Em 1990, quando comecei a trabalhar o
mundo era outro. Respirava-se ainda os ares da Guerra Fria, celebrava-se o
triunfo do Capital e a democracia no Brasil, nos reconciliávamos com os
opressores e assassinos – naquele momento os beneplácitos fiadores da paz e da
democracia. Entravamos festivos a gloriosa época da Globalização! Aos 15 anos
eu não tinha a mínima noção de nada, apenas sonhos, testosterona e ímpeto em
excesso. Eu também estava em festa.
Naquela época havia reprovado a 8ª
série no ano anterior e precisava trabalhar – mais por razões morais que
econômicas. Sou da época em que o adolescente em torno dos 15 anos tinha que
trabalhar porque “o trabalho dignifica o homem”, “ensina a ter
responsabilidades”, etc. Assim, comecei como Office-boy em junho e em agosto
estudava a noite. A jornada dupla duraria 15 anos - a ilusão e o encanto acabariam bem antes.
O mercado de trabalho era outro
naquela época, sobretudo, as relações de trabalho. Grosso modo, tudo era menos
sofisticado, preto no branco - ou se estava empregado ou desempregado. Ou no
mercado formal ou informal. A exploração era direta, não dissimulada – menos
eficaz, menos sistemática, menos organizada, menos “democrática”. Era concentrada,
coisa para poucos poderosos. A democracia diluiu o poder – menos na cúpula -,
capilarizou, ampliou e instrumentalizou a exploração, otimizando a produção e
os lucros. Naquela época não havia
“terceirização”, “precarização”, “microempresários individuais”,
“empreendedores”, “cooperativas”, “Ong’s”, “Oscip’s”, entre outras modalidades
de exploração da mão-de-obra – não como existem hoje, organizados e em escala
como exige o mercado. A demanda por “serviços” era ainda incipiente e restrita.
Em 1990, em seis meses consegui três
empregos e três registros na carteira de trabalho. Em 1997 a minha carteira
recebeu a sua última anotação daquela década – foi o fim da inocência em
relação ao mercado de trabalho -, sendo assinada novamente apenas em 2012.
Passaram-se uma década e meia – todo o segundo governo FHC e os dois da
gloriosa era Lula – até o mercado formal abrir as portas para mim novamente.
Nesse período, eu me graduei, pós-graduei, fiz diversos cursos de qualificação
profissional e trabalhei em muitos lugares, em diversas funções e de várias
maneiras – fui estagiário, servidor comissionado, contratado como autônomo
(RPA), temporário, terceirizado, cooperado, explorado de todas as formas mais
sutis, sofisticadas, perversas e eficazes concebidas pelo capitalismo
democrático globalizado!
Ao crescimento econômico corresponde a
maior acumulação e concentração, a expansão do emprego, aumento da produção e
lucros, a sofisticação da exploração e a precarização do trabalho. No atual estágio
do capitalismo ocorre ainda a transferência de investimentos da produção para a
especulação. O maior lucro não é produto da exploração do trabalho, mas, do
mercado financeiro. Em poucas palavras, Globalização corresponde a exploração
em escala global, maior concentração de capitais e especulação financeira.
Paradoxalmente, antes da Globalização
e da estabilização monetária, o Estado interferia menos na economia – embora
houvessem mais e maiores estatais. Mais
por indolência e incompetência que por razões técnicas ou ideológicas. A oferta
de emprego formal era restrita e limitada e o Estado omisso e negligente com
relação a CLT, por outro lado, a sua celebrada e recente expansão corresponde
aos diversos ataques – “flexibilização” - as leis e direitos trabalhistas e a
precarização do trabalho. A massa de trabalhadores informais era imensa, porém,
muito menor que a atual. Tão evidente que a informalidade não é um fenômeno da
Globalização é que ela a sofisticou e expandiu em volume e escala! Se a
privatização ampliou a produção, o consumo e os lucros, diminuiu a
concorrência, os postos de trabalho e precarizou as suas condições. A
privatização beneficiou apenas a concentração, a acumulação e a exploração!
Na primeira metade dos anos 90, com o
trabalho vieram o salário mínimo – que aumentava mensalmente -, o
vale-transporte, a cesta básica, o ticket restaurante – os “benefícios” que
complementavam a renda. Naquela época, se não eram obrigatórios, eram quase
unanimidade no mercado formal – talvez por ser ele mais enxuto. Completavam-na
ainda, os trambiques que todo office-boy que se preza aplicava na empresa –
calote no ônibus, superfaturamento de itinerários e passes pra serviços
externos, falsificação de notas fiscais e recibos de taxi, etc. É bom que se
diga, esse, via de regra era o dinheiro do fliperama. Essa foi a época do anuncio de emprego
nos classificados e das placas de “precisa-se” a porta das empresas. Assim, em
seis meses consegui três anotações na carteira de trabalho dobrando o meu salário
- quando saía a rua pra fazer algum serviço e via uma placa de “precisa-se”,
imediatamente checava a oportunidade e quando era vantajosa me candidatava.
Nessa época, o “boy” em muitas empresas não precisava ter nem o ensino fundamental
concluído, enquanto que as melhores exigiam que estivesse cursando o ensino médio.
Os motoboys ainda não haviam tomado o mercado e aos trabalhadores dos serviços
operacionais e de manutenção bastava serem alfabetizados.
Em casa, bastava que eu pagasse uma
conta de agua ou energia, colaborasse com alguma despesa e o restante era meu.
Assim, frequentava barzinhos e danceterias todo final de semana começando na
sexta – Broadway, Overnight, Paradise, Trump Town, Playboy. Nas baladas eu
bebia, comia, fumava em excesso. Bebia cerveja e drinks como Lagoa Azul, Hi-Fi,
Mojito e fumava cigarros John Player Special ou Camel. A moda era skate e surf,
assim colecionava etiquetas – Town e Country, Stanley, Oakley, Spy,
Quicksilver, OP, London Fog, Side Walk, Bruno Minelli, Zoomp, Versati,
Artmanha, Hawaian Dreams, Cannon, Mad Rats, Skin Reds, Rainha, Kick, Lightning
Bolt, Open Sea, Urgh, Lifestyle, Levis, Bunnys, entre outras. É bom que se
diga, eu não comprava apenas uma peça de roupa ao mês e nem fazia só uma balada.
A oferta de crédito também era restrita e limitada e as opções de compra idem. A
economia ainda era instável demais pra Globalização. Assim, a despeito das
condições limitadas de produção e do mercado ser mais restrito, o poder de
compra do salário mínimo era maior – só um jeans dos que eu usava custa hoje
quase meio salário mínimo e eu nem naquela época jamais gastei metade do meu
com um! Hoje quem ganha salário mínimo, embora a produção e o crédito sejam
maiores, o acesso a mais mercadorias e espaços de lazer, o seu poder de compra
é menor.
Não sou saudosista daquela época,
apenas não me deslumbro com a sedução falaciosa da modernidade Global e do
neodesenvolvimento. A despeito da maior oferta de trabalho formal na base da
produção, da expansão do mercado de serviços e do terceiro setor, das novas
modalidades de empreendimentos e oportunidades, das novas relações de trabalho,
o decrépito Capitalismo que se reinventa na democracia global na sua essência é
o mesmo e tudo se resume a exploração e lucro! A substituição das plaquinhas de
“precisa-se” pelas agências de emprego, o anuncio impresso pelo virtual e os
departamentos operacionais e de manutenção pelas empresas terceirizadas instrumentalizaram
o desemprego justamente entre os mais vulneráveis – fizeram da busca pelo
emprego um negócio a ser explorado. Isso serve tanto para o trabalho quanto
para a educação e a administração pública. A universalização do emprego ou
trabalho, do serviço público e da educação se equivalem na medida em que a
oferta de todos consistem em negócios amplamente subordinados e explorados pelo
mercado. Duvida? Em 1990 não haviam agencias de emprego, empresas
terceirizadas, escolas de concurso público e nem técnicas, profissionalizantes
ou superiores privadas para servir exclusivamente ao dito emprego, aquele celebrado
que submete a todos e subordina-se ao mercado. Enfim, ainda não tenho saudades
porque apesar dessas duas décadas e meia nem tudo mudou: as relações pessoais
continuam em silencio regulando o mercado de trabalho. Sim, a “cordialidade”
que resistiu a Republica, ao Estado Novo, a Ditadura e a Democracia não vai
ceder a Globalização e ao Neodesenvolvimentismo! No Brasil, não tem
Globalização ou neodesenvolvimentismo que resistam a um cartão de visitas, a indicação,
ao “pistolão”, a amizade, ou ao parentesco – basta ser amigo do Rei e fazer de
conta que acredita na balela do mercado técnico e impessoal Globalizado... .A plebe, aos demais ou aos incrédulos: dura lex, sed lex e a burocracia!
Nenhum comentário:
Postar um comentário