
No próximo sábado, quando lança-lo, nada espero dele. Apenas que seja o que é: o simples registro de um desgraçado. O relato de um excluído, um fracassado, um marginal, um quase que ousou pretender ser mais do que deveria ter sido e terminou sem antes ser coisa alguma. Assim, espero que seja considerado na justa medida do que representa: nada. As paginas policiais, as estatísticas, estudos ou relatórios assistenciais, sociais e governamentais já bastam pra dizer muita coisa sobre os desgraçados. Os registros de pessoas como eu são feitos com rigor, dedicação e até abnegação por jornalistas, cientistas-pesquisadores, padres, técnicos sociais e políticos diversos. Sem dizer que existe ainda a dita "literatura marginal." Pessoas sem voz, sem vontade, sem razão, sem moral, sem lugar, sem futuro.
Meu registro, todavia, nada mais é que o meu relato. Não pretendo ser o porta-voz ou o representante de coisa alguma. Trata-se apenas da minha experiência e leitura da realidade. Não é um estudo, nem uma reportagem, tampouco um relatório técnico ou uma pesquisa. Não é dever de oficio, obrigação moral ou causa social. Apenas o relato de um sobrevivente. Resistir não é opção e revoltar-se é imperativo. Algo além disso esta acima das minhas pretensões, razão, posição e capacidade. Há muitos por aí como eu, com mais qualidades, capacidades e ambição. Eu mesmo os conheci em profusão e escala.
A sociedade e o capitalismo são prolíficos em produzi-los. O capital porque é intrínseco ao modo de produção à exploração e a acumulação e, a sociedade porque é essencialmente tradicional, moralista, reacionária, conservadora, autoritária. Isso não é apenas uma constatação, são verdades históricas. Os dependentes químicos - viciados em crack - que perambulam pelas ruas, becos e vielas de hoje são os bêbados de outrora - fracassados, vadios, vagabundos, marginais. Na Inglaterra dos séculos XVIII e XIX - apogeu da Revolução Industrial na Europa - foram promulgadas leis contra o consumo de Gin - menos por razões de saúde que por econômicas, morais e de segurança publica. Na América puritana e capitalista do século XIX ao XX a cruzada contra o álcool também orienta-se pelas mesmas razões tanto quanto a atual "Guerra as drogas" - de Nixon e Reagan.
No Brasil o Decreto Lei 3.688 de 1941, no capitulo VII que trata "das contravenções relativas à polícia de costumes", nos artigos 59 e 62 tipificam os delitos de "Vadiagem" e "Embriaguez" e as suas respectivas penas - consta que em 2012 o artigo 59 foi "descriminalizado." Após 25 anos da Constituição Cidadã, leis do "Estado Novo" ainda vigorarem diz muito sobre o Estado e a sociedade brasileiras. Não espanta que "a questão social" no Brasil, a despeito da democracia, seja ainda "caso de policia" - sobretudo as relativas a dependência química e o consumo de drogas ilícitas. O "acolhimento", no âmbito das políticas sociais, articula-se e se estabelece no interior de procedimentos de caráter jurídico-normativos que procedem o controle, a profilaxia e a ordem social. A despeito da democracia, a sociedade - "minorias" com todas as aspas e ambiguidades que cabem a palavra - e o indivíduo seguem a margem das decisões dos homens de Estado e poder - judiciário, políticos, técnicos, burocratas. Conheço o "acolhimento" e a "eficácia" de CRAS, CAPS, SEMTAS, Pronatecs e os "Empregas" governamentais de diversas cidades Brasil afora - conheço-os como usuário, é bom que se diga. Conheço também estatística - já fiz algumas pesquisas -, por isso não acredito em ambos. Só acredito na experiência - prisão, policias, repressão, descaso, abandono, negligencia, omissão, desprezo, demagogia, cinismo, oportunismo, lucro, exploração, miséria, violência.
Pouco mais de seis anos de estudos superiores fizeram nada mais que aguçar o olhar sobre a experiência de duas décadas, vividas na realidade da nossa sociedade e o mercado de trabalho na ordem do capital globalizado. Quase 40 anos, um quarto de século como carne no mercado - nem 6 anos de contribuição somando CLT e serviço publico -, uma década de dependência química e assim se constrói isso - um homem-nada, sem lugar na sociedade, sem esperanças, sem estabilidade alguma, sem patrimônio, renda, emprego e sem futuro. Sobre os escombros e os despojos de incontáveis lugares e pessoas é que se constroem e alicerçam a riqueza, reputação, poder de alguns, a força e a pujança desse Estado funcional, conciliatório e "democrático" na ordem do capital. Por isso penso no meu livro, na minha vida e diante disso, nada espero de ambos, tampouco coisa alguma.
O homem de papel, em seu papel refletivo sobre a condição do papel do homem. Tantos papéis, que nos fazem apenas não reconhecer no homem o seu papel. E quantos homens querem com o seu papel, não aceitarem o que um homem impõe a outro homem, por meio de um papel. No entanto o intelectual é um homem de papel. O papel do intelectual é fazer o homem se refletir em seu papel e reconhecer quantos outros papéis são representados pelos homens. Que no final do seu papel, ele desperta na mulher, o que juntos podem fazer, o papel da sociedade.
ResponderExcluirMuito bem lembrado e dito, caro amigo Sergio!
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