sexta-feira, 11 de julho de 2014

Pequeno manual do desemprego e outras linhas sobre o mercado de trabalho.



Em 1990, quando comecei a trabalhar o mundo era outro. Respirava-se ainda os ares da Guerra Fria, celebrava-se o triunfo do Capital e a democracia no Brasil, nos reconciliávamos com os opressores e assassinos – naquele momento os beneplácitos fiadores da paz e da democracia. Entravamos festivos a gloriosa época da Globalização! Aos 15 anos eu não tinha a mínima noção de nada, apenas sonhos, testosterona e ímpeto em excesso. Eu também estava em festa. 

Naquela época havia reprovado a 8ª série no ano anterior e precisava trabalhar – mais por razões morais que econômicas. Sou da época em que o adolescente em torno dos 15 anos tinha que trabalhar porque “o trabalho dignifica o homem”, “ensina a ter responsabilidades”, etc. Assim, comecei como Office-boy em junho e em agosto estudava a noite. A jornada dupla duraria 15 anos - a ilusão e o encanto acabariam bem antes. 

O mercado de trabalho era outro naquela época, sobretudo, as relações de trabalho. Grosso modo, tudo era menos sofisticado, preto no branco - ou se estava empregado ou desempregado. Ou no mercado formal ou informal. A exploração era direta, não dissimulada – menos eficaz, menos sistemática, menos organizada, menos “democrática”. Era concentrada, coisa para poucos poderosos. A democracia diluiu o poder – menos na cúpula -, capilarizou, ampliou e instrumentalizou a exploração, otimizando a produção e os lucros.  Naquela época não havia “terceirização”, “precarização”, “microempresários individuais”, “empreendedores”, “cooperativas”, “Ong’s”, “Oscip’s”, entre outras modalidades de exploração da mão-de-obra – não como existem hoje, organizados e em escala como exige o mercado. A demanda por “serviços” era ainda incipiente e restrita. 

Em 1990, em seis meses consegui três empregos e três registros na carteira de trabalho. Em 1997 a minha carteira recebeu a sua última anotação daquela década – foi o fim da inocência em relação ao mercado de trabalho -, sendo assinada novamente apenas em 2012. Passaram-se uma década e meia – todo o segundo governo FHC e os dois da gloriosa era Lula – até o mercado formal abrir as portas para mim novamente. Nesse período, eu me graduei, pós-graduei, fiz diversos cursos de qualificação profissional e trabalhei em muitos lugares, em diversas funções e de várias maneiras – fui estagiário, servidor comissionado, contratado como autônomo (RPA), temporário, terceirizado, cooperado, explorado de todas as formas mais sutis, sofisticadas, perversas e eficazes concebidas pelo capitalismo democrático globalizado! 

Ao crescimento econômico corresponde a maior acumulação e concentração, a expansão do emprego, aumento da produção e lucros, a sofisticação da exploração e a precarização do trabalho. No atual estágio do capitalismo ocorre ainda a transferência de investimentos da produção para a especulação. O maior lucro não é produto da exploração do trabalho, mas, do mercado financeiro. Em poucas palavras, Globalização corresponde a exploração em escala global, maior concentração de capitais e especulação financeira. 

Paradoxalmente, antes da Globalização e da estabilização monetária, o Estado interferia menos na economia – embora houvessem mais e maiores estatais.  Mais por indolência e incompetência que por razões técnicas ou ideológicas. A oferta de emprego formal era restrita e limitada e o Estado omisso e negligente com relação a CLT, por outro lado, a sua celebrada e recente expansão corresponde aos diversos ataques – “flexibilização” - as leis e direitos trabalhistas e a precarização do trabalho. A massa de trabalhadores informais era imensa, porém, muito menor que a atual. Tão evidente que a informalidade não é um fenômeno da Globalização é que ela a sofisticou e expandiu em volume e escala! Se a privatização ampliou a produção, o consumo e os lucros, diminuiu a concorrência, os postos de trabalho e precarizou as suas condições. A privatização beneficiou apenas a concentração, a acumulação e a exploração!   

Na primeira metade dos anos 90, com o trabalho vieram o salário mínimo – que aumentava mensalmente -, o vale-transporte, a cesta básica, o ticket restaurante – os “benefícios” que complementavam a renda. Naquela época, se não eram obrigatórios, eram quase unanimidade no mercado formal – talvez por ser ele mais enxuto. Completavam-na ainda, os trambiques que todo office-boy que se preza aplicava na empresa – calote no ônibus, superfaturamento de itinerários e passes pra serviços externos, falsificação de notas fiscais e recibos de taxi, etc. É bom que se diga, esse, via de regra era o dinheiro do fliperama. Essa foi a época do anuncio de emprego nos classificados e das placas de “precisa-se” a porta das empresas. Assim, em seis meses consegui três anotações na carteira de trabalho dobrando o meu salário - quando saía a rua pra fazer algum serviço e via uma placa de “precisa-se”, imediatamente checava a oportunidade e quando era vantajosa me candidatava. Nessa época, o “boy” em muitas empresas não precisava ter nem o ensino fundamental concluído, enquanto que as melhores exigiam que estivesse cursando o ensino médio. Os motoboys ainda não haviam tomado o mercado e aos trabalhadores dos serviços operacionais e de manutenção bastava serem alfabetizados. 

Em casa, bastava que eu pagasse uma conta de agua ou energia, colaborasse com alguma despesa e o restante era meu. Assim, frequentava barzinhos e danceterias todo final de semana começando na sexta – Broadway, Overnight, Paradise, Trump Town, Playboy. Nas baladas eu bebia, comia, fumava em excesso. Bebia cerveja e drinks como Lagoa Azul, Hi-Fi, Mojito e fumava cigarros John Player Special ou Camel. A moda era skate e surf, assim colecionava etiquetas – Town e Country, Stanley, Oakley, Spy, Quicksilver, OP, London Fog, Side Walk, Bruno Minelli, Zoomp, Versati, Artmanha, Hawaian Dreams, Cannon, Mad Rats, Skin Reds, Rainha, Kick, Lightning Bolt, Open Sea, Urgh, Lifestyle, Levis, Bunnys, entre outras. É bom que se diga, eu não comprava apenas uma peça de roupa ao mês e nem fazia só uma balada. A oferta de crédito também era restrita e limitada e as opções de compra idem. A economia ainda era instável demais pra Globalização. Assim, a despeito das condições limitadas de produção e do mercado ser mais restrito, o poder de compra do salário mínimo era maior – só um jeans dos que eu usava custa hoje quase meio salário mínimo e eu nem naquela época jamais gastei metade do meu com um! Hoje quem ganha salário mínimo, embora a produção e o crédito sejam maiores, o acesso a mais mercadorias e espaços de lazer, o seu poder de compra é menor. 

Não sou saudosista daquela época, apenas não me deslumbro com a sedução falaciosa da modernidade Global e do neodesenvolvimento. A despeito da maior oferta de trabalho formal na base da produção, da expansão do mercado de serviços e do terceiro setor, das novas modalidades de empreendimentos e oportunidades, das novas relações de trabalho, o decrépito Capitalismo que se reinventa na democracia global na sua essência é o mesmo e tudo se resume a exploração e lucro! A substituição das plaquinhas de “precisa-se” pelas agências de emprego, o anuncio impresso pelo virtual e os departamentos operacionais e de manutenção pelas empresas terceirizadas instrumentalizaram o desemprego justamente entre os mais vulneráveis – fizeram da busca pelo emprego um negócio a ser explorado. Isso serve tanto para o trabalho quanto para a educação e a administração pública. A universalização do emprego ou trabalho, do serviço público e da educação se equivalem na medida em que a oferta de todos consistem em negócios amplamente subordinados e explorados pelo mercado. Duvida? Em 1990 não haviam agencias de emprego, empresas terceirizadas, escolas de concurso público e nem técnicas, profissionalizantes ou superiores privadas para servir exclusivamente ao dito emprego, aquele celebrado que submete a todos e subordina-se ao mercado. Enfim, ainda não tenho saudades porque apesar dessas duas décadas e meia nem tudo mudou: as relações pessoais continuam em silencio regulando o mercado de trabalho. Sim, a “cordialidade” que resistiu a Republica, ao Estado Novo, a Ditadura e a Democracia não vai ceder a Globalização e ao Neodesenvolvimentismo! No Brasil, não tem Globalização ou neodesenvolvimentismo que resistam a um cartão de visitas, a indicação, ao “pistolão”, a amizade, ou ao parentesco – basta ser amigo do Rei e fazer de conta que acredita na balela do mercado técnico e impessoal Globalizado... .A plebe, aos demais ou aos incrédulos: dura lex, sed lex e a burocracia!



 






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