Ufanismo é a palavra que designa um
otimismo exagerado de caráter patriótico. Deslumbramento por sua vez, tem a
ver com uma espécie de fascínio ou encanto em excesso que escapa ou superestima
a realidade. Revolução é algo que subverte a ordem estabelecida, colocando em
questão as estruturas sobre as quais se assentam o sistema e a sociedade.
Assim, uma revolução é mais do que uma revolta, muito mais ainda que
transformação, assimilação, inclusão, manutenção e reprodução do sistema.
Qualquer coisa abaixo disso é ingenuidade, ignorância ou má-fé. Grosso
modo, essas são as características que podem definir uma revolução.
Um escritor-empresário bem sucedido e
consagrado há mais de uma década - pelos formadores de opinião (imprensa e
academia) - e com grande incidência política e governamental afirmou: "A
mídia brasileira é mesmo um lixo, mais de 100 artistas da periferia aqui,
fazendo uma verdadeira revolução cultural, representando nosso pais com muita propriedade e
não tem uma nota na imprensa do nosso próprio pais. Ontem terminamos a nossa
mesa, com o Marcelino dizendo que talvez ficando nus geraria alguma nota. Se
fossem os autores eleitos pela elite que estivessem aqui se apropriando desse
espaço, ai sim, eles falariam até como foi o café da manhã deles.Mas isso não apaga o
que está acontecendo aqui, tantos saraus, coletivos, escritores, poetas,
artistas que representam todos as quebradas de São Paulo. E isso é fato.[1]"
Ferréz não é ingênuo e nem tolo. É
autor de sete livros desde 97. Escreveu durante uma década na Caros Amigos,
participa do TV Carta da Carta Capital e blog no Le Monde Diplomatique Brasil.
Participa de programas televisivos na rede aberta e na internet dialogando com
jornalistas conceituados nesses meios. A questão não é teórica e nem semântica.
Diz respeito a muito mais do que isso, porque nem sendo demasiadamente otimista
ou ingênuo se consideraria esse fato uma “verdadeira revolução cultural.” Do
ponto de vista objetivo, os participantes do evento em questão no país vizinho
foram escolhidos e financiados pela Prefeitura de São Paulo, por pessoas
historicamente ligadas por interesses ou afinidades ao partido dos
trabalhadores e/ou movimentos sociais ligados a ele. Ferréz, Alessandro Buzo
(Suburbano Convicto), Sergio Vaz (Cooperifa), Marçal Aquino, Emicida, Criolo,
Racionais MC’s são nomes consagrados, aclamados há mais de uma década,
amplamente aceitos pela classe media e os formadores de opinião da mídia e da
academia mais progressistas. Ferréz já foi na Globo e o Emicida pode-se dizer
que é da casa. A Cooperifa tem apoio do governo federal e da Petrobras – ano
passado esteve na Alemanha por meio da Embaixada do Brasil e Fundação Heinrich
Böll. Eventos apoiados pelo SESC-SP, Itaú Cultural, Oxfam, Ministério e
Secretaria de Cultura. Da gigante do terceiro setor e historicamente ligada a
USP e ao PT, Ação Educativa.
A “verdadeira revolução cultural”
proclamada não dispensa, ao contrário, reivindica ainda para a sua completa
auto-afirmação o reconhecimento da grande mídia burguesa, idêntico aqueles
“autores eleitos pela elite” que ela fala até sobre o “café da manhã” que eles
tomam! “Revolução cultural” é ser reconhecido e aceito pela mídia da Casa
Grande - que é um lixo! -, escolhido pelo establishment do partido e do governo e/ou os seus
“parceiros” para participar de um evento festivo no país vizinho? Isso tudo
ainda a partir de quais “critérios” – técnicos ou sociais? Participar de festa
literária na Argentina em ano eleitoral e em meio ao acirramento das diversas lutas populares
nas periferias por questões relativas à moradia e a repressão e violência
policiais decorrentes da Copa e da especulação é “revolução cultural”? Por fim,
levantar a bandeira do “anarquismo’, como muitos desses coletivos proclamam
submetendo-se ao governo é “revolução cultural”?
Ao que parece, a “verdadeira revolução cultural” para alguns ditos
representantes de “todas as quebradas de São Paulo” cabe no bolso e nos planos
do governo e das grandes entidades da burguesia que buscam maquiar ou suavizar
o capitalismo, incluir a periferia no sistema e conciliar as classes. Trata-se
antes de uma incorporação de mercado que cresce e se expande com o apoio
institucional. A critica não subestima o importante trabalho de muitos grupos
organizados e a luta das periferias[2], nem o dialogo e o apoio do governo,
porem, superestimar isso diminui a revolução, o esclarecimento e as demandas
populares no interior da luta de classes. Porque antigamente “revolucionários”
– anarquistas ou comunistas - eram mais combativos, menos festivos e
deslumbrados e, gostem ou não, isso é fato.
[1] O evento na Argentina é ainda apoiado
ou patrocinado pelo grupo burguês e golpista Clarín e o Banco Província. http://www.clarin.com/sociedad/Rap-poesia-periferia-San-Pablo_0_1129687092.html
[2] Estive em alguns saraus em SP ano passado e
na baixada santista e tudo o que vi foi muita celebração, algum debate, muita
iniciativa e auto-afirmação, mas, nada do ponto de vista teórico, estético ou ideológico
que justifique a definição “revolucionário”.
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