Nas sociedades clássicas — a
grega da Atenas do século V A.C., Roma e mesmo entre os Hebreus — o
trabalho - entendido como recurso a sobrevivência - não era valorizado. A origem da palavra trabalho, em latim, vem
de tripalium, um instrumento romano de tortura. Assim, o trabalho era
fundamentalmente "aquilo que tortura". Entre os gregos, distinguia-se
trabalho de labor. Para eles – particularmente Sócrates, Platão e Aristóteles
-, o labor é aquilo que está ligado à necessidade — necessidade de sobrevivência,
como os animais. Desse modo, tudo aquilo que está ligado à necessidade não pode
definir a liberdade, muito menos a grandeza do homem. Por outro lado, para
eles, trabalho é toda atividade intelectual produtiva cujo fim não se encontra
em si mesmo e nem para o mero beneficio do seu produtor. Trabalho tem a ver com
a criação e a transformação, portanto, seria de caráter publico e social como demonstração
individual de superioridade e grandeza intelectual e moral. O labor, por sua
vez, era a atividade dos escravos e dos servos. Este seria uma atividade
contínua e sem fim. Assim, a necessidade de produzir e quase todos os ofícios
manuais ficavam a cargo dos servos e escravos, posto que fosse atividade
contínua e sem fim. Xenofonte afirma que:
“Os ofícios artesanais gozavam de grande descrédito, o que lhe parecia muito
natural, pois obrigavam os artesãos a levarem uma vida reclusa, sentados na
penumbra do seu ateliê, devendo às vezes passar o dia inteiro isolado junto ao
fogo. Tudo isso produziu um efeito nefasto, pois, considerando a demanda destas
artes mecânicas inferiores, o tempo daqueles que se dedicam a elas não lhes
deixa nenhum momento de ócio para poder consagrar à amizade ou o Estado. O
resultado final que estas atividades produziam naqueles que as cultivavam era
enfraquecer o corpo e avaliar a alma”.(Pensadores – Sócrates).
Assim, se o trabalho tem ligação
com a liberdade e a realização e o labor com a necessidade e o sofrimento, o
primeiro era publico enquanto que o outro era privado - a dor é reservada a esfera privada. O trabalho, como postulado da liberdade e atributo publico é, portanto, condição para a plena cidadania, sendo, reservado apenas aos homens - senhores e patrícios. A mitologia grega, por sua vez, diz-nos algo sobre o labor no mito de Sísifo(1) - ao trair os deuses foi condenado a arrastar durante toda a eternidade uma
pedra até o topo de uma montanha a qual ao chegar lá em cima rolava de novo.
Temos aí o castigo do trabalho inútil, repetitivo e sem fim. Sísifo é o herói
do absurdo, o homem que desdenha os deuses, aprisiona a morte, foge do inferno
e tem paixão pela vida. A sua ousadia e apego ao mundo fizeram com que
ele recebesse aquele inexprimível castigo, no qual todo o seu ser se esforça
para executar absolutamente nada. Este é o preço que deve ser pago pelas
paixões neste mundo, que por sua vez não levam a nada. No momento da descida em
direção ao seu tormento sem fim ele toma consciência, assim se inicia a
tragédia que surge com a tomada de consciência. O destino do trabalhador atual
que labuta todos os dias nas mesmas tarefas degradantes e sem fim não é menos
absurdo. Subordinado as necessidades impostas pela sobrevivência, submete-se às
imposições desumanas do mercado de trabalho.
Por outro lado, é importante destacar
a influencia do estoicismo(2)
na cultura ocidental - helênica e romana. A filosofia estoica destacava-se pela
sua ênfase na ética, na virtude e na razão. Deste modo, o estoicismo
consistia, sobretudo, em um modelo de conduta, uma filosofia da práxis. O estoico
opunha-se ao hedonismo vulgar – a busca incessante, incondicional e irrestrita
do prazer. O estoicismo, por sua vez, aconselhava a renuncia aos prazeres
mundanos, a moderação, a indiferença e o desprezo pelos vícios e excessos
físicos e morais com resignação e nobreza. Deste modo, com relação ao trabalho,
Marco Aurélio (3)
– o Imperador estoico - recomendava: “Trabalha, não como um infeliz, nem como
se quisesses ser lamentado ou admirado. Que seja uma só a tua vontade: a de
algo fazer, ou abster-te, segundo o exige a tua razão de ser social”. Temos
aqui a renuncia aos benefícios auferidos ao indivíduo pelo trabalho em favor da
sociedade; ou seja, o oposto da acumulação e do individualismo que imperam na
sociedade ocidental contemporânea. Porque para o estoico o trabalho não é um
meio – para acumular riquezas ou status -, mas um fim – de transformar o homem
e a sociedade para o bem comum. Quando Marco Aurélio diz: “Aguentar a fadiga e
restringir as necessidades” - sintetiza que a sabedoria e a riqueza consistem
em abster-se da preguiça, ociosidade, luxuria e das futilidades; porque a
virtude consiste em saber viver de modo produtivo e com o necessário.
Na tradição judaico-cristã, de acordo
com o Gênesis, o castigo de Adão foi o trabalho - “comerás o pão com suor do
seu rosto” -, posto que no Paraíso não existisse trabalho, tudo estava dado
pela natureza. Por sua vez, a pena que Eva recebe - “Com dor terá filhos"
- está ligada a concepção do trabalho como sofrimento, posto que ainda hoje dizemos que a mulher que
está para dar a luz está em “trabalho de parto.” Afinal, tudo aquilo que é difícil nos dá muito “trabalho”, é
“trabalhoso”, dá a maior “trabalheira” e, de acordo com os dicionários, o
que é trabalhoso é custoso, difícil, penoso, exaustivo, fatigante. Assim é que
o trabalho, muitas vezes, representava uma pena, um fardo, um sacrifício, na medida em que a escravidão
não só era a restrição da liberdade, mas uma condenação perpétua a trabalhos
forçados e degradantes.
Por isso, é imperativo a superação da moral burguesa - judaico-cristã -, base de sustentação do Capitalismo, porque o trabalho não pode ser um fim em si mesmo, tampouco, o espolio da dominação de uma classe sobre outra e o fim ultimo da vida dos que não detêm os meios de produção, propriedade e capital. Porque apenas numa sociedade comunista, "cada indivíduo pode aperfeiçoar-se no campo que lhe aprouver, não tendo por isso uma esfera de atividade exclusiva é a sociedade que regula a produção geral e me possibilita fazer hoje uma coisa, amanhã outra, caçar de manhã, pescar à tarde, pastorear a noite, fazer crítica depois da refeição, e tudo isto a meu bel-prazer, sem por isso me tornar exclusivamente caçador, pescador ou crítico."
Por isso, é imperativo a superação da moral burguesa - judaico-cristã -, base de sustentação do Capitalismo, porque o trabalho não pode ser um fim em si mesmo, tampouco, o espolio da dominação de uma classe sobre outra e o fim ultimo da vida dos que não detêm os meios de produção, propriedade e capital. Porque apenas numa sociedade comunista, "cada indivíduo pode aperfeiçoar-se no campo que lhe aprouver, não tendo por isso uma esfera de atividade exclusiva é a sociedade que regula a produção geral e me possibilita fazer hoje uma coisa, amanhã outra, caçar de manhã, pescar à tarde, pastorear a noite, fazer crítica depois da refeição, e tudo isto a meu bel-prazer, sem por isso me tornar exclusivamente caçador, pescador ou crítico."
(3)
Imperador romano (121-180 DC). Ficou conhecido como o Imperador Filósofo,
seu reinado coincidiu com a idade de ouro do Império Romano.
PRÉ-SOCRÁTICOS, Os Pensadores, São Paulo: Nova Cultural, 2000.
AURÉLIO, Marco, Meditações, São Paulo: Martin Claret, 2003.
ENGELS, Friedrich, MARX, Karl, A Ideologia Alemã, São Paulo: Expressão Popular, 2009.
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