sábado, 19 de abril de 2014

A miséria do trabalho.

Maria era simples, corajosa, forte, ousada. Era uma moça critica, geniosa e questionadora. Elevado senso de justiça e solidariedade. Inteligente e esperta, embora fosse um pouco preguiçosa, era prática e criativa compensando assim a indisposição. Aprendia fácil, estudava um pouco, divertia-se muito. Era até um tanto ingenua, acreditava nas pessoas e nas fabulas de sucesso, valorização, oportunidades e reconhecimento atreladas à formação superior contadas pelos (de) formadores de opinião. Mal sabia que a educação é  mero negócio como outro qualquer. 

Flora experimentou o mundo do trabalho ainda jovem - aos 15 anos. Ela não foi ao trabalho por necessidade, antes por pressão e tradição familiar. Claudia foi criada em uma família que acreditava cegamente nos "valores do trabalho" - toda aquela baboseira que justifica a exploração, incentiva a competição entre as pessoas e o egoismo e individualismo, tornam jovens e adolescentes adultos frustrados precocemente atirando-os em um mundo de grandes responsabilidades, expectativas e ilusões incompatíveis com os sonhos e competências inerentes ao seu desenvolvimento. Seus pais tinham a convicção de que "o trabalho dignifica o homem" tanto quanto a "educação" promove a escalada do "sucesso." Em outras palavras - trabalhe, estude e será bem sucedido e digno, simples assim! 

Lucia foi ao mundo do trabalho e no dia-a-dia não encontrava muitas pessoas bem sucedidas e dignas. Não entedia como inúmeras pessoas trabalhavam tanto, estudavam, se esforçavam e não lhes era concedida a "dignidade", tampouco alcançavam o "sucesso." Alguns diziam: "a dignidade e o sucesso se conquistam." Seriam coisas para guerreiros? Pensava em "Conan, o Bárbaro", o guerreiro "conquistador" implacável que enfrentava tudo e todos por todos os meios. Em outras palavras, tanto a dignidade quanto o sucesso estão reservados apenas aos que lutam por posições no mercado de trabalho e alcançam por qualquer meio as mais elevadas, em detrimento das condições e oportunidades desiguais entre todos. Assim, como é possível ser digno numa moralidade que estimula a competição insana e desenfreada pela busca do sucesso individual atrelado a dignidade em detrimento da solidariedade entre as pessoas no interior da sociedade? Sandra foi entender tempos depois que ambos são medidos apenas pela régua do ter e não do ser. Numa sociedade de consumo, regida pelos valores de mercado, até a cidadania se reduz a esfera da aquisição e acumulação de bens materiais. E Adriana pensava que o trabalho era um processo coletivo de formação social do homem. Um meio pelo qual eles se organizam e colaboram entre si para o bem comum.

O pai de Vanessa foi descartado pelo mercado de trabalho aos 55 anos. Passou uma década encostado, sem lugar no mercado de trabalho e, assim, na sociedade, despojado da cidadania e da dignidade, sobrevivendo de favores e da compulsória e insignificante solidariedade familiar. Uma coisa, quase um homem. Trinta e sete anos de uma vida dedicada ao trabalho não o tornaram bem sucedido - do ponto de vista material ou de qualquer outro. Tampouco homem digno - naquilo que consiste a dignidade em termos de grandeza moral e respeitabilidade publica e social. No fim sobraram as paredes, as prateleiras e as dividas. O mundo e a liberdade a sua frente imensos a confirmar-lhe a impotência e o inexorável fracasso e afronta. E tudo o que ele pensava haver conquistado se encerravam em exploração e miséria. O espólio da guerra de todos contra todos pela dignidade e o sucesso para uns são o abandono, o desprezo, a solidão, a insegurança, a vergonha, a humilhação, a depressão e a morte para muitos. 

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