
As
origens dessa característica no Brasil remontam a colonização, herança da
tradição ibérica, cuja fonte é o Estado patrimonial português - definido com
rigor e precisão por Sergio Buarque de Holanda e Raymundo Faoro. O primeiro
observa os processos de socialização caracterizados pela
"cordialidade" e o outro aponta o traço "personalista" -
senhorial - do português - ambos avessos a impessoalidade e a burocracia. Marx
por sua vez, lembra o que era o Estado na França em 1851, explicando que o
"poder executivo, com a sua enorme organização burocrática e militar, com
a sua maquina de Estado, complicada e artificial, com o exercito de meio milhão
de funcionários, ao lado de um exercito que conta ainda meio milhão de homens,
o espantoso organismo parasitário que envolve como rede o corpo da sociedade
francesa, fechando-lhe todos os poros." Lênin segue e sustenta: "numa
republica democrática, o Estado continua a ser o Estado, isto é, conserva o seu
caráter distintivo: transformar os funcionários, servidores da sociedade, seus
órgãos, em senhores da mesma." Em uma palavra, o Estado não é senão o
poder organizado de uma classe com vistas a oprimir outra. Dito isso, passo a
palavra pro lado de cá do balcão.
Por razão que ignoro José precisava do documento de identidade - não há lei que obrigue Zé a portar documentos, na verdade, ele tem o direito de reivindica-lo e o Estado a obrigação de providencia-lo. Procedimento simples: um pedaço de papel, um formulário padrão, uma foto e a coleta das digitais. No Estado brasileiro isso custou um mês pro José - cinco visitas ao departamento responsável, três madrugadas perdidas na fila porque recusou pagar um lugar mais a frente, vendido por negociantes atravessadores com a conivência ou cumplicidade dos funcionários da casa. Após isso tudo e apesar dos dados dispostos na sua certidão de nascimento, o burocrata que o atendeu ainda errou o nome da sua genitora no documento e o identificava deliberadamente como pertencente a outra etnia! Maria precisava de um prontuário - ganha um doce quem acertar o que é um prontuário! Após três visitas ao departamento e ouvir desculpas diversas, Maria convenceu-se que um prontuário deve ser mais do que mero formulário que pode ser preenchido por qualquer pessoa alfabetizada, afinal, não havia naquele departamento uma única pessoa capaz de preenche-lo! Diante disso, seu companheiro Raimundo registrou uma reclamação no site da Ouvidoria da Secretaria de Saúde, recebeu uma mensagem padrão com um numero de protocolo e isso foi tudo - um ano depois, Maria ainda não tem o prontuário e pagou um medico particular pra conseguir realizar os exames necessários, afinal, seu caso era a suspeita de um tumor. Não sabemos se os funcionários aprenderam ou estão dispostos a aprender a preencher formulários durante o seu horário de expediente, nem quantos cidadãos adoeceram ou morreram por falta de exames que exigem o referido documento, menos ainda quantos protocolos foram gerados pela Ouvidoria, tampouco o numero de servidores que suicidaram-se ou foram penalizados em decorrência de tão desproporcional medida diante de tamanho descaso.
Por razão que ignoro José precisava do documento de identidade - não há lei que obrigue Zé a portar documentos, na verdade, ele tem o direito de reivindica-lo e o Estado a obrigação de providencia-lo. Procedimento simples: um pedaço de papel, um formulário padrão, uma foto e a coleta das digitais. No Estado brasileiro isso custou um mês pro José - cinco visitas ao departamento responsável, três madrugadas perdidas na fila porque recusou pagar um lugar mais a frente, vendido por negociantes atravessadores com a conivência ou cumplicidade dos funcionários da casa. Após isso tudo e apesar dos dados dispostos na sua certidão de nascimento, o burocrata que o atendeu ainda errou o nome da sua genitora no documento e o identificava deliberadamente como pertencente a outra etnia! Maria precisava de um prontuário - ganha um doce quem acertar o que é um prontuário! Após três visitas ao departamento e ouvir desculpas diversas, Maria convenceu-se que um prontuário deve ser mais do que mero formulário que pode ser preenchido por qualquer pessoa alfabetizada, afinal, não havia naquele departamento uma única pessoa capaz de preenche-lo! Diante disso, seu companheiro Raimundo registrou uma reclamação no site da Ouvidoria da Secretaria de Saúde, recebeu uma mensagem padrão com um numero de protocolo e isso foi tudo - um ano depois, Maria ainda não tem o prontuário e pagou um medico particular pra conseguir realizar os exames necessários, afinal, seu caso era a suspeita de um tumor. Não sabemos se os funcionários aprenderam ou estão dispostos a aprender a preencher formulários durante o seu horário de expediente, nem quantos cidadãos adoeceram ou morreram por falta de exames que exigem o referido documento, menos ainda quantos protocolos foram gerados pela Ouvidoria, tampouco o numero de servidores que suicidaram-se ou foram penalizados em decorrência de tão desproporcional medida diante de tamanho descaso.
Já
o João foi tirar a sua CTPS. Após agendar pelo site do MTE pra depois de mês e
meio, no dia marcado, soube pelo zeloso funcionário que o atendeu que sendo a
dele a terceira via - a primeira naquele Estado -, mesmo apresentando a
anterior danificada e o documento de identidade, conforme tenha se declarado
solteiro, precisava apresentar também a certidão de nascimento! Por isso João
não pode ser contratado numa rara oportunidade de emprego, porque recusaram
fazer o documento pelo qual ele tem direito, posto que o zelo com o cumprimento
das exigências burocráticas seja muito mais importante que o direito ou o
trabalho de um João qualquer! Até hoje João ainda não tem emprego, carteira e
nem conseguiu entender a relação intrínseca e fundamental entre carteira de
trabalho, certidão de casamento ou de nascimento - sem duvidas, no entanto, que
João têm mais com o que se preocupar!
Sebastião
foi em janeiro a Defensoria Publica. Parece óbvio que quem procura esse órgão
não dispõem de recursos pra pagar um advogado ou rábula! Tanto quanto que não é
preciso ser nem um ou outro pra supor que um processo legal deve assentar-se em
bases formais! Tião foi atendido por uma funcionária arrogante e entediada que
ouviu-o com displicência e de forma absolutamente mecânica - sequer olhou-o ou
preencheu qualquer papel, tampouco lhe pediu isso. Agendou o seu retorno pra
maio e pediu que providenciasse um rol de documentos. Após 4 meses e outras
tantas idas e vindas e telefonemas, no dia agendado a funcionária disse que ele
não preenchia os requisitos para ser atendido por aquela Defensoria! Disse-lhe
ainda que ele havia sido "orientado" sobre isso antes - como assim,
"orientado" com agendamento pra retorno marcado?!!! Sebastião não
aceitou isso e foi a corregedoria. Mais arrogância, desinteresse e
corporativismo. Quando ele foi a Defensoria, pretendia apenas ser atendido,
tudo o que conseguiu foi um transtorno e uma reclamação! Registrou tudo
rigorosamente, juntou e anexou documentos e após seis meses conseguiu dar
entrada na ação judicial. Nenhum servidor foi punido ou advertido - alegou-se
que não havia indícios de má-fé, só incompetência mesmo e isso se tolera e
incentiva! -, a despeito da indolência, leniência, negligência, ainda hoje,
Sebastião não tem as visitas ao seu filho regulamentadas - em nenhum momento o
Judiciário considerou o seu direito ou interesse, tampouco o da criança, a
despeito do que diz a Constituição e o ECA, nada valem diante do Estado e da
máquina.
Ranata
e Paulo foram ao Conselho Tutelar. A criança "ocupa" uma casa
abandonada com o pai e divide o espaço com diversos usuários de crack. Aos nove
anos ela é viciada, abusada e explorada sexualmente. O conselho aconselhou-a a
procurar a Delegacia da Criança e Adolescente, pois, a situação envolvia crime
e risco. A delegacia orientou-os a procurar o CREAS, que por sua vez mandou-os
ao Ministério Publico que devolveu-os ao conselho. Nessa roda viva grotesca e
cínica da indiferença e do crime, com exceção da policia que alegou que isso
era um problema de "assistência social", todos os demais alegaram
perigo de vida e que não podiam ir sem escolta policial - se é perigoso pra
eles, imagine pra uma criança! Enfim, dias depois todos estavam na câmara
municipal debatendo redução da maioridade penal e os direitos das crianças e
adolescentes, menos a menina de nove anos, que segue viciada e abusada com a
cumplicidade do Estado e dos seus apaniguados.

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