sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Um olhar sobre Kerouac.

Recentemente li Kerouac - Cenas de Nova York & outras viagens. Nunca tinha lido-o antes. Kerouac sempre foi celebrado demais, cultuado demais pro meu gosto. Sempre mantive certa distancia de autores e obras excessivamente consagradas, celebradas e cults. Por isso, quando leio e posso, sempre o faço com alguma desconfiança e começo pelas obras menos conhecidas e celebradas. Kafka eu comecei pelo O Processo, Huxley por Eminência Parda, Shakespeare pelo Rei Lear, Dostoievski por Noites Brancas, Tolstoi pelo Diabo Branco, Victor Hugo pelo Ultimo dia de um condenado. Gostei de Kerouac. Achei-o um escritor simples, objetivo, honesto. Sem afetação ou formalismos como muitos dos seus admiradores ou críticos

Kerouac nasceu em 22 nos Estados Unidos da Lei Seca, cresceu em meio a Depressão e foi jovem a época da Guerra. Cresceu sob efeito dos "loucos anos 20" de Fitzgerald e Hemingway, do rádio e do jazz, de Hollywood e da Máfia. Há muito de Fitzgerald, Hemingway, London, Thoreau, Whitman e Reed em Kerouac - e não me refiro apenas a literatura. O jovem Kerouac cresceu na Massachussets de Thoreau, perambulou pela Nova York do Village de John Reed. Como o primeiro guardava veneração pela natureza, a vida estoica e o desprezo pela burguesia. Tal qual o professor de Concord, fez do traço libertário, caracterizado pela resistência e recusa a moral e a pressão da sociedade burguesa um estilo de vida. É notória a influencia de Thoreau na sua obra, tanto na admiração contemplativa da natureza quanto na sua descrição minuciosa e direta. Aqui é ainda contundente a influencia de Walt Whitman - por que não Fernando Pessoa? Naquilo em que a poesia flerta com a filosofia. Nesse sentido, impossível ignorar a influencia de Jack London, notório socialista americano, a altura de Whitman e Thoreau, sobretudo na admiração e respeito a natureza na América.  
   
Antes de Kerouac, John Reed e Jack London se encharcaram no socialismo libertário e utópico de Thoreau. Homens de fins do século XIX e inicio do XX, ambos mesclaram a revolta contra a sociedade burguesa americana com as lutas da classe trabalhadora. Reed cobriu como jornalista e apoiou as lutas dos trabalhadores americanos, foi correspondente durante a Grande Guerra, conheceu, entrevistou e apoiou Pancho Vila na Revolução Mexicana, conheceu Lênin, apoiou os bolcheviques, escreveu o clássico Os dez dias que abalaram o mundo e é o único americano sepultado no Kremlin. London atuou junto ao proletariado americano e inglês - trabalhando, escrevendo artigos e livros sobre a situação da classe trabalhadora nos dois países. Perambulou pela América trabalhando em fábricas nas cidades, como marujo ou contrabandista pelos oceanos, foi ao Klondike em busca de ouro e vagabundeou de trem pela América até ser preso aos 19 anos. London foi ainda o grande articulador e propagador da Legião Socialista nos EUA e membro do Partido Socialista da América até a sua morte precoce em 1916.  Hemingway também cobriu a Grande Guerra e combateu como voluntário na Guerra Civil Espanhola ao lado dos republicanos, embora repudiasse o comunismo. Não foi o único nas trincheiras republicanas, lá também estiveram Orwell, dos Passos, Paz, Neruda, Simone Weil, Aragon, Lorca, Bunuel, Malraux, entre outros. 

Como London, Fitzgerald e Hemingway, Kerouac também apreciava a boemia a aventura e os excessos. O álcool que consumiu London, Fitzgerald e Hemingway curtiu Kerouac. O "wild" de Caninos Brancos é presença constante em Kerouac tanto quanto a natureza em Walden de Thoreau. O solene respeito pela natureza em O velho e o mar como nos versos de Whitman e Pessoa. O mais são os excessos, o vigor e a ousadia de  Reed, London, Hemingway, Fitzgerald, nas letras, nas lutas e na vida...... 


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