domingo, 6 de abril de 2014

A esquerda e as "estruturas arcaicas."

Em artigo publicado no Estadão (02/04) o antropólogo Roberto da Matta afirma:
"De 1970 a 2014, muita água correu debaixo da ponte, e hoje temos a esquerda no poder. Estão aí o corporativismo e o aparelhamento. Os elos pessoais que não ensejam a coragem de dizer não aos amigos, falam alto e valem milhões de dólares. Talvez eles fossem as tais “estruturas arcaicas” que parte de minha geração queria mudar."

Discordo dele em muitos aspectos, sobretudo, políticos, mas, no que diz respeito as características enraizadas na nossa tradição política e que persistem, reproduzindo-se céleres e impassíveis na democracia e a esquerda não há o que discutir. Embora em menor escala, por outros critérios ou motivações e em outras circunstâncias e esferas de poder, as infames e miseráveis "estruturas arcaicas" podem ser encontradas em todos os espaços de poder na nossa sociedade, inclusive na universidade do senhor da Matta e, sobretudo, na imprensa que ele colabora.

De fato, no Brasil, certas características me parece que se inscrevem nas gens da sociedade, definindo-se pela hereditariedade independente da opção ou orientação ideológica, funcionando ainda como uma patologia incurável, capaz de corroer todo o corpo social por dentro. Não se trata de ceticismo, cinismo ou fatalismo. Trata-se de mera constatação resultante da experiencia de duas décadas de militância e conhecimento da realidade do lado de lá dos "balcões" de partidos, administração publica, universidades, sindicatos, organizações sociais - nem comento sobre a iniciativa privada porque esta, a despeito da burocracia, depende da vontade pessoal do indivíduo ou do grupo subordinado e por ele escolhido.

Nesse período tudo o que vi foram negócios, interesses privados, preferências e caprichos individuais, laços e vínculos pessoais, arranjos e tramoias orquestradas por grupos a portas fechadas - não estou falando da direita e nem da iniciativa privada. Participei de três administrações municipais do PT, estive nas fileiras do PCO e conheço por dentro, participando de atividades diversas, outros partidos de esquerda e alguns dirigentes e militantes deles. Frequentei a PUC de SP, a USP-Leste, a UNIFESP de Guarulhos e tenho amigos na UFRJ, UFF, Unesp que confirmam as minhas impressões. Vi cargos públicos negociados com vereadores - a despeito ou com a convencia aberta do secretario municipal escolhido -, vi verbas barganhadas com eles em troca de "contratos" diversos, vi licitações e editais sendo combinados a portas fechadas, vi projetos e entidades da sociedade civil ligadas a apaniguados serem aprovados ou escolhidas deliberadamente. Na universidade vi indivíduos serem selecionados para a pós-graduação por critérios pessoais dos mais controvertidos - interesse sexual, amizade ou simpatia, bajulação ou subserviência intelectual,  participando do processo seletivo apenas para cumprir as exigências burocráticas -, independente de critérios sociais ou mesmo projeto com alguma relevância científica. Vi "jeitinhos" de todo o tipo - professores burlando a burocracia e secretários ou assessores fazendo o mesmo com subordinados. Vi também subordinados vendendo favores ou facilidades na burocracia universitária e na administração municipal.

José foi aluno de graduação do professor que o orientou na pós - mestrado e doutorado. O professor era da USP e ainda tinha um cargo elevado na Secretaria de Cultura do Estado. José seu aluno além de estudante também tinha um cargo de assessor no seu gabinete. Que gênio é José! Abençoado pela graça da sapiência e da técnica, capaz de entrar pela porta da frente nos ambientes mais concorridos e rigorosos! Dispensa relações que o "templo" da modernidade, do mérito, da técnica e da ética repudia! Relações do tipo "arcaicas" - senhoriais, pessoais, apadrinhamento, nepotismo, etc. Antes José era só um estudante de sociologia pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo. José pediu transferência para a USP no segundo ano e passou os últimos dez ou doze na casa - colaborando com abnegação na obra homérica pela construção do saber a serviço da sociedade, ou melhor da humanidade! Adolescente, "cresceu" na USP - alcançando posições mais elevadas na sociedade. Hoje é um adulto sóbrio, profissional vaidoso e sério, professor doutor rigoroso, pesquisador minucioso, workaholic prolífico em reproduzir e legitimar o establishment. Boa reputação, boa carreira, boa índole, boa vida. Nada mais burguês, individualista, medíocre, com o perdão da redundância. José sintetiza a média da obra da universidade para a sociedade.

José deixou a graduação e os que colaboraram para a sua formação para trás. Construímos juntos jornal, Empresa Jr. e estagiamos na prefeitura de Guarulhos - eu o convidei para todas essas oportunidades. Sujeito tímido, inseguro, sem carisma, filho da classe media, sem quaisquer experiências profissionais anteriores. José não leu o meu projeto de mestrado - embora tenha mandado-o para ele diversas vezes sem jamais recusa-lo. Não pode, não quis, não tinha tempo, não se interessou. Sujeito importante, ocupado e que repudia as relações pessoais "arcaicas" - ainda que apenas espera-se dele comentários, criticas, sugestões porque não tenho a pretensão de entrar em lugar algum pela "porta dos fundos" e sei que a reputação de quem precisa disso não respalda ninguém. Nunca recebeu o meu currículo - embora soubesse da minha competência e necessidade -, nem me convidou ou apresentou em qualquer ambiente intelectual ou profissional que frequentou ao longo da sua carreira. Quando um amigo comum - nosso ex-supervisor no estagio - comentou que eu estava entregue ao vicio, desempregado e perdendo a minha família, solicitando que me ligasse, recusou sem titubear, afirmando "que preferia não se envolver" e "que não tinha nada com isso." Solidariedade deve constar do rol das práticas "arcaicas" repudiadas pelas elites ilustradas, incompatível com a modernidade e a missão civilizadora intelectual. José foi e segue, deixando para trás os perdedores, derrotados, fracassados e incompetentes, incapazes de compreender as tramas da sociedade, destacar-se, lutar e vencer nela. José repudia o socialismo, mas, fala e faz idêntico o professor de historia da federal de Santa Catarina que conheci no PCO, condenando aqueles que não podem dedicar-se integralmente as "tarefas revolucionárias" do partido porque precisam trabalhar para sobreviver (lumpen): "A luta de classes é assim mesmo, uns seguem, muitos ficam pelo caminho." E a solidariedade deve ser coisa "arcaica" mesmo, ultrapassada, superada a esquerda e a direita. 

O Instituto Sou da Paz como o São Paulo Contra a Violência são ligados ao Núcleo de Estudos da Violência da USP - ambos tem entre seus quadros técnicos, direção ou conselheiros professores ou pesquisadores da universidade. Ambas as entidades tem convênios e prestam serviços ao Estado e entidades privadas. Certa vez fiz uma pesquisa sobre o perfil do jovem infrator no Estado de São Paulo pelo Cebrap, contratado a peso de ouro devido a grife USP pela ONG Ação Educativa, por sua vez financiada pela Fundação "Telefonica" - o caminho do dinheiro, embora seja longo e sinuoso deixa rastros como o parasita rastejante, talvez por isso dissimule emprestando o "prestigio" e a suposta "idoneidade", rigor "ético e técnico" e "imparcialidade" dos mercadores do terceiro setor e academia que se prestam a esse serviço. O templo da modernidade é também o ultimo bastião das luzes contra as trevas e o obscurantismo das ideias e praticas "arcaicas." Morada do saber, refugio dos eleitos, paraíso dos iluminados e que presta relevantes serviços à sociedade e ao Estado justificando todo o seu prestigio, privilégios e status. 

Natália é filha de Rui. Ela estudou Letras na USP. Natália milita no partido fundado pelo seu pai desde a adolescência - partido presidido pelo seu pai ad infinitum. Natália é uma das editoras das diversas publicações do partido - Jornal Causa Operária, USP Livre, Unifesp Livre, das revistas Mulheres e Juventude Revolucionária - e dirigente das instâncias partidárias relativas aos jovens e mulheres - Aliança da Juventude Revolucionária (AJR) e Coletivo Rosa Luxemburgo. Natália ainda é responsável pela Assessoria de Imprensa do papai.  Natália nunca fez outra coisa na vida senão estudar e "militar" no partido do papai. Evidente que diante de tantas funções, cargos e atribuições no interior do partido e nos meandros da burocracia deve sobrar pouco tempo pra qualquer outra coisa. Por outro lado, evidente que se trata de um fenômeno" revolucionário" diante de tamanha produção, renuncia e dedicação a "causa operária!" João irmão mais novo de Natália é a bola de vez....

Alejandro é o lacaio da "causa operária". Alejandro oscila entre o "bobo da corte" e o "manager" no primeiro escalão da burocracia partidária. Figura inexpressiva, caricata, absolutamente subserviente e bajulador, cínico, dissimulado, inescrupuloso. Não é preciso ir além das redes sociais e bastam alguns meses de convivência e observação para constatar que Alejandro não passa de mais um burguês dedicado a uma causa mais nobre que a de acumular e consumir - muito embora não renuncie a essa sua vocação original! Alejandro presta-se ao trabalho sujo de manipulação, exploração e desinformação, arregimentando pessoas ou grupos por todos os meios a serviço do partido. Assim fui trazido do RN a SP após CONVITE E TRATATIVAS POR ESCRITO para realizar um "TRABALHO PROFISSIONAL PARA O PCO". Após quatro meses de enrolação, exploração, contradições e diversos desentendimentos de ordem prática descobri que eu era que "estava equivocado!" Afinal, segundo o cínico depravado Alejandro Acosta, "TRABALHO PROFISSIONAL" significa "MILITÂNCIA PROFISSIONAL" e, nesse sentido eu é que devia ainda que desempregado colaborar inclusive financeiramente com o partido! Em outras palavras, só um "pequeno burguês" como eu  -  pai de família, desempregado, nascido e criado em comunidade, filho de funileiro de autos semialfabetizado, trabalhador desde os 15 anos, sociólogo e educador com duas décadas de militância popular e política a esquerda - pra causar confusão deliberada e "oportunista" dessas! Só um estúpido como eu pra não compreender que privilegiado era, diante da "solidariedade" do partido ao oferecer a um trabalhador desempregado a oportunidade de renunciar a sua família e dispor de todo o seu tempo e força de trabalho gratuitamente ao empreendimento privado da família Pimenta e os seus apaniguados! Só posso agradecer ao partido pela clareza no esclarecimento quanto a minha ignorância pequeno burguesa e reacionária! Porque só pode ser uma honra servir a uma família que funda um partido "revolucionário" e sobrevive dele - cerca de um milhão de reais ano do fundo publico pra bancar a família, a burocracia e a criadagem.

Certas coisas são incompreensíveis no Brasil senão quando observadas sob a ótica equivocada, leviana, estúpida e preconceituosa do lumpen. Afinal, esta escrito no Estatuto dos partidos as suas funções e objetivos, direitos e deveres, contabilidade, patrimônio e recursos, sendo ainda aprovados e rigorosamente fiscalizados pela justiça eleitoral e tribunais de contas! Senão vejamos como é elevado o grau de comprometimento político e social da juventude na classe política brasileira! Semelhante a companheira Natália do PCO, Caio França estudou Direito e além de ser ex-vereador e candidato a prefeito de São Vicente é uma das lideranças e quadros do PSB no estado de São Paulo - Caio é filho do ex-prefeito por dois mandatos da capitania de São Vicente e deputado federal do PSB Marcio França. No PRTB do Fidelix, dos doze dirigentes partidários nacionais, cinco são familiares, entre mulher e filhos. Enfim, quem quiser olhar mais de perto a tradição política brasileira, inclusive - ou sobretudo? -, a esquerda verá as referidas "estruturas arcaicas" na relação estreita, deliberada e promíscua entre publico e privado. Verá que a despeito da cantilena proletária, revolucionaria, socialista o partido não passa de negocio de família, conduzida como empresa privada - que se não dá lucro também não gera prejuízo -, embora seja financiada com dinheiro publico e o suor da militância - porque burocracia não faz trabalho de base....

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