sábado, 28 de junho de 2014

Periferias, equivocos e oportunismos.




Recentemente o escritor Paulo Lins disse numa entrevista que os “coletivos” e “saraus” espalhados pelas grandes cidades, sobretudo, São Paulo e Rio de Janeiro seriam a maior novidade da democracia – ou algo do tipo. Descontando-se o otimismo exagerado - desde a Grécia aristocrática que democracia se constrói na rua -, talvez pouco mais que sintomas do desenvolvimento social que de um lado reivindica mais cultura e de outro do amadurecimento da periferia que se apropria de outras linguagens e da rua e se expressa por meio delas – em termos de mobilização e organização popular. O caráter político intrínseco, porem, deve ser olhado com maior minúcia. 

Conheci e participei de alguns em São Paulo – em um deles, inclusive, conheci ativistas do RJ e MG. É fato que na ultima década eles se espalharam em SP apropriando-se dos logradouros públicos, construindo espaços de cultura e socialização, articulando comunidades e artistas populares, cativando publico e mercado. Rap, hip hop, dança, poesia, vídeo. "Manos, minas, podepá e pum que é nóis por nóis nus bang e o barato é loco!" E daí? O que mais? Se dissesse que vi ou ouvi algo alem de muito blá, blá, blá, autoafirmação e celebração estaria mentindo. Poucas ideias, quase nenhum protesto ou debate – senão o evento em si, com alguma reserva pode-se considerar um protesto. Em todos os que eu vi, ouvi, conheci – seja visitando ou através do relato de pessoas que lá estiveram – não houve debates ou manifestações de caráter político – tanto no que diz respeito às demandas populares, quanto ao debate ideológico, senão restrito - e muitas vezes superficial - a importante questão do racismo, violência ou gênero. Como sempre, os mais sérios e engajados sobrevivem a margem, trabalhando nas bases e no dia-a-dia sem apoio ou recursos institucionais, sem se vender ou capitular, como deve ser o trabalho de organização popular emancipatório e revolucionário - salve véio Grafite!
           
Evidente que é intrínseco o caráter político, sobretudo, numa perspectiva a esquerda pela atitude “libertária”, “contestadora”, “afirmativa” em relação ao fortalecimento da “identidade” cultural periférica e “socialista” pelas demandas e alternativas coletivas. Entretanto embora demonstrem, conforme a sua organização, alguma inovação, ousadia, independência e autonomia, um olhar mais atento revela que não é bem assim que “a banda toca.” Os mais antigos, por exemplo, são mais organizados na medida em que dispõem de apoio publico – disponibilidade do espaço e equipamentos públicos, divulgação e até recursos financeiros e humanos. Alguns ainda contam com o apoio de ONG’s, numa espécie de troca de favores em que a primeira promove o marketing social da entidade e o coletivo a adesão institucional ou a “parceria.” 

A história é recente. Cooperifa, Suburbano Convicto, Binho entre outros consolidados e reconhecidos pelo publico. Experientes, dialogam com desenvoltura com o terceiro setor, a academia, mídias alternativas diversas e, sobretudo, com o poder público e o mercado. Podemos dizer que foram eles quem há década e meia, mais ou menos, inauguraram e abriram as portas das periferias paulistanas. A questão é cultural, mas é sobretudo, política! Os mais antigos estão consolidados e estruturados como O.S. – ONG, Oscip, Associações. Atuam com infra-estrutura empresarial e ampla rede articulada com o poder público, terceiro setor e movimentos sociais granjeando apoio técnico e financeiro. Na ordem capitalista a cultura periférica é negócio no mercado de consumo e moeda de troca no político. Cresce no segmento musical, cinematográfico, editorial, moda e eventos diversos. Nos gloriosos dias do “reconhecimento” da cultura periférica os “vitoriosos” e “lutadores” das periferias, no interior da ordem estabelecida, não são mais que artistas e tambem bem sucedidos empresários como quer o capital, idênticos – porem não iguais! - a burguesia que os financia, compra, aplaude e manipula. O mercado cresce e se expande com o apoio institucional. Negócios e política – nessa ordem e umbilicalmente ligados.

Do ponto de vista político, as relações são mais complexas. Trata-se de relações de poder no âmbito do Estado e da sociedade. Pode-se pensar em maior participação ou representação política, segmentos cooptados pelo Estado no bojo do acirramento das lutas populares contra o poder publico de um lado e, de outro, no esteio das eleições majoritárias? Pode desde que se dispense o ufanismo cínico ou ingênuo, admitindo-se que o Estado o faz exclusivamente de acordo com as suas conveniências, interesses e afinidades – menos por pressão -, de modo a esvaziar as lutas populares e granjear apoio formal ou a simpatia de segmentos periféricos. É a manjada “política” da boa vizinhança em ano eleitoral e conforme a pauta do poder, a despeito da cantilena periférica de luta, mas, que na prática capitula em troca de “reconhecimento” institucional – apoio formal, financeiro, técnico. A “vitória” ou o “reconhecimento” celebrados por determinados grupos periféricos é a mera aceitação a mesa de negociação como “interlocutores” sociais com os poderosos do dia. Demonstra-se, de ambos os lados, o quanto se ignora ou menospreza-se a luta, as demandas e os direitos sociais, posto que a participação popular seja requisito indispensável a democracia assegurado formalmente. Por fim, o poder não faz concessão quando cumpre as suas obrigações, antes a periferia quando renuncia a luta, comemorando a “vitória” ou o “sucesso” na ordem do Estado autoritário e da sociedade capitalista. No mais, desde quando relações de poder são medidas por estatísticas? E a revolução, é na ordem da democracia burguesa e do capital?!!!  

O fato é que na luta de classes não há lugar pra conciliação ou capitulação a farsa institucional burguesa e a opressão do capital e, quem ignora isso tudo reproduz e legitima o inimigo por conveniência, ignorância ou cinismo! Grosso modo, a expansão quantitativa e a iniciativa ou ímpeto de diversos movimentos sociais e populares, decorrentes da democracia que atende as atuais necessidades do capital, não corresponde a um equivalente qualitativo, em termos de consciência de classe posicionada como alternativa ao enfrentamento ou superação desse sistema perverso e insustentável. Percebe-se a superficialidade, o equívoco grandiloquente e o oportunismo manifesto tanto nos discursos quanto nas manifestações como as que se seguem abaixo extraídas das redes sociais. O leitor que avalie, lamente, divirta-se (...) porque eu não me deslumbro e nem subestimo a inteligência alheia....

“Buenos Aires nunca mais será a mesma! Finalmente o nosso trabalho é reconhecido! É nós por nós!”
“Olha a nossa Luta dando frutos....que venha o Mundo agora! Vai segundo ....a periferia vai ocupar tudo o que nos tiraram desde o nosso nascimento e antes dele!” (Perifatividade)
http://www.clarin.com/sociedad/Rap-poesia-periferia-San-Pablo_0_1129687092.html


Convenhamos, pouca empáfia e deslumbramento deve ser bobagem!


“A Assembléia das Assembléias será o primeiro encontro físico do Coletivaço, uma reunião do maior número de coletivos, movimentos sociais, indígenas, quilombolas e quaisquer outras tribos possíveis na cidade de São Paulo. Precisamos nos encontrarmos para nos organizarmos. Sabemos que cultivamos mais pontos convergentes que desavenças, e que todas nossas pautas vertem de uma origem comum: a vontade de viver melhor.”

Manifesto do Sim

“Podemos, com o sentimento firme de missão cumprida, absorver o perspectivismo proporcionado por esse percurso e decretar neste exato momento: é o fim da pós-modernidade. Agora é possível fazer as pazes. Entre o céu e a terra, entre o homem e a mulher, entre exatas e humanas, entre matéria e energia. Entre direita e esquerda. Sim. Síntese.”

De fato, dá pra ser mais pós-moderno – equivocado ou contraditório - do que isso?!!!! Desnecessário dizer que a despeito das misérias periféricas, dentre elas o engano, a ilusão, a empáfia, a ingenuidade e  o oportunismo, nada disso diminui a justa, legitima e essencial luta e organização popular!



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