Recentemente o escritor Paulo Lins
disse numa entrevista que os “coletivos” e “saraus” espalhados pelas grandes
cidades, sobretudo, São Paulo e Rio de Janeiro seriam a maior novidade da democracia
– ou algo do tipo. Descontando-se o otimismo exagerado - desde a Grécia
aristocrática que democracia se constrói na rua -, talvez pouco mais que
sintomas do desenvolvimento social que de um lado reivindica mais cultura e de
outro do amadurecimento da periferia que se apropria de outras linguagens e da
rua e se expressa por meio delas – em termos de mobilização e organização
popular. O caráter político intrínseco, porem, deve ser olhado com maior
minúcia.
Conheci e participei de alguns em São
Paulo – em um deles, inclusive, conheci ativistas do RJ e MG. É fato que na
ultima década eles se espalharam em SP apropriando-se dos logradouros públicos,
construindo espaços de cultura e socialização, articulando comunidades e
artistas populares, cativando publico e mercado. Rap, hip hop, dança, poesia,
vídeo. "Manos, minas, podepá e pum que é nóis por nóis nus bang e o barato
é loco!" E daí? O que mais? Se dissesse que vi ou ouvi algo alem de muito
blá, blá, blá, autoafirmação e celebração estaria mentindo. Poucas ideias,
quase nenhum protesto ou debate – senão o evento em si, com alguma reserva
pode-se considerar um protesto. Em todos os que eu vi, ouvi, conheci – seja
visitando ou através do relato de pessoas que lá estiveram – não houve debates
ou manifestações de caráter político – tanto no que diz respeito às demandas
populares, quanto ao debate ideológico, senão restrito - e muitas vezes
superficial - a importante questão do racismo, violência ou gênero. Como sempre, os mais sérios e engajados sobrevivem a margem, trabalhando nas bases e no dia-a-dia sem apoio ou recursos institucionais, sem se vender ou capitular, como deve ser o trabalho de organização popular emancipatório e revolucionário - salve véio Grafite!
Evidente que é intrínseco o caráter
político, sobretudo, numa perspectiva a esquerda pela atitude “libertária”,
“contestadora”, “afirmativa” em relação ao fortalecimento da “identidade”
cultural periférica e “socialista” pelas demandas e alternativas coletivas.
Entretanto embora demonstrem, conforme a sua organização, alguma inovação,
ousadia, independência e autonomia, um olhar mais atento revela que não é bem
assim que “a banda toca.” Os mais antigos, por exemplo, são mais organizados na
medida em que dispõem de apoio publico – disponibilidade do espaço e
equipamentos públicos, divulgação e até recursos financeiros e humanos. Alguns
ainda contam com o apoio de ONG’s, numa espécie de troca de favores em que a
primeira promove o marketing social da entidade e o coletivo a adesão
institucional ou a “parceria.”
A história é recente. Cooperifa,
Suburbano Convicto, Binho entre outros consolidados e reconhecidos pelo
publico. Experientes, dialogam com desenvoltura com o terceiro setor, a
academia, mídias alternativas diversas e, sobretudo, com o poder público e o
mercado. Podemos dizer que foram eles quem há década e meia, mais ou menos,
inauguraram e abriram as portas das periferias paulistanas. A questão é
cultural, mas é sobretudo, política! Os mais antigos estão consolidados e
estruturados como O.S. – ONG, Oscip, Associações. Atuam com infra-estrutura
empresarial e ampla rede articulada com o poder público, terceiro setor e
movimentos sociais granjeando apoio técnico e financeiro. Na ordem capitalista
a cultura periférica é negócio no mercado de consumo e moeda de troca no
político. Cresce no segmento musical, cinematográfico, editorial, moda e
eventos diversos. Nos gloriosos dias do “reconhecimento” da cultura periférica
os “vitoriosos” e “lutadores” das periferias, no interior da ordem estabelecida, não são mais que artistas e tambem bem
sucedidos empresários como quer o capital, idênticos – porem não iguais! - a
burguesia que os financia, compra, aplaude e manipula. O mercado cresce e se
expande com o apoio institucional. Negócios e política – nessa ordem e
umbilicalmente ligados.
Do ponto de vista político, as
relações são mais complexas. Trata-se de relações de poder no âmbito do Estado
e da sociedade. Pode-se pensar em maior participação ou representação política,
segmentos cooptados pelo Estado no bojo do acirramento das lutas populares contra
o poder publico de um lado e, de outro, no esteio das eleições majoritárias?
Pode desde que se dispense o ufanismo cínico ou ingênuo, admitindo-se que o
Estado o faz exclusivamente de acordo com as suas conveniências, interesses e
afinidades – menos por pressão -, de modo a esvaziar as lutas populares e
granjear apoio formal ou a simpatia de segmentos periféricos. É a manjada
“política” da boa vizinhança em ano eleitoral e conforme a pauta do poder, a
despeito da cantilena periférica de luta, mas, que na prática capitula em troca de
“reconhecimento” institucional – apoio formal, financeiro, técnico. A “vitória”
ou o “reconhecimento” celebrados por determinados grupos periféricos é a mera
aceitação a mesa de negociação como “interlocutores” sociais com os poderosos
do dia. Demonstra-se, de ambos os lados, o quanto se ignora ou menospreza-se a
luta, as demandas e os direitos sociais, posto que a participação popular seja
requisito indispensável a democracia assegurado formalmente. Por fim, o poder
não faz concessão quando cumpre as suas obrigações, antes a periferia quando
renuncia a luta, comemorando a “vitória” ou o “sucesso” na ordem do Estado
autoritário e da sociedade capitalista. No mais, desde quando relações de poder
são medidas por estatísticas? E a revolução, é na ordem da democracia burguesa
e do capital?!!!
O fato é que na luta de classes não há
lugar pra conciliação ou capitulação a farsa institucional burguesa e a
opressão do capital e, quem ignora isso tudo reproduz e legitima o inimigo por
conveniência, ignorância ou cinismo! Grosso modo, a expansão quantitativa e a
iniciativa ou ímpeto de diversos movimentos sociais e populares, decorrentes da
democracia que atende as atuais necessidades do capital, não corresponde a um
equivalente qualitativo, em termos de consciência de classe posicionada como
alternativa ao enfrentamento ou superação desse sistema perverso e
insustentável. Percebe-se a superficialidade, o equívoco grandiloquente e o
oportunismo manifesto tanto nos discursos quanto nas manifestações como as que
se seguem abaixo extraídas das redes sociais. O leitor que avalie, lamente,
divirta-se (...) porque eu não me deslumbro e nem subestimo a inteligência
alheia....
“Buenos Aires nunca mais será a mesma!
Finalmente o nosso trabalho é reconhecido! É nós por nós!”
“Olha a nossa Luta dando frutos....que
venha o Mundo agora! Vai segundo ....a periferia vai ocupar tudo o que nos
tiraram desde o nosso nascimento e antes dele!” (Perifatividade)
http://www.clarin.com/sociedad/Rap-poesia-periferia-San-Pablo_0_1129687092.html
Convenhamos, pouca empáfia e deslumbramento deve ser bobagem!
“A Assembléia das Assembléias será o
primeiro encontro físico do Coletivaço, uma reunião do maior número de
coletivos, movimentos sociais, indígenas, quilombolas e quaisquer outras tribos
possíveis na cidade de São Paulo. Precisamos nos encontrarmos para nos
organizarmos. Sabemos que cultivamos mais pontos convergentes que
desavenças, e que todas nossas pautas vertem de uma origem comum: a vontade de
viver melhor.”
Manifesto do Sim
Manifesto do Sim
“Podemos, com o sentimento firme de
missão cumprida, absorver o perspectivismo proporcionado por esse percurso e
decretar neste exato momento: é o fim da pós-modernidade. Agora é possível
fazer as pazes. Entre o céu e a terra, entre o homem e a mulher, entre exatas e
humanas, entre matéria e energia. Entre direita e esquerda. Sim. Síntese.”
De fato, dá pra ser mais
pós-moderno – equivocado ou contraditório - do que isso?!!!! Desnecessário
dizer que a despeito das misérias periféricas, dentre elas o engano, a ilusão,
a empáfia, a ingenuidade e o oportunismo, nada disso diminui a justa,
legitima e essencial luta e organização popular!
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