qual julgam ter nascido!” Os “bons burgueses” ridicularizados por Mário de Andrade em 22. Apartados da realidade, presunçosos que se consideram os redentores do povo, supõem que o povo esta para ser salvo tanto quanto estão para salva-lo! Extravagantes e deslumbrados como os positivistas de outrora, tanto pela sua falta de originalidade quanto pelo pedantismo, diletantismo e displicência! São tanto sofisticados quanto dissimulados os comentadores, críticos, analistas da luta de classes! 

Não cabe miséria, violência, crime, ignorância, desemprego, lumpen, suburbanos, bestializados e - pasmem! - proletários na pretensa vanguarda revolucionária da pequena burguesia "esclarecida"! Cabem: do lado de lá do balcão, na parte inferior do púlpito, embaixo do palanque, atrás dos bancos escolares aplaudindo, ovacionando, concordando, obedecendo! Senão nos livros, fotografias, planilhas e filmagens! A contradição essencial consiste na mania de grandeza que aumenta o fosso entre as classes populares e a ciência, entre a teoria e a prática, entre a crítica e a ação e entre a teoria política e a realidade histórica e cotidiana! Nesse processo desqualifica-se ao mesmo tempo a teoria e a ação, como se fosse possível a incorporação ou assimilação dos hábitos e valores burgueses como subsídios imprescindíveis a estratégia de ação ao ponto da sua reprodução e manutenção ad infinitum! A afetada pequena burguesia supõem que Lênin, Gramsci ou Maquiavel podem justificar o seu indisfarçável apreço pelo poder, conforto e a vida burguesa enquanto não chega o dia em que a classe trabalhadora se apropriará dos meios de produção - receio que alguns nem queiram tanto assim que ele chegue! No seu marxismo burlesco não há contradição entre a inércia burocrática e a práxis revolucionária! Não é o discurso que revela a sua condição e/ou opção de classe, mas a sua práxis e a vida social que determinam a sua consciência! É marxismo elementar das "teses", "manifesto" e da "ideologia", porque “toda vida social é essencialmente prática” e “não é a ideologia que determina a vida, mas a vida que determina a ideologia.”

Não pode haver engano, a luta de classes é uma realidade, o poder e o acesso a ele continuam reservados as elites e a classe media e ambos nunca representaram ou representarão os interesses populares! Lênin, Marx e Gramsci não podem redimir os tolos, muito menos os cínicos e oportunistas! O marxismo não é “o ópio dos intelectuais”. Não é patrimônio e profissão de dirigentes partidários! O marxismo não é produto da cátedra e nem patrimônio das pretensas elites intelectuais – a burguesia ilustrada! Não é apenas uma representação do mundo e da realidade, objeto de cientistas ou de extravagantes e deslumbrados reformadores sociais. O Manifesto não foi concebido senão no interior da classe operária para a sua emancipação e superação do capitalismo. Marx estava menos preocupado com os filósofos e a academia do que com a classe trabalhadora e os revolucionários. Antes o sapateiro Proudhon e o alfaiate Weitling que os filósofos aristocratas Tocqueville e Mill. Marx antes construiu a teoria com o sangue do povo e revolucionários, o suor da classe operária, as lágrimas das crianças e mulheres moribundas e famélicas e a saliva dos debates com Bakunin, Moll, Blanqui. Construiu-a na Liga dos Comunistas e nas barricadas longe das cátedras de Comte, Schelling e Feuerbach. 

A pequena burguesia indolente e presunçosa prática o estelionato intelectual por dever de oficio, desqualificando as classes populares, a única vanguarda de qualquer aspiração revolucionária numa perspectiva comunista. Insultam e dissimulam por conveniência ou ignorância a historia, a cultura, a ideologia, a ética e a realidade. Reduzem a práxis e a teoria a "consciência" abstrata ou a contribuição-obediência individual como fazem os bovaristas filantropos, socialistas utópicos e burocratas!

São muitos os artífices da miséria política. Na esquerda eles constroem as suas “barricadas de livros,  teses, planilhas, monitores.” Barricada intransponível, sobretudo, aqueles que não dispõem de subsídios para penetrá-la – as classes populares. Dispensa e geladeira abastecidas, créditos bancários, rendimentos, salários e aparato tecnológico asseguram as bases para os delírios revolucionários da pequena burguesia ilustrada que se pretende a vanguarda da luta de classes! Vivem no seu confortável mundinho seguro, ideal e intransponível de formulas e teorias reservadas aos “iluminados.” Prolíficos em acalorados debates virtuais tão restritos quanto frívolos e limitados do ponto de vista objetivo – fetiche, autoafirmação, masturbação mental? Deliram que conspiram contra “o sistema”, algo indefinível e onipresente que lhes assegura a confortável e inelutável indolência petulante que os caracteriza. Impressionam pelo rigor com que se batem contra o “stalinismo” e a favor do "leninismo” tanto quanto pelo pedantismo e arrogância com que “se posicionam” diante dessas questões; ignorando a realidade regional e a própria historia e cultura!  Zelosos patrulheiros cibernéticos se esforçam para provar que são mais “marxistas” que o “camarada” ou o "trosko" virtual! Repudiam com veemência escolástica quaisquer contradições ou limitações teóricas, embora se omitam ou negligenciem as próprias contradições e a realidade! Deliberadamente silenciam quanto aos hábitos, gostos, valores cultivados e preservados como se a teoria ou o discurso exclui-se e o libera-se da pratica, da luta, da critica e autocrítica. Não há o sangue, o suor, a miséria, a violência, o trabalhador ou o povo nas suas ambições revolucionárias!

A ausência constatada dos elementos fundamentais para qualquer pretensão socialista reforça-se pelo monopólio do discurso de poder – aquele que desautoriza, desqualifica, desvaloriza, deslegitima, despreza o discurso popular. Ao povo, de um lado, o silêncio, a submissão e a obediência reservada aos subalternos, excluídos e ignorantes, de outro, a gratidão aos “lideres” natos e esclarecidos que devem pela sua própria natureza conduzir as massas! Posição conveniente e confortável para quem está acostumado antes a ser servido do que a servir, tipico da burguesia a gauche!

Paradoxalmente Lênin é categórico no que diz respeito à práxis do marxismo: “(...) importa agora é que os comunistas de cada país levem em conta com plena consciência tanto as tarefas fundamentais, de principio, da luta contra o oportunismo e o doutrinarismo "de esquerda", como as particularidades concretas que esta luta adquire e deve adquirir inevitavelmente em cada país, de acordo com os aspectos originais de sua economia, sua política, sua cultura, (...)” Adiante, sustenta que a “(...) tarefa imediata da vanguarda consciente do movimento operário internacional, isto é, dos partidos, grupos e tendências comunistas, consiste em saber atrair as amplas massas (hoje, em sua maior parte, ainda adormecidas, apáticas, rotineiras, inertes) para essa sua nova posição (...)” - a vanguarda revolucionária. Finaliza afirmando que não se alcançará nada, “(...) unicamente dos hábitos de propagandista, com a simples repetição das verdades do comunismo "puro".” 

Nessa perspectiva, afirma ser “necessário que o Partido Comunista lance suas palavras de ordem; que os verdadeiros proletários, com a ajuda da gente pobre, inorganizada e completamente oprimida, repartam entre si e distribuam volantes, percorram as casas dos operários, as palhoças dos proletários do campo e dos camponeses que vivem nas aldeias longínquas (...) entrem nas tabernas frequentadas pelas pessoas mais simples, introduzam-se nas associações, sociedades e reuniões fortuitas das pessoas pobres; que falem ao povo não de forma doutoral” (...) Não é o que pensa o diletantismo, os carreiristas e burocratas "revolucionários comunistas" das redes sociais, gabinetes e cátedras que repelem o lúmpen ignorante - os mais explorados, oprimidos, espoliados - com O Capital ou o Manifesto lido de forma escolástica no conforto dos gabinetes! Marxismo é mero objeto de estudo? Talvez, para o  implacável defensor e porta-voz do leninismo-marxismo contra aqueles que ele considera menos a esquerda ou rigoroso que si próprio, embora o simples fato de o ter por oficio demonstra pouca ou nenhuma familiaridade com aqueles a quem se destina a obra de Marx e Lênin - os explorados -, quanto menos apreço pela revolução! O marxismo e o socialismo estão além das teorias, discursos e redes virtuais e elas, por sua vez, revelam mais do que os discursos - tanto pelas ausências quanto pelas preferências e contradições latentes! Por mais que continuem “repetindo as verdades simples memorizadas e à primeira vista indiscutíveis: três é maior do que dois.” A saída para eles, pela celeridade e zelo no mundo virtual só pode ser "formação" e debate pela rede ou cátedra - confortável, não? -, em detrimento da organização da luta popular nas ruas e comunidades! Em outras palavras: nadegas no sofá no conforto e segurança do lar vociferando dos macbooks de 7 mil reais contra a patuléia ignorante, o lúmpen, os anarcos, os vândalos, bandidos e todos os idiotas manipulados pela direita! Dane-se a luta e o povo na rua que não tem acesso a internet e ao "marxismo-leninismo" dos iluminados e eleitos - obedeçam ou morram! Todavia a revolução não será televisionada e nem se fará pela internet! As ferramentas não são sequer meios e, parafraseando Lênin, é  a luta (vida) que “triunfa acima de todas as coisas.” Há quem os considere, admire e até os siga - sempre em silencio, aplaudindo e obedecendo como convém aos súditos ou ao séquito que acompanha os "iluminados." Eu sigo com a minha política miúda para os padrões e o ego dessa espécie infame de "marxismo-revolucionário", nas comunidades santistas como antes nas cariocas, paulistanas e nas cadeias paulistas. O marxismo que aprendi na graduação com Edmilson Costa, Mauro Leonel, Mauro Iasi, Heleieth Saffioti, entre outros, levo e debato com os explorados, não com os pequeno-burgueses excêntricos, diletantes e deslumbrados. 

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