"Estourou a própria mãe estava
embriagado, mas bem antes da ressaca ele foi julgado, arrastado pela rua o
pobre do elemento, inevitável linchamento imaginem só, ele ficou bem feio, não
tiveram dó"... . (Homem na estrada – Racionais MC’s).
“Tomada que foi a Romanha,
encontrando-a dirigida por senhores impotentes, os quais mais depressa haviam
espoliado os seus súditos do que os tinham governado, dando-lhes motivo de
desunião ao invés de união, tanto que aquela província era toda ela cheia de latrocínios,
de brigas e de tantas outras causas de insolência, o duque julgou necessário,
para torná-la pacífica e obediente ao poder real, dar-lhe bom governo. Por
isso, aí colocou Ramiro de Orco, homem cruel e solícito, ao qual deu os mais
amplos poderes. Este, em pouco tempo, tornou-a pacífica e unida, com mui grande
reputação. Depois, entendeu o duque não ser necessária tão excessiva autoridade,
e isso porque não duvidava pudesse vir a mesma a tornar-se odiosa; instalou um
juízo civil no centro da província, com um presidente excelentíssimo, onde cada
cidade tinha o seu advogado. E porque sabia que os rigorismos passados tinham
dado origem a algum ódio, para limpar os espíritos daquelas populações e
conquistá-los completamente, quis mostrar que, se alguma crueldade havia
ocorrido, não nascera dele, mas sim da triste e cruel natureza do ministro. E,
servindo-se da oportunidade, fez colocarem-no uma manhã, na praça pública de
Casena, cortado em dois pedaços, com um pau e uma faca ensangüentada ao lado. A
ferocidade desse espetáculo fez com que a população ficasse ao mesmo tempo
satisfeita e pasmada.”
“(…) Acendeu-se o enxofre, mas o
fogo era tão fraco que a pele das costas da mão mal e mal sofreu. Depois, um
executor, de mangas arregaçadas acima dos cotovelos, tomou umas tenazes de aço
preparadas ad hoc, medindo cerca de um pé e meio de comprimento, atenazou-lhe
primeiro a barriga da perna direita, depois a coxa, daí passando às duas partes
da barriga do braço direito; em seguida os mamilos. Este executor, ainda que
forte e robusto, teve grande dificuldade em arrancar os pedaços de carne que
tirava em suas tenazes duas ou três vezes do mesmo lado ao torcer, e o que ele
arrancava formava em cada parte uma chaga do tamanho de um escudo de seis
libras. Depois desses suplícios, Damiens, que gritava muito sem contudo
blasfemar, levantava a cabeça e se olhava; o mesmo carrasco tirou com uma
colher de ferro do caldeirão daquela droga fervente e derramou-a fartamente
sobre cada ferida. Em seguida, com cordas menores se ataram as cordas
destinadas a atrelar os cavalos, sendo estes atrelados a seguir a cada membro
ao longo das coxas, das pernas e dos braços.” Casanova, embaixador de Veneza em Paris na corte de Luis XVI relata com espanto que o publico presente a execução oscilava entre a euforia feroz e a indiferença perversa.
Em um mutirão, “(...) Arsênio
mostrando uma enxada agarrada pelas duas mãos dizia: ‘- Quem quer?’, fazendo
desta sorte um desafio aos que se tinham adiantado no serviço.” A partir daí
desencadeou-se violentíssima luta, que envolveu todos os participantes do
mutirão. (...) Para que se tenha idéia da agressividade engendrada e liberada
nesse contexto, transcrevo o desenrolar da cena: “Antonio Francisco, excitado
por aquele desafio, descarregou a sua enxada sobre a testa de Arsênio, que caiu
prostrado; vendo isto, Fortunato, que estava um pouco longe, corre sobre
Antonio Francisco e lhe dá uma enxadada que este rebateu com o braço. A vista
desse fato, ele depoente segura a Fortunato para que este não secundasse o
golpe Antonio Francisco e nesta posição estava, quando Patrício Soares disparou
um tiro de garrucha em Antonio Francisco. Ele, testemunha, ouvindo o tiro
correu a auxiliar o ofendido, deixando até então Fortunato a quem estava
segurando. Fortunato assim solto, e vendo Antonio Francisco chamar por um seu
parente para socorrer, avança de novo contra ele, persuadido de que ainda
estava forte. Nesta ocasião, Antonio Cesar, para defender a seu parente, deu
uma enxadada em Fortunato e este correu com uma faca sobre Cesar, que fugia.”
O rapaz foi caçado pelas ruas por uma
multidão. Após levar diversas pauladas, chutes e pedradas caiu - vieram seis e
bateram na cabeça dele. Gritavam “é pra matar, mata, mata!”. Foi assustador –
disse uma testemunha. Com a certeza de que estivesse morto e com a chegada de
outras pessoas os agressores se afastaram. O rapaz se levanta com o rosto
deformado e coberto de sangue, senta-se, alguém fala e ele responde
desorientado. Ele é resgatado por soldados, porem horas depois perde a consciência
e entra em óbito devido à gravidade dos ferimentos no crânio.
Todos na comunidade conheciam o “cemitério.”
As covas rasas e improvisadas. Todos conheciam quem acusava, julgava e
executava, tanto quanto as acusações e as vitimas. Ao menos quatro motivos
podiam levar uma pessoa para o “tribunal” que funcionava num terreno abandonado:
dívidas, pedofilia ou estupro, fazer parte de uma facção rival ou tentar se
passar pela facção sem ser dela. Analisando os corpos, foi concluído que
nenhuma das vítimas foi morta por arma de fogo. Os executores queriam evitar
que os vizinhos se assustassem com o barulho. “Um dos homens foi morto com
golpes de picareta no rosto e no tronco. Outros foram estrangulados com fio de
náilon.” “Na comunidade então dominada por uma quadrilha, Júlio foi capturado e
julgado pelo seu “tribunal” – uma espécie de justiça informal comandada pelos
criminosos da região. Como punição pelo crime que não cometeu, Júlio foi
torturado e morto. Ele morava com a mãe e duas irmãs no bairro de Inhaúma - RJ.
“Foi uma injustiça. Mesmo se ele fosse o tal criminoso, não tinham esse
direito”, diz Alciony Almeida da Silva, 51 anos, irmã de Júlio.
O “Téia” vivia entorpecido pelas ruas
da comunidade do Piqueri. A sua presença ensandecida incomodava as pessoas. Logo
recaiu sobre ele a suspeita por supostos furtos cometidos que nunca foram confirmados.
Porem bastou a suspeita para que fosse acusado, condenado e executado a
pauladas e facadas. Testemunhas alegam que ficou desfigurado e que a lamina da faca
se quebrou e era vista entre as suas costelas. O “Sapateiro” pouco antes ou
depois também dói acusado de furtos na comunidade, foi pego e a seguir
encontrado também desfigurado, atravessado por um facão no ventre atado ao
chão. Entre 2009 e 10 outros três simplesmente desapareceram desta comunidade –
todos sabem quem “desapareceu” com eles, porque desapareceram e os que não
aprovaram aceitaram, naturalmente responsabilizando as vitimas pela sua sorte.
Acusada de praticar magia negra com crianças a jovem foi espancada com chutes, socos, pauladas, pedradas. Foi arrastada pelas ruas pelos cabelos. Amarrada foi exibida feito animal abatido. Com os dentes quebrados, diversos ossos fraturados, cortes e escoriações pelo corpo foi jogada no mangue para apodrecer. Soldados foram acionados, resgatada não resistiu aos ferimentos e no dia seguinte veio a óbito. Foi assassinada, trucidada pela turba ensandecida e sedenta de sangue. Torturada por duas horas, casada, 33 anos, mãe de duas filhas – uma delas um bebe -, frágil, indefesa e sem qualquer questionamento foi sumariamente acusada, condenada e executada de forma brutal.
Alguns dos trechos citados são de um
livro publicado há 500 anos, relatos sobre uma execução no século XVIII e de
manifestações corriqueiras de violência na sociedade brasileira no século XIX. Outros
de reportagens sobre manifestações de brutalidade bastante comuns e toleradas pela
sociedade. Quando 111 presos foram massacrados no Carandiru a sociedade
aplaudiu, em cumplicidade com o judiciário, ambos negligenciando e omitindo-se
com relação às atrocidades cometidas nos porões das delegacias e atrás dos
muros. Candelária, Vigário Geral, Baixada
Fluminense, Castelinho, Maio de 2006, Alemão, Maré, desde os tempos da degola e
exposição das cabeças decepadas em Angicos que a sociedade apóia, incentiva,
tolera e celebra a morte, a covardia e a crueldade. Crimes cometidos contra a família, crianças, mulheres e idosos. Parricidas, pedófilos e estupradores são sistematicamente torturados e assassinados com a conivência e/ou o apoio social nas prisões brasileiras a revelai da justiça.
Do ponto de vista histórico o suplicio
publico, a caça as bruxas e a exposição de corpos mutilados; praticas comuns do
período medieval são ainda freqüentes na nossa sociedade – patriarcal,
senhorial, escravocrata, oligárquica, autoritária. Na democracia brasileira do século
XXI mortes aos milhões por causas violentas, repressão brutal e violações de
direitos humanos convivem “naturalmente” com o Estado de direito, sem embargo
ou contradições no interior da sociedade. Os citados do Piqueri eu sei, pois vivia
lá a época e a ultima todos puderam acompanhar pela internet e televisão – supliciada
e assassinada cotidianamente sem respeito ou compaixão pelas diversas mídias na
guerra da disputa pela audiência. Nessa perspectiva, conforme não seja
a primeira, receio que não será a ultima. O Brasil é uma imensa cadeia.
Referencias
http://globoesporte.globo.com/sp/futebol/campeonato-paulista/noticia/2012/03/briga-entre-torcedores-de-palmeiras-e-corinthians-teve-entre-500-e-mil.html
http://infosurhoy.com/pt/articles/saii/features/main/2011/05/09/feature-03
CASANOVA, Giacomo. Um veneziano em
Paris. Lisboa: Estampa, 1972.
FOUCAULT, M. Vigiar e punir:
nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1991.
FRANCO, M.S.C. Homens livres na ordem
escravocrata. São Paulo: Kairós, 1983.
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. São
Paulo: Martin Claret 2002.
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