Há noventa anos, em cinco de julho, São Paulo amanhecia ocupada
por tropas. Sob o comando do general Isidoro Dias Lopes, do major Miguel Costa e dos tenentes Eduardo Gomes,
João Cabanas e os irmãos Joaquim e Juarez Távora começava a “Revolução Paulista”,
“Revolução de 24” ou “Revolução Esquecida”. O levante culminou com a ocupação
da cidade por 23 dias, forçando o presidente do estado Carlos de Campos a
deixar a capital após o bombardeio do Palácio Campos Elísios pelas tropas
sediciosas. Foi o maior conflito bélico que a cidade conheceu. A cidade foi sistematicamente bombardeada por
artilharia e aviões do governo federal durante 22 dias consecutivos. Diversas famílias morreram
soterradas em suas casas ou feridas por estilhaços. Tiros eram ouvidos durante
o dia ou a noite da Avenida Paulista ao Brás, do Belenzinho à Vila Mariana,
passando pela Mooca, Perdizes, Ipiranga, Vila Prudente, Bom Retiro e o centro da cidade.
Trincheiras e barricadas foram construídas nas ruas. O campanário de diversas
Igrejas serviu como ponto de observação ou foram utilizados pela artilharia e franco-atiradores.
Tanques de guerra foram usados contra os combatentes na cidade. Essa tecnologia nova de guerra - inaugurada em 1916 em Somme na Grande Guerra -, não fossem os Batalhões de Veteranos Estrangeiros - italianos, russos, alemães, húngaros - que aderiram aos revolucionários, não seriam detidos, causando maior impacto em mortes e destruição. São Paulo virou uma praça de guerra e cerca de um terço da população de 700 mil
habitantes empreendeu fuga para o interior do Estado. Um acampamento de
refugiados da Cruz Vermelha foi levantado na cidade durante o conflito, naquele
que seria ainda um dos invernos mais frios de São Paulo.
Os combates que se iniciaram no centro, região da Estação da
Luz, no 5º Batalhão da Força Publica – atual quartel da ROTA -, culminaram com
a prisão dos comandantes da Força Pública e da 2ª Região Militar do Exército. O
oficial do Exército ainda vestia farda de gala - vinha de uma festa do
Consulado dos Estados Unidos no Hotel Esplanada, atrás do Teatro Municipal -
quando foi detido pelo Tenente Joaquim Távora, morto dias depois baleado em
combate quando comandava um ataque para retomar o 5º Batalhão. Távora havia
participado do levante de 1922 no estado do Mato Grosso e deu baixa em 23,
conspirando desde então contra o governo federal. O tenente João Alberto que o
conhecera na prisão descrevia-o como um “socialista ardoroso”, culto e com “elevado espírito revolucionário.”
Passados noventa anos, quem recorda e qual a importância
desse acontecimento pro Brasil e São Paulo? Por que lembrar-se e refletir sobre
1924? Em 1924 São Paulo ainda era sonho, desejo, paixão. Era o olhar e a cabeça
no futuro e os pés e costumes no passado. Era tradição e modernidade, província
e metrópole. São Paulo era a cidade dos Barões do Café e dos Capitães da Indústria. Respirava-se o perfume francês, a fumaça das chaminés, dos carros e
o estrume. Luzes, urbe, maquinas, mob, mercadorias, idiomas, dialetos, sons,
ruídos, aromas, ideias, costumes compunham o caleidoscópio. Classes, contradições, conflitos! Esperança e
medo. A Babel do século XX se anunciava.
Em 1924 a ordem das coisas estava em crise. Toda à ordem –
política, econômica, social. A São Paulo metrópole urbana nascia sob as vaias,
o repúdio, desprezo, protestos, manifestações, tiros e as bombas das
elites tradicionais contra todas as vanguardas. Nascia à força sob o cadáver
moribundo da cidade-província do século XIX que insistia em se impor ao século
XX. Era a São Paulo dos parnasianos e modernistas, do caipira e do imigrante,
do burguês e do proletariado.
A São Paulo de 24 ainda respirava 17 e 22. Era a cidade assombrada
pelo proletariado anarcossindicalista e socialista e os Modernistas iconoclastas. Da Federação
Operária e do Partido Comunista. do Bom Retiro, Brás, Bixiga, Barra Funda e Mooca e a dos
Campos Elísios, Paulista e Pinheiros. A classe trabalhadora se organizava e fortalecia-se, ao lado da burguesia urbana e industrial. A luta de classes se impunha. Grosso modo, esse é o contexto em que as
barricadas se levantam na capital paulista no dia cinco de julho de 1924, continuando
a obra de 22 e em homenagem ao segundo ano do levante do Forte de
Copacabana no Rio de Janeiro.
Com efeito, não é possível vislumbrar o que foi o levante de
24 em São Paulo sem considerar o Tenentismo e as suas diversas tendências - do positivismo ao socialismo, passando pelo integralismo -, bem como as agitações
do período , sobretudo, o impacto da revolta anterior carioca (Revolta dos 18
do Forte de Copacabana), a época capital federal no contexto da República Velha
– não fosse assim não teria se iniciado exatamente no mesmo dia, como uma
homenagem àquele. Eduardo Gomes era ainda um dos sobreviventes dos 18 de 22 ao
lado de Siqueira Campos. Na madrugada do sábado, cinco de julho de 1924 São Paulo
amanhecia sob o assalto dos revoltosos. Como hoje, na época, sábado era só mais
um dia de trabalho. De acordo com José de Souza Martins, “quem tomava o café da manhã no bar
e restaurante da Estação da Luz às 6h não notou nada. Quem tentou tomar o trem
às 8h30 na mesma estação descobriu que não havia trens e que a estação fora
ocupada por uma tropa da Força Pública comandada por um sujeito magrela, um tal
de Tenente João Cabanas, que ficaria famoso.”
Cabanas durante muito tempo povoou o imaginário popular – o
feroz, invencível e cruel comandante da Coluna da Morte - não fosse a malária, teria integrado a Coluna Prestes. Um inquérito feito
pelo Governo do Estado de São Paulo após o levante sustenta que os seus
subordinados no interior do Estado saquearam, mataram, estupraram, torturaram com
o seu consentimento e omissão, entretanto, consta que mandou fuzilar
saqueadores no centro da capital desde o dia 05/07 e, notabilizou-se tanto pela ousadia, ferocidade e façanhas em combate quanto pela admiração dos seus subordinados e da população e o deboche contra o Exercito e os oficiais governistas. Após a fuga dos
revolucionários, embora não tenha se juntado a Coluna Prestes/Miguel Costa, foi
um dos protagonistas na Revolução de 30 que levou Vargas ao poder. Estava entre
os que participaram da cerimônia da amarração dos cavalos gaúchos no Obelisco
da atual avenida Rio Branco no Rio de Janeiro, atitude carregada de simbolismo e
que representa o triunfo total da Revolução de 1930 e a arrogância dos tenentes – guardadas as enormes
diferenças históricas, sociais e políticas, impossível negar a influência e a
alusão a entrada triunfal a cavalo dos revolucionários mexicanos em 1914
na capital do México. Ao final rompeu com Vargas e ingressou no partido socialista.
A revolta paulista de 24 se insere nesse contexto de convulsões
e lutas políticas e sociais no qual a América Latina também experimenta no início
do século XX e que se acentua no pós-guerra (194-1918) e a crise na Europa. A
luta paulista é uma continuação do movimento iniciado em 22 e que encerra-se
apenas em 37 com o Estado Novo – até lá o sangue e a pólvora determinarão os
rumos da política pelo país em 24, 25/27, 30, 32, 35 e, pra alguns, até 38. Todavia a organização da classe operária inicia-se muito antes, na década de 10, e a sua ascensão e fortalecimento acirra a luta de classes e mobiliza os Tenentes como alternativa conservadora para a sua contenção.
Se ela não inaugura o período revolucionário brasileiro, nem consegue mobilizar toda a sociedade, na medida em que o Tenentismo não fosse um movimento de massas, ainda assim impulsiona as lutas e evidencia a falência das oligarquias e da sua política, bem como a crise do capitalismo e da República Oligárquica. A maioria da classe trabalhadora reunida em torno dos anarquistas e socialistas acabou não aderindo a luta, sobretudo por questões estratégicas - os trabalhadores exigiam que fossem criadas milícias armadas de trabalhadores sem subordinação aos militares -, embora fossem latentes as divergências ideológicas, todos concordavam com a falência do Estado e a necessidade premente da luta. Ao final, cadáveres foram sepultados às pressas em terrenos baldios e quintais. Os revoltosos apenas deixariam a capital só na madrugada de 28 de julho, quando se retiraram de trem para o interior, bombardeando pontes no caminho, granjeando apoio no Rio de Janeiro, Mato Grosso, Pernambuco, Amazonas, encerrando os combates já no Paraná com o cerco de Catanduvas. Esse cerco durará até março de 1925, mobilizando cerca de 14 mil homens do governo federal, comandados, dentre outros, por Cândido Rondon e Dilermando de Assis (o assassino de Euclides da Cunha), contra 3 mil revoltosos paulistas que esperavam bravamente a chegada dos gaúchos sob o comando de Luís Carlos Prestes - a fusão da coluna dos revolucionários paulistas com a gaúcha formaria a Coluna Prestes que combateria o governo por todo o país até 1927. Deixam para trás apenas em SP cerca de mil mortos - a maioria civis e estima-se em 4 mil o número de feridos além de incontáveis fábricas, casas e armazéns destruídos pelos bombardeios e incêndios. E apesar disso tudo, não há um único monumento que celebre a memória das vítimas e da luta na cidade.
Se ela não inaugura o período revolucionário brasileiro, nem consegue mobilizar toda a sociedade, na medida em que o Tenentismo não fosse um movimento de massas, ainda assim impulsiona as lutas e evidencia a falência das oligarquias e da sua política, bem como a crise do capitalismo e da República Oligárquica. A maioria da classe trabalhadora reunida em torno dos anarquistas e socialistas acabou não aderindo a luta, sobretudo por questões estratégicas - os trabalhadores exigiam que fossem criadas milícias armadas de trabalhadores sem subordinação aos militares -, embora fossem latentes as divergências ideológicas, todos concordavam com a falência do Estado e a necessidade premente da luta. Ao final, cadáveres foram sepultados às pressas em terrenos baldios e quintais. Os revoltosos apenas deixariam a capital só na madrugada de 28 de julho, quando se retiraram de trem para o interior, bombardeando pontes no caminho, granjeando apoio no Rio de Janeiro, Mato Grosso, Pernambuco, Amazonas, encerrando os combates já no Paraná com o cerco de Catanduvas. Esse cerco durará até março de 1925, mobilizando cerca de 14 mil homens do governo federal, comandados, dentre outros, por Cândido Rondon e Dilermando de Assis (o assassino de Euclides da Cunha), contra 3 mil revoltosos paulistas que esperavam bravamente a chegada dos gaúchos sob o comando de Luís Carlos Prestes - a fusão da coluna dos revolucionários paulistas com a gaúcha formaria a Coluna Prestes que combateria o governo por todo o país até 1927. Deixam para trás apenas em SP cerca de mil mortos - a maioria civis e estima-se em 4 mil o número de feridos além de incontáveis fábricas, casas e armazéns destruídos pelos bombardeios e incêndios. E apesar disso tudo, não há um único monumento que celebre a memória das vítimas e da luta na cidade.
Referencias
http://pos.historia.ufg.br/uploads/113/original_12_-_BORIS_FAUSTO__Uma_Vis%C3%A3o_Republicana_da_Histoira.pdf
https://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,a-revolucao-de-1924,398365
http://acervo.estadao.com.br/noticias/acervo,revolucao-de-24-guerra-em-sp-por-reformas-politicas,10277,0.htm
http://www.revistatopoi.org/numeros_anteriores/topoi23/topoi23_a09_antecipando_a_era_vargas.pdf
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs1107200406.htm
As noites das grandes fogueiras: uma historia da Coluna Prestes. Domingos Meirelles, editora Record.
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs1107200406.htm
As noites das grandes fogueiras: uma historia da Coluna Prestes. Domingos Meirelles, editora Record.
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